A incerteza e a magnitude setorial dos efeitos da pandemia é de tal ordem que o Banco de Portugal, no seu Boletim Económico de março de 2020 viu-se obrigado a definir dois cenários para as projeções. Na prática o Banco de Portugal prêve uma recessão má ou recessão muito má para 2020. Neste artigo iremos dar nota do que diz o Banco de Portugal: cenários para 2020 e anos seguintes.
Banco de Portugal: cenários para 2020
Desemprego pode duplicar
A taxa de desemprego que tem vindo a cair sistematicamente nos últimos anos e que terá fechado 2019 nos 6,5% poderá, no cenário mais pessismista, praticamente duplicar para 11,7%. E no cenário menos pessimista traçado pelo Banco de Portugal deverá fixar-se nos 10,1%. Como se pode ver desde já apenas por este número, em qualquer dos casos, a situação económica será gravíssima no final do ano.
O Banco de Portugal destaca contudo que:
“Refira-se que a evolução projetada para o desemprego depende crucialmente da configuração e magnitude das medidas de política que possam ser implementadas de imediato.”
Os próximos dias e semanas serão absolutamente fundamentais neste aspeto e dependerão, no essencial, e em primeira linha, da política económica do governo e, em segunda linha, da União Europeia.
PIB real pode sofrer maior contração registada
A destruição da atividade económica estará ao nível das piores da história recente, com o PIB a passar de um crescimento de 2,2% em 2019 para uma contração entre os 3,7% e os 5,7% em 2020.
Se o pior cenário se confirmar será a maior contração do PIB desde que há registos, batendo o recorde registado no ano de 1975 (contração do PIB real de 5,1%).
A exigência sobre as contas do Estado por via da queda da arrecadação fiscal e por via da necessidade de prestar apoio, numa primeira fase, às empresas procurando e empregados, procurando minimizar o impacto, e numa segunda fase ao inevitável novo exército de quase um milhão de desempregados, será enorme e potencialmente duradouro.
Segundo o Banco de Portugal:
Projeta-se que o consumo privado se reduza em 2,8% em 2020, após ter aumentado 2,3% em 2019. A evolução do consumo reflete, por um lado, um aumento da poupança das famílias num ambiente de grande incerteza e, por outro, a ligeira queda do rendimento disponível real. Esta queda é mitigada pelas medidas orçamentais anunciadas, antecipando-se um aumento significativo das transferências públicas para as famílias em 2020. Para o consumo público, estima-se um crescimento de 2,1% em 2020, superior ao de 2019 (0,8%), em resultado de um aumento significativo da despesa em saúde suportada pelas administrações públicas.
No cenário base, a formação bruta de capital fixo (FBCF) diminui 10,8% em 2020, devido à forte redução do investimento empresarial e, em menor magnitude, do investimento residencial. As despesas de investimento das empresas deverão ser fortemente condicionadas pela elevada incerteza quanto à magnitude e à duração do surto e ao seu impacto sobre as perspetivas de procura interna e externa.
Previsão para a Inflação em 2020
O Banco de Portugal antecipa que praticamente não exista oscilação de preços em 2020 podendo memso registar-se deflação, ou seja, uma descida generalizada dos preços no consumidor, ainda que ligeira.
Este tem sido dos indicadores mais difíceis de prever nos últimos anos e provavelmente em 2020 essa dificuldade será ainda mais relevante.
Balança Corrente e de Capital deverá melhorar
Curiosamente, a crise pode vir a ajudar a Balança Corrente e de Capital a registar uma melhororia significativa interrompendo uma tendência que a parecia conduzir para um inevitável défice.
Porquê? Muito à conta da evolução do preço do petróleo:
Os saldos da balança corrente e de capital mantêm excedentes ao longo do horizonte de projeção, de 2,0% este ano, 2,4% em 2021 e 1,3% em 2022, beneficiando da diminuição do preço do petróleo.
No contexto de um choque que incide sobre a procura e a oferta agregadas e que envolve alterações significativas de preços relativos, assume-se que prevalece algum efeito descendente sobre os preços, Assim, a taxa de inflação permanece em níveis baixos ao longo de todo o horizonte de projeção: 0,2% em 2020, 0,7% em 2021 e 1,1% no último ano do horizonte.
BCE e União Europeia decisivos na profundidade da crise
A forma de financiar este esforço e a eventual condicionalidade ou disponibilidade do Banco Central Europeu (BCE) e das instituições da Zona Euro e da União Europeia será determinante para definir o como fazer no presente mas também o como gerir e enfrentar o futuro no dia seguinte à crise.
As últimas indicações do BCE parecem ser promissoras no sentido de que irá conseguir garantir que os Estados afetados irão dispor de todo o financiamento de que disponham para procurar mitigar o impacto da crise e gerir as suas consequências. Resta saber se anexo a essas compras de dívida soberana que o BCE fará no mercado virá associado um compromisso de condicionalidade (uma espécie de troika europeias associada ao MEE . Mecanismo Europeu de Estabilidade ou não). Os próximo dias o dirão.
Naturalmente a história de 2020 ainda não está escrita e as projeções do Banco de Portugal poderão ser significativamente revistas nos próximos meses. Tudo dependerá da eficácia das medidas de política económica e orçamental que vierem a ser tomadas, das duração do surto de COVID-19 e suas eventuais segundas vagas e da própria articulação económica mundial.
E depois de 2020?
Como nota positiva, ainda que necessariamente tão ou mais incerta do que para 2020, destaca-se a previsão do BdP para 2021 e 2022. Em qualquer dos cenários, antecipa-se o início da recuperação da atividade económica que, ainda assim, levará o seu tempo até repor os níveis em que estávamos há bem poucos meses.
Comentário Final
Como comentário final damos destaque a um excerto adicional do comunidado do Banco de Portugal onde destaca a situação singular da economia portuguesa, bem como deixa nota da importância da existência de articulação global para enfrentar a crise.
Iremos certamente continua a acompanhar a situação.
“A economia portuguesa apresenta vulnerabilidades específicas face a um choque desta natureza. A importância do setor do turismo na atividade económica implica uma elevada exposição à redução esperada da procura global deste tipo de serviços, que será muito significativa. Um choque económico desta dimensão coloca também dificuldades acrescidas ao tecido empresarial, dominado por empresas de pequena dimensão e com situação financeira relativamente frágil. Finalmente, a elevada percentagem de famílias perto ou abaixo do limiar de pobreza em Portugal implica uma reduzida margem de absorção do choque perspetivado sobre o rendimento.
A crise desencadeada pelo novo coronavírus constitui um inédito e sério desafio às diversas políticas económicas, que deverão dar prioridade à resposta de curto prazo ao impacto provocado pela pandemia, mas as considerações de médio prazo deverão também ser tidas em conta.
O momento atual volta a sublinhar a necessidade do reforço da liderança, coordenação e cooperação internacional em vários domínios, especialmente em termos económicos. Neste âmbito assume importância o aprofundamento da União Monetária, com a implementação e reforço dos mecanismos orçamentais europeus para a estabilização económica e para a promoção da convergência. Perante um choque comum como a emergência do coronavírus, é necessária solidariedade e a adoção de políticas partilhadas a nível europeu. Adicionalmente, a cooperação internacional tendente a evitar a acumulação de desequilíbrios macroeconómicos e a adoção de políticas protecionistas deve ser intensificada.
Em Portugal, tal como em crises passadas, os agentes económicos e a sociedade em geral saberão solidariamente ultrapassar a atual situação de emergência, devendo retirar-se os ensinamentos que permitam um melhor desempenho no futuro, num quadro de cooperação europeia e internacional.”
Não deixe de ler os artigos sobre o surto do COVID-19 que temos publicado.