A pretexto de uma decisão do governo em permitir aos trabalhadores da Administração Pública justificar a falta caso desejem acompanhar os seus filhos menores de 12 anos no primeiro dia de escola, volta a colocar-se uma questão recorrente:
– Deve o Estado usar o exemplo junto dos seus empregados para tentar contagiar positivamente o sector privado ou deve tomar medidas que alterem o enquadramento do mercado de trabalho sempre como aplicação global ao publico e ao privado?
(artigo de opinião)
Esta discussão é recorrente e nos últimos anos tem vindo a estar presente em várias medidas de ação política
Os últimos governos, de diferentes partidos, note-se, têm feito um esforço de harmonização da legislação laboral mas também fiscal e contributiva (ao nível da Segurança Social) que tem conduzido a uma progressiva aproximação entre público e privado.
Ainda assim, tem havido exemplos recentes de situações onde essa harmonização, ou ainda está por fazer, ou tem mesmo sido esquecida e prejudicada. Eis alguns exemplos.
O acesso à reforma antecipada
Apesar de estar prometida e de provavelmente estar por dias, a verdade é que os funcionários públicos neste momento (junho de 2019) têm piores condições de acesso à reforma antecipada e de reconhecimento da idade legal de reforma do que os trabalhadores do privado. Com as alterações implementadas em 2019 sobre a reforma, os funcionários do privado passaram a ter clareza no momento de decidirem se querem ou não passar à reforma. Os trabalhadores do Estado terão de esperar mais algum tempo e continua na incerteza do acesso e das próprias consequências de uma antecipação da reforma. Quem tiver carreira no publico e no privado vive igualmente num enquadramento próximo do caos. Veja aqui os vários artigos sobre as reformas antecipadas.
O salário mínimo nacional
Em sentido oposto, além da já referida discriminação positiva agora divulgada na falta justificada para acompanhar os filhos no início das aulas (ver “Folga no primeiro dia de aulas dos filhos menores de 12 anos para a Administração Pública“), em 2019, ficou definido um salário mínimo nacional superior em €35 para os funcionários do Estado face ao que foi estabelecido para a generalidade dos trabalhadores.
Sendo certo que todos assistiram a um aumento significativo do salário mínimo nacional (ver artigos sobre “Salário Mínimo”) a verdade é que se criou uma diferenciação positiva para os trabalhadores da Administração Pública que não existia.
A semana de trabalho
Outro possível tema é o da semana de trabalho de 35 horas que é prática corrente na Administração Público (ainda que, haja alguns trabalhadores do Estado a trabalhar 40 horas/semana).
No privado há, de facto, alguns sectores que também praticam as 35 horas (essencialmente o sector financeiro e segurador) mas a verdade é que a duração média da semana no privado é significativamente mais elevada do que no Estado.
Os salários no Estado, tipicamente para pessoal com formação superior, tendem a ser menos competitivos face ao sector do privado e esta pode, eventualmetne ser uma forma de compensação e de conferir competitividade ao Estado enquanto empregador. Contudo, esta discriminação assente nas horas trabalhadas e não no salário é fonte habitual de ressentimento e sentimento de injustiça por muitos dos que trabalham no setor privado.
Se o Estado considera que a jornada de trabalho recomendável é de 7 horas por dia e se assim implementa enquanto empregador, deveria considerar também generalizar esta implementação a toda a comunidade. Ou, em alternativa, justificar muito melhor do que tem feito a razão para a diferença. Ou ainda, promover a competitividade pelo salário e não tanto pelas horas trabalhadas.
É uma questão de perceção, mas é uma questão muito relevante que se insere no “pacote” de razões de incompreensão face ao aparelho do Estado.
A inveja e a injustiça
Num país onde desde a célebre epopeia de Camões, temos a inveja identificada como marca de água da alma portuguesa, este tipo de ação política que aposta na discriminação positiva para eventualmente servir de exemplo para o resto da economia é particularmente arriscada.
É verdade que melhorar as condições da Administração Pública não piora as condições do sector privado, no entanto, não há propriamente um historial muito abonatório de eficácia da capacidade de contágio das melhorias ao privado. E, não surpreende, ou não devia surpreender o poder político, que a primeira reação, em vez de ser a de batalhar pela igualitarização do que é favorável aos privados, seja a de um sentimento de injustiça que poderemos confundir com inveja.
Evitar os favores envenenados aos trabalhadores da Administração Pública
Perante este enquadramento em que a cultura do exemplo e as recomendações são tão pouco eficazes, fará sentido convidar os decisores políticos a reverem as suas ações quando tentam melhorar as condições laborais dos assalariados do Estado.
Se o exemplo da discriminação positiva é, essencialmente, percebido como uma injustiça e esse parece ser um desfecho inelutável, então o decisor político deve estabelecer que a regra deverá ser a de que qualquer alteração terá que ser de abrangência geral e nunca restrita ao Estado. E se não o fizer terá de ter justificações muito fortes que devem ser competentemente comunicadas.
Por outro lado, se considerar que tal alteração em que esteja a pensar não é comportável pelo sector privado, podendo acarretar uma disrupção que pode redundar numa situação final pior do que a de partida, quer para a economia, quer para a comunidade, então deve evitar atuar dessa forma.
O equilíbrio público-privado
A verdade é que o Estado e os governos têm ainda um longo caminho a percorrer se pretenderem continuar a equilibrar as condições laborais no sector público e no sector privado. Sendo certo que são legítimas algumas diferenças que resultam das próprias diferentes responsabilidades, é de todo recomendável que estas, sempre que possível se expressem de modo a tornar comparáveis as carreiras e que sejam estritamente justificáveis.
E note-se que evitar pagar um salário competitivo face ao privado a um técnico superior no Estado para depois ter que encontrar esquemas alternativos de compensação é uma péssima opção num país onde a memória é fraca e o sentimento de injustiça se cristaliza rapidamente em torno da medida considerada isoladamente.
Se assim é, o poder político tem a responsabilidade de proteger a Administração Pública de um odioso que não merece e, por outro lado, de conferir igualdade de tratamento a toda a população empregada em Portugal.
Da análise do que tem acontecido recentemente, diria que essa igualdade de tratamento deveria ser possível muito mais vezes do que tem sido comum. Basta para o efeito que o Estado (os governos) não se demita de usar os poderes que lhe estão atribuídos, garantindo a integridade da comunidade e evitando funcionar como factor de divisão e incompreensão face ao regime.
Conclusão
Em suma, evitar salários mínimos diferenciados, garantir uma progressiva convergência do número de hora trabalhadas, garantir a convergência do direitos de compatibilização da vida profissional com a vida familiar, garantir a convergência de tratamento na formação e gozo da reforma, tudo isto e muito mais devem ser desígnios sempre presentes na tomada de novas decisões legislativas e o custo de violar estes princípios deve estar mais presente na decisão política. Medidas avulsas e desconexas para abordar problemas estruturais são mau governo.
A Administração Pública, a prazo, agradecerá não receber presentes envenenados que a separam do resto da sociedade e o resto da sociedade reduzirá o sentimento de injustiça percebido por comparação ao Estado enquanto empregador.
Naquilo que eu, ex-FP, tinha de vantajoso relativamente ao privado, curiosamente, fui sempre prejudicado. O nivelamento em vez de ter sido feito por cima foi feito por baixo. Relativamente às 35 horas, nunca trabalhei menos de 40. Excepção feita quando por razões de serviço tinha de deslocar-me aos serviços centrais. Ainda sobre reivindicações feitas pelo privado (que odeia o público) seria bom que houvesse um mínimo de seriedade por parte dos sucessivos governos: Os direitos adquiridos dos servidores do Estado, tem sido constantemente atropelados. Entrei para o Estado por concurso público e com a exigência do 5º ano do liceu (ou equivalente). Isto, em 1958 e, jovens com o 5º ano, não havia muitos.
Se querem que fique tudo igual, assim seja mas, respeitem os direitos de cada um.
CONCORDO PLENAMENTE…, mas penso que a culpa será dos que defendem os trabalhadores? O Patrão na Administração Pública será o Governo em gestão e no Privado…. é o Empresário (DONO e SENHOR) da empresa e já agora a talho de foice; Tanto quanto julgo saber os contratos colectivos existentes foram(?) acordados em Concertação Social e os responsáveis defensores dos trabalhadores acordaram assim ou não? Se a Administração Pública está beneficiada em algo (?) também descontam para isso (nomeadamente para ADSE) e ninguém diz a verdade sobre isso). Mas realmente são mesmo benefícios envenenados mas as eleições vêm aí e o VOTO é a arma do POVO e se a ABSTENÇÃO em massa for votar T O D O S em B R A N C O ? Como serão eleitos os próximos deputados para a A:R:? Não esquecer que o voto é a arma do POVO então….FAÇA-SE uso da NOSSA BALA