Troco benefícios fiscais por menor carga fiscal e melhores serviços públicos

Quem não desconta IRS pelo facto do baixo nível de rendimentos conduzir à isenção, muito naturalmente não pode aceder aos benefícios fiscais que se baseiam na lógica de redução (reembolso) de uma parte do IRS pago ao longo do ano.

Quem tem rendimentos escassos e é praticamente incapaz de poupar ou consumir bens duradouros (como  carro, o painel solar ou, até há pouco tempo, o computador) também terá menos possibilidades de conseguir aceder aos benefícios fiscais pelo menos na sua expressão máxima. O que esta tabela surripiada ao Jornal de Negócios, ontem divulgada pelo Ministro das Finanças, nos diz é exatamente a relação entre o rendimento coletável e o montante médio que os contribuintes de cada escalão de rendimento conseguem ver reembolsado por via dos benefícios fiscais a que concorrem.

Pessoalmente, há muito que acho que se tem abusado do imposto sobre o rendimento (IRS e IRC) para carregar sobre ele demasiadas exceções muito bem intencionadas que têm desvirtuado a sua função fundamental: apurar o rendimento e cobrar impostos para financiar o Estado. Exceções que têm também complicado a própria transparência e fiscalização. Por isso, hoje quando, a pretexto do plano de austeridade (vulgo PEC), o ministro diz que limitar os benefícios fiscais de acordo com os rendimentos é estar a promover uma maior justiça ou equidade fiscal, acaba por estar a falar verdade. Espantoso é que esse só seja um desígnio de 2010. É a política, na sua pior representação.

A ilusão do reembolso não me interessa. Preferia que o Estado apurasse com rigor e simplicidade o rendimento, acabasse com supostos benefícios e, de caminho, reduzisse a taxa de imposto. No final, as contas que me interessam resumem-se a três fatores:

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  • qual é a minha carga fiscal,
  • qual é o retorno que obtenho do Estado do dinheiro que para lá todos canalizamos e
  • quão justa é a atribuição da fatura que cabe a cada um.

Ficaremos muito mais próximos de um situação mais satisfatória em relação a estas três preocupações se, em vez de nos andarem a estimular a comprar vidros duplos, salamandras e carro novo mais ou menos eletrificado, o fizessem fora das contas do IRS e, nessas, tudo fosse muito clarinho e direitinho de modo a que a cada euro ganho fosse linear saber o que cada um entregará ao Estado. A tabela anexa ajuda a perceber como hoje, são difíceis e enviesadas essas contas – e continuarão a sê-lo mesmo depois do que para aí vem em termos de limitações aos benefícios e deduções fiscais.

Este artigo procurou respeitar o novo acordo ortográfico.

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