Os não residentes estarão a pagar valores recordes de impostos? Qual o valor de IVA pago por turistas estrangeiros que entra nos cofres do Estado? O peso dos impostos pagos pelos não residentes estará a aumentar na receita fiscal total?
De que forma o aumento dos impostos pagos pelos não residentes estará a inflacionar a precessão de aumento da carga fiscal suportada pelos residentes?
Estas são algumas perguntas que ganham relevo à medida que a atividade turística, fortemente induzida por não residentes, vai batendo recordes e o peso do turismo aumento na riqueza gerada em cada ano em Portugal.
A verdade é que ninguém sabe qual o valor de IVA pago por turistas estrangeiros que entra nos cofres do Estado. Ou se sabe, não revela. Tentaremos chegar a um valor aproximado neste artigo. E podemos desde já deduzir com forte grau de confiança que esse valor terá aumentado nos últimos anos, à boleia do aumento da atividade turística patente quer nos valores recorde dos proveitos totais da atividade turística, quer no valor recorde de transações feitas em Portugal recorrendo a meios de pagamento digital emitidos no estrangeiro.
€1.140 mil milhões de IVA pagos por não residentes em 2023 como estimativa conservadora
Segundo o exercício que a seguir efetuamos, estimamos que a receita de IVA proveniente de não residentes se terá aproximado de €1.140 milhões em 2023 o que corresponde a 5% da receita líquida de IVA de 2022 (último ano divulgado oficialmente).
Naturalmente, não estimamos os restantes impostos indiretos suportados por não residentes, nem são consideradas compras a dinheiro. Por outro lado, também não se corrigiu o valor de IVA eventualmente devolvido por via do regime Tax Free.
Como chegamos a cerca de €1.140 milhões de receita de IVA pago por estrangeiros?
A SIBS divulga regularmente os gastos com cartões estrangeiros em Portugal e nos dados mais recentes apresentados em janeiro de 2024 relativos ao ano completo de 2023, o volume de compras com transações com cartões bancários estrangeiros em Portugal foi de €7,4 mil milhões de euros, um valor 78,7% superior ao registado em 2019 – dados divulgados pelo Turismo de Portugal.
Ora aplicando o mais recente coeficiente de taxa média efetiva de IVA divulgado pela Autoridade Tributária referente a 2020 (16,75%) obtemos uma estimativa de receita de IVA de estrangeiros na ordem dos €1.139,5 milhões.
É certo que algum deste IVA poderá ter de ser devolvido, em particular a turistas Britânicos e Norte Americanos (a 2ª e 4ª origem que mais consome em Portugal) por via dos acordos de Tax Free mas também acreditamos que a taxa média efetiva de IVA de um turista será superior à de um nacional por consumir menos produtos essenciais com taxas de IVA mais reduzidas. E não é menos verdade que há pagamentos em dinheiro feitos por estrangeiros, por vezes envolvendo aquisições avultadas de produtos de luxo, entre outros que não estão adicionados aos valores de transações apurados pela SIBS.
Na realidade não sabemos se estas fragilidades se compensam mas é evidente que são contraditórias. Se tivéssemos que apresentar um palpite informado tenderíamos a acreditar que a nossa estimativa de “IVA dos não residentes” peca por defeito e não por excesso, mas só com dados mais precisos de que não dispomos poderíamos tirar teimas.
Que impactos esta receita fiscal tem nos cofres do Estado e no cálculo da carga fiscal?
Como já apurámos, uma receita líquida de IVA de €1.139,5 mil milhões representaria 5% da receita líquida de IVA em 2022.
Pagando no valor de € 87.120,1 milhões usado pelo INE para determinar a carga fiscal em 2022, este valor de IVA pago por não residentes teria um peso de 1,3 pontos percentuais no total de impostos considerados para calculo da carga fiscal e cerca de 0,42 décimas nas própria carga fiscal.
Ou seja, estes são impostos que não foram os residentes a pagar mas que entram para o cálculo da carga fiscal que é divulgada como uma percentagem do PIB nacional.
A estes valores somam-se muitos outros impostos indiretos suportados pelos estrangeiros e que estão “escondidos” neste total aproximado de despesa de €7.400 mil milhões.
Por exemplo, o ISV pago quando o turista enche o depósito do seu rent-a-car, o valor da taxa turística que paga por dormida, o imposto sobre álcool e as bebidas alcoólicas quando compra bebidas para consumo imediato ou para levar para o seu país, ou o imposto sobre o tabaco quando compra cigarros, charutos ou similares durante a sua estada.
Por tudo isto é muito admitimos que os não residentes estarão a pagar valores recordes de impostos. Mas há pelo menos mais uma análise que podemos fazer com esta informação para reforçar esta perceção.
Como evoluiu o IVA de não residentes entre 2019 e 2023?
E qual era o cenário em 2019, ano que à data também foi recorde de turismo e em que ainda não havia impactos do COVID?
Em 2019 os gastos com cartões estrangeiros em Portugal foi de €4.114,1 milhões. Nesse ano, a taxa média efetiva de IVA apurada pela Autoridade Tributária foi de 17%. Assim sendo, a receita de IVA proveniente de não residentes, seguindo a mesma metodologia, seria de €699 milhões.
Este valor de IVA representaria 3,7% da receita líquida total de IVA em 2019, ou seja, significativamente menos do que os 5,0% de 2022. Note-se que mesmo projetando um aumento de 10% da receita líquida de IVA em 2023 (valor final ainda desconhecido à data em que escrevemos este artigo), o peso deste “IVA dos não residentes” continuaria bem acima do peso de 2019, fixando-se em torno dos 4,5%.
Carga fiscal pode estar a ser empolada
Nos países em que o peso da atividade turística é especialmente relevante para a sua atividade económica global – e Portugal será um dos países do mundo onde isso é mais verdade com o turismo a poder ter representado qualquer coisa como 21,1% da economia portuguesa em 2023 (estimativa do World Travel & Tourismo Council em meados do ano passado) – o contributo dos não nacionais para a sua receita fiscal será especialmente importante.
É também natural que esta realidade fragilize a utilidade de um indicador como a carga fiscal ou outros seus derivados como o esforço fiscal quando estes sejam utilizados, quer para comparações internacionais com países com um perfil económico onde o turismo seja menos (ou ainda mais) relevante, quer para comparações cronológicas num mesmo país, em especial se estiverem em comparação períodos onde o peso do consumo dos não residentes mudou muito rapidamente – cenário que terá acontecido em Portugal nos últimos anos.
Por tudo isto, seria importante haver estatísticas oficiais robustas e regulares que permitissem apurar a carga fiscal com e sem receitas fiscais de não residentes e produzir séries cronológicas com ambas.
A verdade é que à data de hoje, com o exercício que aqui realizámos, é provável que o contributo relativo das receitas fiscais pagas por não residentes esteja a aumentar face à receita líquida total. E se estiver a carga fiscal está a dar uma ilusão de um aumento do esforço dos residentes que poderá não ser tão intenso, na realidade.
Qual é a realidade? Não sabemos, mas as pistas que temos é de que há uma fatia crescente dos nossos impostos que está a ser paga por não residentes. Por tanto, o mais certo será poder afirmar que os não residentes estarão a pagar valores recordes de impostos. Quer em termos absolutos, quer em termos relativos.