Este artigo esteve para ter outro título. Algo deste género: “Este artigo vai mudar a sua vida, se não o ler vai-se arrepender para sempre“.
Tenha medo, ou fique eufórico, ou comovido, mas não nos largue
Ainda aí está? Já reparou na quantidade de vezes que encontra nas suas redes sociais promessas-ameaça como as deste quase título que referimos há pouco? Mas há mais.
Quando não apostam nesta lógica recompensa-terror, podem tentar algo como “Fulano tal, mega famoso que teve um AVC, ficou com sequelas graves. Saiba tudo aqui, com imagens exclusivas!”
Outro clássico dos saca-leitores, antigamente conhecido por clickbait, é o do portfólio de famosos envelhecidos: “Clique aqui e veja o estado em que estas estrelas de há 20 anos estão hoje! Você não vai acreditar“.
Há também os engodos sexuais (agora tantas vezes powered by AI), há os gatos que conseguem afugentar manadas inteiras de bufalos só com uma assanhadela e um miau.
Enfim, com a facilidade de “construção” de realidades alternativas que tanto produzem texto com o tom certo como geram imagens que enganam com cada vez maior frequência o leitor mais experimentado, entrámos numa nova era do Far-West ou no mundo da selva, se preferir. Mas a Inteligência Artificial nisto é o potencial bode expiatório, mera arma nas mãos de quem puxa o gatilho.
Depois há os políticos impolutos que surgiram de debaixo de uma pedra, bem financiados, em matilha internacional, e uns passos à frente da velha guarda, a usarem e abusarem de todo este oceano de incautos que se lhes oferece como oportunidade de os catapultar para o poder.
Pobre de mim triste coitado, ou talvez não
E quem está mais vulnerável a ser vítima e manipulado por esta máquina de engodos cada vez mais sofisticados omnipresente, quem está mais vulnerável a “perder” o voto, ou o dinheiro, ou o sossego, ou a sanidade mental, são todos aqueles que têm filtros frágeis. Ou porque ainda não os desenvolveram (os mais jovens), ou porque ainda não conseguiram acompanhar a velocidade voraz da inovação tretológica em curso – os mais velhos, mas não só.
Decidi escrever este artigo depois de ter passado uns tempos com familiares mais velhos a desmontar, dia após dia, a enxurrada de tretas e geradores instantâneos de ansiedade, até de medo a que eles eram expostos no seu facebook, no seu whatsapp, no seu tiktok, no seu instagram.
A industrialização da exploração permanente da emoção geradora de views, e de minutos de captura ao ecran é hoje algo hiper-amadurecido ainda que em permanente inovação. Uma indústria dotada dos instrumentos de condicionamento e manipulação viciante mais poderosos a que alguma vez foram expostos os seres humanos.
Carta de condução obrigatória para usar a Internet
Muito sinceramente, a solução é complexa. A única verdadeiramente simples – simplista -, mas pouco viável, é reduzir a exposição a zero. Desinstalar as apps? Reencontrar outros caminhos para a comunidade digital, fugindo das máquinas de extração digital. Não é uma solução a descartar, poderá servir a alguns mas…
Outra hipótese é estabelecer um ranking de poluição. As apps, as redes sociais, não têm todas o mesmo nível de toxicidade, de tretas. Por outro lado, não têm os mesmos instrumentos que podem ser usados pelo utilizador para se proteger, para definir a sua experiência. Algumas apps permitem gerir facilmente o tempo de exposição. O utilizador define os parâmetros e, se estiver consciente do tema, recorre a essa auto-ajuda. A quantidade é importante. Tal como com qualquer outro tóxico, em pequenas quantidades pode não fazer especial dano.
Outro parâmetro de análise é escolher as apps que possuem alguma curadoria de qualidade embutida. É nesta área que os media tradicionais – ainda que digitais – espreitam ao nosso monitor. Eles nasceram para intermediar, para colocar as questões que queremos ver respondidas e para nos garantirem respostas de qualidade, minimizando a mentira e os engodos. Não é por acaso que os media são um alvo predileto de quem vive do far-west, de quem prospera no meio da selva. Continuam a ser importantes, de certa forma mais do que nunca. Se queremos notícias, o ideal é ir às fontes especializadas com um mínimo de respeito por quem as lê.
Ainda assim, e para terminar, nada funcionará sem os tais filtros. E esses só se obtêm após “tirarmos a carta”. Uma carta de condução pela internet faz falta. E o código desta estrada muda ainda mais vezes do que o da rodovia. Não há cartas para vida.
Vai passar a ser obrigatória a Carta de Condução para usar a Internet? Tudo depende de si. Não precisa do Estado para o obrigar. Nem precisa de um título assustador para levar este tema a sério. Ou precisa?
Tenha amor pelos seus entes queridos e consciência do cerco em que estamos metidos e perceberá por si que encolher os ombros será trágico, com tendência a piorar.
Tenha medo. Muito medo. Ou euforia. Ou comova-se. E mexa-se, mas no bom sentido.
RuiMCB
Muito bem, uma grande verdade, está tudo poluído de mentiras e cada vez mais a pessoas acreditam nelas.