Um olhar pelas pensões: mais ricos vivem mais tempo do que mais pobres

Há poucos dias, a propósito do relatório da OCDE “Pensions at a Glance – Um Olhar pelas Pensões”, o Jornal de Negócios publicou uma peça intitulada “Nem todos os pensionistas vivem 19 anos. Como definir as regras?” que deu destaque a uma reflexão promovida pela OCDE no referido relatório. Como agir – se é que se deve agir de todo -, perante um viés evidente entre diferentes populações de pensionistas (e contribuintes) face à quantidade e qualidade de tempo de vida que têm na situação de reformados?

Os factos de vários países da OCDE (de que Portugal é membro) revelam que a população que aufere as reformas maiores, vive mais tempo e com melhor qualidade de vida em termos de saúde do que a população dos pensionistas com reformas menores. Ou seja, o tempo de vida média na reforma que rondará os 19 anos, está distribuído de forma muito desequilibrada entre os pensionistas quando eles são agrupados segundo o valor da reforma.

Sucede que, na maioria dos países, as pensões atuais são pagas pelos descontos dos salários atuais, ou seja, não há uma caixinha pessoal e intransmissível onde os descontos feitos ao longo da vida são guardados. Pelo contrário, o regime é inteiramente solidário na vida ativa e depois dela, num contrato social intergeracional. E, como tal, tem que se gerido para ser sustentável a cada momento, seja criando almofadas financeiras que servirão a todos em períodos de desequilíbrio (crises económicas ou evoluções demográficas intensas), seja ajustando os limiares que definem o encargo do sistema (a taxa social única, a idade da reforma, o valor das pensões, entre outros).

Um dos limiares ajustados mais frequentemente – em Portugal é ajustados todos os anos – é a idade legal da reforma. Este valor oscila, enquadrado por uma fórmula de cálculo sensível à esperança média de vida e pressupõe que, em média, todos os pensionistas viverão um número semelhante de anos após a reforma. Ou seja, um número médio de anos, de acordo com a esperança média de vida.

O que este estudo da OCDE vem evidenciar é que a média, afinal, pode ser particularmente infeliz dado que a população de reformados está longe de ser semelhante. É, pelo contrário, muito diferente estando a esperança de vida “distribuída” de forma muito enviesada de acordo com o rendimento, em desfavor dos que tiveram menos rendimentos e que, estarão menos anos na reforma e menos anos com qualidade de vida na reforma.

Um regime de pensões antecipadas ou de bonificação na idade da reforma que discrimine positivamente quem tem carreiras mais longas, provavelmente, mitigará este viés, isto se assumirmos que, em média, quem tem carreiras mais longas será também quem terá menores pensões (porque estudou menos, por exemplo). Mas poderá não ser apaziguador suficiente. Até porque, nem sempre essa relação existe – basta pensar em que teve períodos de desemprego ou de afastamento do mercado de trabalho.

Por outro lado, fará sentido, para aferir se o viés na reforma conta a história toda ou, pelo contrário, tem contrapeso na vida ativa, analisar até que ponto há ou não redistribuição de rendimentos dos maiores contribuintes para os menores.

Pela taxa contributiva em si ( a Taxa Social Única ou TSU), a redistribuição não parece existir pois todos os trabalhadores descontam €11 por cada €100 que ganhem, independentemente de ganharem o salário mínimo ou vários milhares de euros.

Poderá haver, por via de outros impostos, uma maior contribuição relativa dos que auferem maiores rendimentos no financiamento, em especial, das prestações sociais não contributivas que atendem, tipicamente, a situações limite de rendimentos muito baixos. Haveria ainda outros detalhes a considerar específicos do sistema português mas fiquemo-nos por estes exemplos que, e todo o caso, nos convidam a dizer que seria necessário fazer as contas.

Ainda assim, independentemente das contas e dos seus resultados, se pretendermos que o regime continue a ser solidário – e será extremamente difícil encontrar recursos para fazer a transição para migrar, por exemplo, para um regime de caixinhas individuais, mesmo que se queira – o objetivo final não deverá ser o de transformar um regime solidário de seguro coletivo num regime que seja equiparável a um de seguros individuais onde cada um terá uma conta que irá capitalizando ao longo da carreira.

Nesse sentido, as contas do deve e haver ao nível individual, não têm que bater certo. O enquadramento familiar e local, a herança genética, a própria sorte terão sempre um papel relevante que se junta ao esforço pessoal, entre outros, para construir a narrativa de cada vida pessoal e como tal, haverá sempre um fator de aleatoriedade que, muito provavelmente, incentivará a que uma maioria aceite e defenda uma forma de partilha de risco parecida com a que está embutida no sistema de segurança social vigente.

Contudo, nada se perde em conhecer, em fazer, pelo menos, algumas contas. Até para evitar que preconceitos mal formados destruam a credibilidade técnica e social do sistema que temos.

Afinal, se, numa perspetiva superficial, os que mais ganham, são vistos como os que mais contribuem e parecem financiar a sua reforma e a de outros (enquanto estão no ativo), a verdade é que esta contabilidade fica muito mais complicada se atendermos a que serão também eles que estarão, em média, mais tempo a receber as suas mais elevadas reformas. É caso para aprofundar, de quando em vez, o nosso olhar pelas pensões.

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