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EUA e China: corrida para o fundo do poço

Correndo o resto de deixar de fora vários aspetos importantes, podemos explicar a relação atual entre os EUA e a China como uma luta pelo domínio de aspetos chave da economia e pelo domínio de poder a nível mundial.  A verdade é que há um grau muito razoável de interdependência entre os dois países e, como tal, qualquer ação de um face ao outro terá impactos em ambos, não sendo líquido que quem ataca fica melhor do que quem é atacado. Hoje podemos resumir a situação entre EUA e China numa corrida para o fundo do poço. Pelo menos se se mantiver a escalada de conflitualidade em curso.

Porquê então esta tensão crescente? Se olharmos para o EUA verificamos que a China é apenas mais um alvo. A tensão tem sido crescente com a União Europeia, com os seus vizinhos norte americanos (Canadá e México), com a Rússia. Para perceber esta mudança sistemática e abrangente de atitude podemos ter que recuperar uma das frases chave da atual administração Norte Americana. O mote interno para este mandato de Donald Trump será conhecido por muitos “Make America Great Again” mas houve outro mais dirigido à política externa: “America First”.

Do lado chinês, por outro lado, a ambição não será muito diferente. A China continua a seu percurso de progressiva aproximação ao poderio Americano, procurando substituir a hegemonia americana sempre que possível e sem reservas, incluindo no domínio militar. Menos visíveis em Portugal, a verdade é que há tensões militares significativa, quer ao nível do conflito cybernético, da capacidade de projeção espacial, quer no jogo de poder militar pelo domínio territorial e maítimo do sudeste asiático (onde a China tem uma longa lista de inimigos que tem cultivado com particular arrogância).

 

America First

XTBOs EUA têm uma posição estratégica dominante em muitos tabuleiros e estão dispostos a exercer esse poder de forma muito mais ativa com vista a extrair ganhos dessa posição. O principal interesse dos EUA com esta administração não é o de ser o polícia ou a consciência civilizacional do mundo, procurando estar à altura do estatuto de mais antiga democracia em exercício contínuo no planeta. Este foi um caderno de encargos que foi sendo aceite com maior ou menor dose de hipocrisia e cinismo pelos presidentes anteriores mas que foi largamente desvalorizado pelo atual. Por estes anos a política é brutalmente clara: America first.

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Se as consequências práticas da política instituída serão benéficas a médio e longo prazo para os EUA é algo que se estar por provar. Para já há a convicção de que serão benignas pelo menos no curto prazo ou, pelo menos, em termos políticos e da esfera do interesse pessoal do atual presidente pelo que, enquanto assim for, é para acreditar que esta política se manterá enquanto Trump for o líder político dos EUA. Ou enquanto quem estiver do outro lado não apresentar argumentos suficientemente fortes para dobrar a mão americana.

Dito isto, convém também dizer que a tensão entre os dois países não é recente, nem começou com a chegada de Trump ao poder. Contudo, mudou de tabuleiros, ou melhor, alargou-se a novos tabuleiros de forma bem mais exuberante.

 

Protecionismo – a nova norma?

Nos últimos anos temos assistido a tomadas de posição protecionistas por parte dos EUA, muitas vezes justificadas pela deslealdade com que o estado Chinês e as empresas por si dominada estão num mercado global e largamente liberalizado. São frequentes as acusações de roubo de tecnologia, desrespeito pelas patentes e marcas, recurso a dumping social e económico, corrupção de estados estrangeiros ou mesmo exploração de estado pobres que caíram na malha de influência chinesa, etc. Verdade seja dita que pelo menos alguns destes libelos assentariam bem também na história que levou os EUA (e não só) a tornarem-se uma potencia mundial. A verdade é que, no meio disto tudo, seria imprudente e ingénuo encontrar santos e pecados.

Há um fundo de verdade nas justificações norte americanas, como também haverá interesse egoístas dos americanos que pouco tem a ver com a defesa de um sentido de justiça no mercado internacional ou da estrita defesa da civilização ocidental e seus valores.

Sejamos objetivos. Estamos perante duas potências mundiais que lutam pelo poder sendo que, é verdade, mesmo apesar de Trump, há sempre o risco de um certo conceito de civilização e de vida e liberdade democrática poder estar também na berlinda quando uma das partes é protagonizada por um estado autoritário, policial, dominador de todos os sectores da sociedade, economia e sociedade do seu próprio país, como é o caso do Estado Chinês.

Mas voltemos ao que é mais visível em termos económicos. Convém sublinhar que em alguns aspetos essa luta é bem mais relevante do que noutros.

 

O caso da tecnologia 5G

Concentremo-nos num especialmente relevante, em particular pelo seu impacto duradouro na economia e desenvolvimento tecnológico futuro e, também, pelo risco potencial que acarreta para direitos e liberdades civis: a disputa em torno da tecnologia 5G.

Este será dos conflitos mais significativos em termos económicos e dos que exigirá maior cuidado na análise antes de apontarmos o dedo. Neste mercado, os EUA não estão a jogar o jogo justo – porque estão tecnologicamente atrasados (tal como a Europa) e sem condições de competirem de igual para igual – mas apresentam um caso que não pode nem deve ser descartado pela pura defesa intransigente das regras de um mercado de concorrência.  Essa, convém, ter bem presente, será sempre a defesa de uma utopia com os seus perigos que neste campo, onde há forte probabilidade de o vencedor sair monopolísta à escala global e com acesso ou controlo sobre todos os aspetos críticos da sociedade tecnológica, poderá levar a um desfecho difícil de reverter e com consequências potencialmente dramáticas.

No meio desta guerra de argumentos, os Europeus têm vindo a ser aliciados pelo paciente chinês – nós, portugueses, estamos entre os seus principais aliados europeus – mas não podem dar-se ao luxo de desprezar o seu principal parceiro estratégico em termos económicos, societários, políticos e militares – os EUA.

Neste momento a Europa terá poucas condições para servir de fiel da balança em todos os tabuleiros em conflito, até pelas várias divisões internas que a afligem (Brexit, Grupo de Visegrado, etc) mas não deixará de ter (ainda) o seu papel em algumas das decisões estratégicas. A questão do 5G será certamente uma delas.

A pressão dos EUA para que os seus aliados europeus permitam que nada de fundamental se decida nesse setor sem que o gap tecnológico favorável aos chineses seja resolvido é total. O desejado é até barrar completamente o papel das empresas tecnológicas chineses, uma opção que está a fazer o seu caminho mas que não é ainda definitiva.

Esta será uma decisão a acompanhar com atenção nos próximos meses.

 

O impacto nos mercados

XTBA incerteza do impacto nos mercados é assim uma evidência e o risco de haver um arrefecimento muito significativo da atividade económica é bem real.

Nas últimas semanas voltou a colocar-se em cima da mesa mais um tabuleiro de conflito, o da política cambial, com a China a desvalorizar administrativamente a sua moeda, impulsionando assim as suas exportações e diminuindo os incentivos sobre as importações. Uma política arriscada e insustentável a médio prazo.

Dito isto, a verdade é que onde há risco, há oportunidade de ganhos e de perdas. Mas estes não serão tempos para os fracos de coração. O investidor terá de ter plena consciência que está a atuar num contexto de elevada incerteza pelo que deverá ajustar a sua política de investimento a esse mesmo contexto.

Como dissemos, há ganhos potenciais ao dispor mas será preciso abordá-los com uma postura de grande reatividade ou, em alternativa, com uma longa projeção temporal do investimento escolhendo muito bem os títulos onde apostar. As cautelas são especialmente recomendáveis nos mercados de capitais associados a ações e obrigações do tesouro onde há títulos que têm incorporadas grandes valorizações à boleia de políticas monetárias expansionistas e de um ambiente de baixas taxas de juro, pouco indutoras de retorno em ativos de baixo riscos e, também, tragicamente, incapazes de induzir investimentos de médio e longo prazo com potencial produtivo e reformador do tecido económico.

Assim como é real o facto de a economia mundial e, em especial o sector financeiro, nunca ter voltado a uma normalidade conhecida antes de 2008 e que hoje, honestamente, ninguém consegue antecipar com credibilidade se será recuperável sem drama e de que forma, é também legítimo perguntar se será desejável regressar ao mundo previsto nos manuais que tínhamos antes de 2008.

Ficar à espera que o passdo regresse não parece ser uma opção. Um tema a que regressaremos noutro artigo.

 

Possíveis desenvolvimentos futuros

A política dos EUA não é necessariamente suicida como alguns têm dito. Pelo menos, o princípio fundamental de equilibrar as regras do jogo chamando para a discussão premissas que todos até aqui aceitaram violar e impondo constrangimentos sempre que essas premissas sejam violadas (o dumping social e o desrespeito pelos direitos de propriedade não deviam ter lugar entre parceiro comerciais) não são em si um erro. Pelo contrário.

Já a política de erodir alianças (com a Europa, com os vizinhos de continente Norte Americano) e de afrontar todo o mundo ao mesmo tempo (China mas também Rússia, entre outros) pode revelar-se desastrosa. Haver jogo suficiente na cartada norte americana? Ou há bluff? No momento em que for indispensável forjar alianças para garantir decisões estratégicas globais haverá jogo de cintura para acomodar compromissos, transformando em anedota e pequenas birras aquilo que hoje parecem grandes áreas de tensão?

E do lado da China, a revelação mais empenhada das contradições do regime e das opções de política internacional chineses farão mossa na sua esfera de influência e capaciade de intervenção internacional? Serão, de facto, ostracizados de mercados fundamentais? E a fragilidade financeira chinesa que anda há anos a ser mitigada poderá vir a precipitar-se com esta tensão duradoura com os EUA? Poderão as tensões políticas internas (ver Hong Kong) ter um papel nesta equação criando uma tempestado perfeita?

Identificamos muitas pontas soltas num conflito onde, em vários aspetos, os contendores têm pés de barro. A situação é, portanto, séria.

Uma cosia é razoavelmente certa: quanto mais rapidamente se perceber o limite do impacto do desígnio “America First” nas relações dos EUA com os seus aliados históricos mais facilmente se perceberá até onde poderá ir a tensão e as consequências da tensão com a China.

Enquanto Trump continuar numa lógica de franco atirador contra tudo e contra todos, mais difícil será antecipar algo diferente de uma crise económica mundial. Entretanto, os EUA entram na reta final de mais um ciclo eleitoral e dificilmente teremos as respostas às perguntas aqui feitas antes de novembro de 2020.

Veremos que outras perguntas poderá a economia e a política internacional fazer até lá.

Em parceira com a XTB.

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