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Guerras do PIB: E se o Estado em vez de pedir dinheiro tivesse pedido batatas emprestadas?

Guerras do PIB: com que PIB pagamos a dívida – com o real ou com o nominal? E o nominal tem alguma coisa de virtual? E se o Estado em vez de pedir dinheiro tivesse pedido batatas emprestadas?
Quando queremos ter uma noção da evolução da economia de um país, o indicador singular mais utilizado continua a ser – apesar de todas as suas insuficiências mais ou menos gritantes – o PIB, Produto Interno Bruto.

Tipicamente, se o PIB cresce, isso é bom, tudo o resto – estagnação ou queda – costuma ser interpretado como mau sinal.
Sem entrar na discussão da razoabilidade de “felicidade” e “saúde” de uma economia estar associada a uma perceção de crescimento eterno e do que isso pode significar para a própria sustentabilidade do planeta, a verdade é que há vários PIB relevantes, servindo cada um para seu propósito.

Se a ideia é saber se a economia cresceu – se gerou mais riqueza num dado ano – convém “limpar” do cálculo do PIB aquela componente que resulta da variação dos preços. Ou seja, convém usar o PIB real.
Se uma economia produziu unicamente 100 quilo de batatas e no ano seguinte produziu os mesmos quilos de batatas, o PIB real terá tido uma taxa de crescimento nula. Ou seja, a economia não cresceu, nem decresceu, ficou na mesma.
Mas se o preço do quilo de batatas subiu 10% de um ano para o outro, o PIB nominal (expresso em moeda considerando os preços) aumentou 10% sem que a economia tenha aumentado a riqueza geral – o PIB real continuou a igual (expresso em moeda, mas eliminando o efeito de oscilação do preço) mas o PIB nominal cresceu 10%. E esse crescimento, em unidades monetárias, que é aquilo que se usa para pagar o que se deve, não tem nada de virtual, ainda que, em batatas a distribuir por cabeça, de facto, não represente aumento real nenhum.

Podemos agora encarar a pergunta do título:

Guerras do PIB: Com que PIB pagamos a dívida – com o real ou com o nominal?

A dívida é expressa em moeda e, normalmente, é definida no início de cada contrato como correspondendo a um valor fixo e imutável a ir pagando num dado prazo que habitualmente também é pré-estabelecido e a uma taxa de juro que poderá fixa ou indexada (neste segundo caso a taxa poderá ir mudando ao longo do tempo).
O essencial, o valor em dívida, nunca aumenta depois de contraído o empréstimo, irá é diminuindo à medida que se for pagando ao credor. Portanto, antecipa-se desde já, que o PIB relevante para apurar o peso da dívida será assim aquele que mede o número de euros disponíveis numa economia para fazer face à dívida e não a quantidade de riqueza “limpa” dos efeitos do preço. Porquê?

Voltando à economia da batata. Se a economia pediu €5 de empréstimo no primeiro ano e os quilos de batata tiveram um valor de €100, o peso da dúvida no PIB teria sido de 5/100 ou seja, 5%. Se no ano seguinte a economia produziu os mesmos 100 quilos de batata o peso a dívida pode ter diminuído, por um lado porque pode ter havido alguma amortização da dívida mas, ignorando para já esse efeito, o peso da dívida pode ter diminuído se o valor dos 100 quilos de batatas tiver aumentado. Se o aumento for de 10%, os 100 quilos de batata terão passado a valer €110 e a dívida que se terá mantido nos €5 terá passado a pesar menos. Afinal, €5 em €110 pesa 4,5%, menos do que €5 em €100 que pesam 5%.

Se por hipótese o país conseguir exportar metade das suas batatas ao preço de €1,1/kg conta os €1/kg do primeiro ano, no segundo ano conseguiu fazer mais dinheiro que no primeiro, e, portanto, a parte das batatas que vendeu que teve que ser aplicada a pagar a dívida foi menor, tendo-se tornado mais fácil pagar a dívida.

Guerras do PIB: E se o Estado em vez de pedir dinheiro tivesse pedido batatas emprestadas?

Se a dívida em vez de ser medida em euros fosse medida em quilos de batata, a situação já seria diferente, pois o credor ao ter o direito de receber o seu pagamento em batatas, estaria protegido da variação do preço das batatas. Ele teria que se pago sempre na quantidade de batatas definida.
Como as dívidas dos estados soberanas geralmente são expressas em moeda, o risco associado ao preço, à inflação, corre assim por conta do credor e a inflação, sem considerar outros efeitos (a economia é bem mais complexa do que isto que se relata deste exemplo) acaba por ir “comendo” devagarinho a dívida ou o esforço real que o devedor tem que fazer para a pagar.

É por isso que para determinar o peso da dívida no PIB é mais relevante olhar para o PIB nominal – que cresceu 8,8% no ano terminado no 2º trimestre de 2022 para um total de €223,4 mil milhões – do que para o PIB real (que cresceu 7,1% no mesmo período).

Se estivermos a analisar a dívida pública, podemos afirmar que se ela cresceu abaixo de 8,8% no ano terminado no 2º trimestre de 2022, o peso da dívida pública no PIB diminuiu. E, de facto, terá sido isso que aconteceu. A taxa de juro do stock da dívida terá rondado os 2% nesse período e o défice do Estado terá tido um crescimento muito próximo de zero, ou seja, a dívida terá aumentado, em termos nominais (o número de euros que se devem), muito mais lentamente do que o PIB nominal (o número máximo de euros que, em tese, podem estar disponíveis para pagar dívida em Portugal, num dado ano).

Guerras do PIB: Como é que uma dívida eternamente crescente pode não ser um problema para os Estados?

O segredo para que as contas públicas se mantenha cada vez mais sustentáveis é garantir que o PIB nominal cresce sempre ou quase sempre mais depressa do que a velocidade a que cresce a dívida.
Desde que se garanta esta diferença de velocidades com a da dívida a ser mais lenta que a do PIB nominal, o peso da dívida no total da riqueza gerada será sempre cada vez menor mesmo que em número de euros em dívida possa nem diminuir. Será sempre mais fácil pagar a dívida pois ela representará uma fatia cada vez menor da riqueza produzida; a taxa de esforço pedida aos contribuintes diminuirá, no caso de estarmos a falar da dívida pública.

O engenho está na capacidade de tornar a dívida aplicada em atividades produtivas que gerem recursos mais do que suficientes para, não só pagar a dívida, como ainda libertar riqueza para a comunidade.

Naturalmente que esse objetivo dificilmente será atingido se o endividamento adicional se centrar em financiar consumo, em especial se esse consumo for alimentado pela necessidade de importar o que se está a consumir (como tecnologia digital, veículos de transporte…).
Já se essa dívida crescente alimentar novas atividades económicas rentáveis, uma dívida crescente em número de euros mas decrescente no peso que representa no total de euro gerados poderá ser meio caminho andado para um enriquecimento sustentado de um país.
Mais do que viver em absolutos de que a dívida é boa ou má, o fundamental é decidir bem em que aplicar os recursos existentes ou emprestados. E, já agora, não confundir realidades que fazem sentido na gestão de uma família mas muito pouco num Estado, nem esquecer que pagar o que se deve mais depressa ou mais devagar também não tem uma resposta certa ou errada eterna e universal. Em certos contextos, a opção mais inteligente pode ser abater depressa a dívida, noutras pode ser dilatá-la em favor de outras aplicações mais rentáveis e, quem sabe, irrepetíveis.

Saber decidir bem é a peça essencial que dita o sucesso ou insucesso dos povos ou, no mínimo, condiciona o seu nível de bem estar presente e futuro.

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