Relatório Estatístico da Emigração Portuguesa de 2014 – Emigração real acima da oficial

Através da peça do jornal público Emigração jovem: dados oficiais não contam tudo chegámos ao Relatório Estatístico da Emigração Portuguesa de 2014 recentemente divulgado pelo Observatório da Emigração. Uma obra abrangente que vai além dos métodos habituais usados pelo INE para a quantificação e caracterização da emigração portuguesa nos últimos anos.

Destacamos a introdução dividida em nove pontos (na prática um sumário executívo) desta obra de mais de 200 páginas. Sublinhados nossos:

1. Viverão hoje no mundo mais de dois milhões de emigrantes portugueses (entre dois milhões e dois milhões e trezentos mil). Esta população é o resultado acumulado de migrações internacionais com origem em Portugal que se sucederam desde a II Guerra Mundial, numa primeira fase essencialmente transatlânticas, desde os anos 1960 com a Europa por destino principal. Contando com os descendentes diretos destes emigrantes, a população de origem portuguesa nos países de emigração ultrapassará os cinco milhões.
2. A viragem europeia da emigração portuguesa foi reforçada no pós-1974. Depois de um interregno que se prolongou durante quase uma década, a emigração portuguesa voltou a crescer gradual e sustentadamente com a integração de Portugal na Comunidade Económica Portuguesa, em 1986. A liberdade de circulação no espaço europeu, mais vasto do que o conjunto dos países da União Europeia devido aos acordos com os países da EFTA, explica porque nesta fase a emigração portuguesa se concentrou ainda mais na Europa. Em 2010 não só residiam no conjunto dos países europeus mais de dois terços dos portugueses emigrados como se dirigiram para a Europa mais de 85% dos emigrantes que nesse ano saíram de Portugal.

3. Em termos relativos, esta história emigratória acumulada fez de Portugal o país da União Europeia com maior emigração. A população portuguesa emigrada representa hoje mais de um quinto da sua população residente e tem crescido a ritmo superior a esta nas últimas décadas. Em contrapartida, a imigração mantém-se em valores em torno dos 5% da população residente desde a viragem do século, abaixo da média da imigração na União Europeia e com tendência para decrescer.
4. É possível distinguir hoje três conjuntos de países de emigração. Em primeiro lugar, os países com populações portuguesas emigradas de grande volume mas envelhecidas e em declínio devido à redução substancial da emigração a partir de Portugal: é o caso dos países do continente americano (Brasil, Canadá, EUA e, numa escala mais reduzida, Venezuela), onde a entrada de novos imigrantes portugueses é hoje insuficiente para compensar a mortalidade e eventuais movimentos de retorno e de reemigração. Em segundo lugar, os países com grandes populações portuguesas emigradas envelhecidas mas em crescimento, para os quais ocorreu uma retoma da emigração portuguesa que, nos últimos anos, foi suficiente para inverter a tendência para a estabilização ou mesmo recessão populacional, mas não para compensar o envelhecimento resultante da profunda desaceleração da entrada de novos imigrantes no período pós-1974: é o caso, sobretudo, da Alemanha, França e Luxemburgo. Por fim, um conjunto de novos países de emigração com populações portuguesas emigradas jovens e em crescimento, embora com padrões já variáveis: casos da Suíça, com uma história de emigração portuguesa intensa mais longa (desde a segunda metade dos anos 1980), do Reino Unido, hoje o principal destino da emigração portuguesa e ainda numa fase de grande crescimento (50% em 2013), e a Espanha, a atravessar uma fase de declínio como destino migratório desde a crise financeira mundial de 2008 por recessão dos sectores da construção responsáveis pela atracão de mão-de-obra pouco qualificada no período anterior.
5. Os efeitos da crise sobre o volume e o padrão da emigração portuguesa variaram ao longo dos últimos anos. Numa primeira fase, entre 2008 e 2010, a natureza global da crise financeira e o seu impacto no emprego em Espanha, então o principal destino da emigração portuguesa, traduziu-se num decréscimo da emigração portuguesa. Desde 2010, com a natureza assimétrica da chamada crise das dívidas soberanas, a emigração cresceu muito rapidamente, tendo provavelmente saído de Portugal, em 2012, cerca de 95 mil portugueses. Nesta retoma destacam-se os destinos emigratórios do Reino Unido, Suíça e Alemanha, bem como uma generalização da emigração para os países europeus economicamente mais fortes (Bélgica, Holanda e países escandinavos). O Reino Unido constitui hoje não só o principal destino da emigração em curso, como o mais importante polo de atracão dos emigrantes portugueses qualificados.
6. A nova emigração portuguesa é hoje mais qualificada do que no passado. Porém, com os dados disponíveis, relativos a 2010/11, não é possível afirmar que essa maior qualificação seja superior à maior qualificação da população portuguesa em geral. Até aquela data, o crescimento da população emigrada com um diploma do ensino superior fez-se ao mesmo ritmo do crescimento da população portuguesa diplomada. Porém, com o colapso pós-2008 do maior fluxo de emigração portuguesa desqualificada deste século, para Espanha, e o crescimento da emigração para novos destinos como o Reino Unido ou, a um nível ainda muito baixo, para os países nórdicos, é possível que esteja a haver mudanças ainda não registadas na estrutura de qualificação da migração.

7. Por fim, algumas notas metodológicas. Há nas migrações internacionais uma assimetria fundamental. O direito de sair do país em que se reside está hoje estabelecido como liberdade individual fundamental. Pelo contrário, o direito de entrada num país que não o de nacionalidade continua a ser limitado pelo reconhecimento da soberania dos estados nacionais e do consequente direito destes ao controlo da entrada de estrangeiros no seu território. Consequentemente, não há registos de saídas (emigração) mas apenas de entradas (imigração). Estimar e caracterizar a emigração de um país requer pois que se compilem os dados sobre a entrada e permanência dos emigrantes desse país nos países de destino. Os dados que o Observatório da Emigração recolhe, divulga e analisa são os dados que obtém junto das instituições dos países de destino da emigração portuguesa responsáveis pelas estatísticas da imigração nesses países.
8. Os problemas de harmonização de dados produzidos por uma tão grande variedade de organizações, a fragilidade dos sistemas estatísticos em alguns países (fragilidade que no caso português a afecta em particular o conhecimento da emigração para Angola), bem como a natureza internacional dos movimentos em causa, estão na origem de uma crescente intervenção das principais organizações internacionais na produção de bases e indicadores estatísticos sobre a emigração, hoje de consulta indispensável para um melhor conhecimento do fenómeno migratório. Neste relatório, são por isso usados, com alguma frequência, dados com origem no Eurostat, na OCDE, no Banco Mundial e nas Nações Unidas.
9. Há entre estes organismos consenso sobre a utilização, como indicador da emigração, dos dados sobre a naturalidade e não da nacionalidade: considera-se emigrante quem vive há mais de um ano em país diferente daquele em que nasceu. Contudo, quando se trata de estatísticas sobre a entrada de imigrantes num país, os dados disponíveis são dados sobre a entrada de estrangeiros, pois é o controlo da entrada de estrangeiros que é objecto de registo. Neste relatório usam-se pois, em regra, dois indicadores sobre a emigração. Quando se trata de medir e caracterizar as populações portuguesas emigradas, o indicador retido é, sempre que disponível, o da naturalidade (nascidos em Portugal residentes noutros países). Quando está em causa a medição do movimento de entrada de portugueses nos países de destino, o indicador usado é o da nacionalidade (portugueses entrados noutros países).

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