Funcionários públicos: trabalhar mais uma hora equivale a trabalhar dois meses de borla

Opinão:

Ficou implícito nas declarações de ontem dos membros do governo que toda ou parte da administração pública deverá sofrer alterações no horário de trabalho. Já hoje, o Jornal de Negócios avança com a hipótese de o governo estar a ponderar aumentar para 40 horas a semana normal de trabalho para os funcionários do Estado. Recorde-se que face ao maior esforço financeiro (cortes salariais) pedidos aos funcionários do Estado em 2012, chegou a considerar-se a hipótese de haver um aumento do horário de trabalho entre os trabalhadores do privado, hipótese essa que nunca chegou a avançar. O foco volta-se agora para os horários no Estado e para o aumento do número de excendentários conforme o “Economia e Finanças” frisou aqui: “Objetivo: aumentar dramaticamente a bolsa de excedentários entre os trabalhadores do Estado“.

Mas qual será o impacto financeiro comparável de um horário semanal passar de 35 para 40 horas?

Uma hora a mais de trabalho por dia, para um mesmo salário, equivale a reduzir o salário pago por hora em cerca de 14% ou seja o correspondente, aproximadamente, no conjunto do ano, a dois salários trabalhados mas não pagos.

Enumeremos algumas das reduções de rendimento já aplicadas  (e em vigor) ou anunciadas em sede de orçamento, desde 2011,  a quem trabalha no Estado identificando o impacto no salário por hora:

  • Redução de salário de 5% (pode ir dos 0% aos 10% dependendo do salário);
  • Corte de um salário previsto para 2013 (7%)
  • Aumento do horário de trabalho para 40 horas, partindo de 35 (14%)

Temos então uma redução do salário por hora trabalhada entre 21% e 31% ao que se deverá juntar a:

  • perda por via da não atualização salarial à conta da inflação (aproximadamente 8% no final de 2013) e, claro,
  • a perda de rendimento associada ao aumento da fiscalidade, transversal a todos os contribuintes (difícil de quantificar de forma agregada mas que se traduzirá em aumentos do IRS de mais de 30% só em 2013, aumentos de IMI, etc;
  • O aumento no número de dias de trabalho por conta da redução dos feriados (até quatro por ano);
  • O aumento no número de dias de trabalho por conta da diminuição dos dias de férias (até 3 por ano).

Além do aumento de impostos e do acréscimo de dias de trabalho que será transversal a todos os contribuintes e que deverá representar uma perda de rendimento médio por hora trabalhada face a 2010 (e até 2013) claramente acima dos dois dígitos, a perda real de rendimento disponível por hora de trabalho de um trabalhador do Estado que conserve o emprego, deverá assim oscilar entre os 29% e os 39%, ou seja, após impostos, no final de 2013,  comparando com 2010 este nosso grosseiro exercício indica-nos que deveremos estar a ser muito conservadores se estimarmos a perda de rendimento, em termos reais, a oscilar entre cerca de 30% (para os de mais baixo salário – abaixo dos €600) e mais de 60% entre os de rendimento mais elevado.

Um cenário que, se apresentado em 2011, como sendo a alternativa oferecida pela saída do Euro (desvalorização da riqueza entre os 30% e os 50% ou, em alternativa, uma perda de 4 a 8 salários em 14) teria sido, certamente, considerada como inaceitável.

Temos portanto funcionários do Estado que podem dizer que estão com o equivalente a mais de metade dos salários em atraso face ao que recebiam em 2010 se medidos pelo que recebem há hora. Um cenário a que se junta a mais alta taxa de desemprego e de desempregados de longa duração (já sem apoios, muitos deles), uma perda de rendimento no sector privado também ela dramática, 17 mil trabalhadores com salários em atraso, etc.

Resta saber se, após este esforço de “consolidação” estamos mais longe de, ainda assim, nos vermos forçados a abandonar o euro e enfrentar perdas imediatas de poder de compra de uma grandeza similar à projetada em 2011 mas agora em cima de um rendimento que já caiu entre 30% a 50% (ou mais) e de uma dívida que teima em aumentar fruto de uma austeridade que parece condenada a contribuir para a sua eterna expansão.

Entretanto, também de ontem, o cenário de crescimento de longo prazo não permite antecipar um crescimento do PIB superior a 2% em nenhum ano até 2017 e o crescimento previsto para 2014 não para de ser revisto em baixa, aproximando-se já dos 0%. Essa parece aliás, a única certeza sobre o desempenho económico do país, à qual se junta uma estranha interpretação do que deve ser um estado social mais equitativo. Um estado cada vez mais depauperado em virtude de uma economia moribunda que há-de conseguir valer cada vez menos a um grupo mais miserável onde o menos miserável dos pobres é cada vez mais o primeiro dos ricos.

Assim não vamos lá. Quando a alternativa por mais improvável ou indesejável é a única que resta, o que devemos fazer?

6 comentários

  1. Concordo plenamente que a carga horária seja a mesma que existe na do privado.
    Privado trabalha-se 40 horas semanais, e deviam ser todos assim.

    1. Tenho muitos familiares no privado que trabalham 35 horas (nos serviços em funções comparáveis à de muitos funcionários públicos) e outros que trabalha além do permitido pela lei.

    1. Nem no sector publico é verdade que só se trabalhe 35 horas, nem no sector privado é verdade que ninguém trabalhe 35 horas. Creio que a comparação é grosseira. Talvez os argumentos a esgrimir devam ser outros. Como por exemplo: para trabalho comparável (serviços com serviços, em particular) há diferenças de salário por cada hora trabalhada?

  2. É engraçado que se diga que no privado se trabalhe a mesma carga horária do público.
    É deveras engraçado quem diz isso.
    95% das empresas privadas, trabalham as 40 horas semanais, além de que o próprio salário em média é inferior.

    95% das empresas públicas, trabalham 35 horas semanais.
    Não estou nem quero dizer mal da função pública, porque não merece, mas não comparem o horário do privado com o do público, irreal.

    Ponham horários iguais, se não quiserem, ponham também a ADSE no privado, eu não me importava nada 😛

  3. na minha área de trabalho a A.T os funcionários não tem horário para sair, colegas há que, sem ganhar um tostão em horas extras entram ás e saem depois das 22, já trabalhei no sector privado e nunca fui desconsiderado como sou enquanto funcionário publico. SE hoje estivesse na empresa onde estava ganharia mais 200 euros que aquilo que ganho com um horário de 35 horas. por isso o ódio que os governos lançam sobre os trabalhadores o estado só serve para desviar as atenções sobre as reais gorduras do mesmo e para que as pessoas não vejam a miséria de nação em que nos tornámos

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