Em quanto estamos a reestruturar a dívida pública a cada nova emissão de dívida?

Com o que Portugal está a pagar de juros pela dívida pública nova que emite face ao que se está a pagar pelo stock da dívida histórica estamos a reestruturar a dívida pública a cada nova emissão de dívida. Ou seja, a reduzir o fardo orçamental associado à mesma.

No final de 2016, os quase €240 mil milhões de dívida pública pagavam um juro médio de 3,2% (custo da dívida direta do Estado). Por estes dias – dezembro de 2017 – as emissões de dívida pública a 10 anos pagam um juro de cerca de 1,8% e se considerarmos que a maturidade média do stock da dívida está algures entre os 5 e os 10 anos, o custo ponderado da nova dívida deve fixar-se entre os 0,45% que se pagam a 5 anos e os já referidos 1,8% que pagamos a 10 anos.

ADENDA: a 15 de dezembro de 2017, os juros da dívida pública continuavam a descer tendo atingido um patamar inferior ao de Itália. Algo que aconteceu poucas vezes na história, a última das quais em 2009.

 

Reestruturar a dívida pública a cada nova emissão

Comparando todos estes números e mesmo admitindo que o custo do stock terá caído novamente em 2017 (até pelo pagamento antecipado do caro empréstimo do FMI que está a ser muito expressivo) pode-se dizer que a nova dívida custará cerca de metade do que se paga pelo stock da dívida.

Assim sendo, estamos a reestruturar a dívida aproveitando os juros historicamente baixos a que Portugal está a conseguir colocar novos pedidos de empréstimos no mercado. No início do ano de 2017, quando os juros eram ainda elevados, a melhor hipótese de reduzir o serviço da dívida (o que se tem de pagar para “servir” os credores que nos emprestaram o dinheiro num dado momento) era apostar no diferencial entre o que tínhamos que pagar por novos empréstimos e aquilo que tínhamos que pagar de juro ao FMI, uma taxa que ainda era superior ao que conseguimos nos mercados.

Com a evolução positiva da atividade económica, do défice e da arrecadação fiscal e com o reconhecimento externo de que a economia e as contas públicas portuguesas estão a evoluir no bom sentido, os juros da dívida portuguesa no mercado caíram muito significativamente e muito depressa.

Hoje estão próximos do mínimo histórico, por um lado, e têm um diferencial face ao que têm de pagar os nossos parceiros, igualmente muito baixo, por outro.

No fundo, o prémio de risco de se emprestar a Portugal em vez de se emprestar à Espanha ou à Alemanha está também muito reduzido. Com isso, repagar ao FMI já não é a única via óbvia de reduzir o custo da dívida, a cada empréstimo de obrigações que contraímos no passado e que chega ao fim do seu prazo e a cada, inevitável, pedido de novo empréstimo para colmatar esse pagamento, ficamos a pagar um juro mais baixo.

 

Se substituíssemos toda a dívida histórica por dívida nova, fatura dos juros caía para metade

Na prática, se fosse possível (e, infelizmente não é) de uma assentada, trocar os quase €250 mil milhões de dívida que temos na folha do deve, por novos empréstimos que fôssemos levantar, neste momento, ao mercado, ficaríamos a pagar cerca de metade dos juros que pagamos atualmente; uma poupança de cerca de €4 mil milhões. Ou seja, o défice passaria a ser de zero pois é sensivelmente esse o valor que resultada do saldo entre receitas e despesas do orçamento do Estado em 2017.

Sublinhe-se que, se por artes mágicas, a dívida deixasse de pagar juros teríamos há vários anos um superavite orçamental, ou seja, sobraria dinheiro todos os anos depois de cobrados os impostos e pagos os serviços públicos, pensões, etc.

Se no passado o Estado não faliu porque teve de pagar 7% por uma linha de crédito, agora também não consegue reduzir drasticamente o paga de juros só porque está há dois ou três meses com juros baixos. Não há procura suficiente no mercado para, de repente, conseguirmos ir levantar largas dezenas de milhares de milhões de euros aos mercado.

Contudo, se este nível de taxas de juro e, em especial, este diferencial ou prémio de risco face aos nossos parceiros se mantivesse por mais um punhado de anos, o essencial desse efeito benigno de termos hoje juros mais baixos do que o que estamos a pagar aos credores que nos começaram a emprestar há alguns anos, seria capturado e o peso dos juros da dívida cairia mesmo, de forma significativa.

Assim sendo, para que reestruturar a dívida pública a cada novo empréstimo seja decisivo, é preciso conseguir manter o prémio de risco face aos nossos parceiros estável (a subida de juros futura será muito menos preocupante se resultar de um processo inflacionista geral do que de um aumento de receio de emprestar especificamente a Portugal). E é preciso que o défice permaneça controlado, sendo que, o próprio défice será tão mais fácil de controlar ou mesmo eliminar, quanto maior o período em que esta relação benigna entre juros históricos e juros correntes se mantiver.

 

Como aproveitar ao máximo a boa conjuntura

O IGCP, instituição que gere a dívida pública, pode ainda antecipar em alguma medida as vantagens do momento atual, em especial se, como parece estar a suceder, no mercado, existir a perceção de que a situação de Portugal (e não só) em termos de juros, permitirá ainda obter ganhos interessantes nos próximos meses, ou seja, se a perceção for de que os juros ainda vão descer antes de voltarem a subir.

Como pode antecipar essas vantagens? Oferecendo-se para trocar dívida que está a pagar mais cara mas que já tem uma duração até à maturidade relativamente curta, por outra dívida, nova, que oferecerá um juro anual mais baixo, mas que garantirá por um período mais extenso. Ou seja, trocar dívida cara com dois ou três anos de prazo pela frente por dívida mais barata com cinco a 10 anos de prazo.

Qual o interesse para o investidor? O investidor pode achar interessante assegurar durante mais tempo um juro garantido por 10 anos perdendo alguma coisa face ao que ganharia nos dois ou três anos que ainda poderia lucrar com o empréstimo que deu ao Estado Português há alguns anos, do que correr o risco de, se exigir ser pago durante mais dois ou três anos, chegar ao final desse prazo e não encontrar nenhum juro interessante para reinvestir o capital que entretanto lhe teria sido devolvido.

 

Que a situação atual dure por muito anos or else

 

Do ponto de vista português, quanto mais tempo durar a atual conjuntura melhor, pois a cada empréstimo que tem de ser renegociado, menor será o juro que se terá de pagar.

Contudo, é improvável que a referida conjuntura dure o tempo suficiente para que a posição do Estado, empresas e famílias portuguesas se torne suficientemente sólida para que não se antecipem problemas numa próxima fase mais adversa do ciclo.

Em todo o caso, é aproveitar enquanto dura. Aos poucos, a insustentabilidade da dívida reduz-se. O futuro dirá se em algum momento, perante uma nova crise, a dívida será suficientemente comportável para não exigir uma reestruturação clássica, ou seja, uma que implica perdas diretas de capital a quem emprestou.

Rui Cerdeira Branco

 

Mais aqui sobre reetruturação da dívida no longo dos anos no Economia e Finanças.

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