É um facto poucas vezes referido, mas determinante para qualquer análise: os primeiros cinco escalões do IRS abrangem 90% dos agregados familiares que recebem rendimentos em Portugal. Estes dados resultam da análise das estatísticas divulgadas pela autoridade tributária em 2024, relativas à campanha fiscal de 2022.
Convém sublinhar que os valores aqui referido, incluindo as taxas de impostos, os limites dos escalões, entre outros, são os que vigoravam em 2022. Para informação mais recente consulte em novos escalões IRS 2024.
Dos 5,8 milhões de agregados familiares, só 0,5 milhões estão acima do 5º escalão.
Se retirarmos da análise os 1,85% de agregados familiares de não residentes que pagam IRS em Portugal, os primeiros cinco escalões do IRS, ou seja, até um rendimento coletável, de €25.076 (que corresponderá a um rendimento bruto de mais alguns milhares de euros), abrangem 90,37% dos agregados familiares que estão registados como recebendo algum rendimento bruto, independentemente de estarem ou não isentos de IRS.
Estamos a falar de 5.151.383 dos 5.807.704 registados, em 2022. Destaque-se que 2.462.410 dos 2.953.413 que estão integrados no primeiro escalão, apesar de auferirem rendimentos brutos, têm rendimento coletável nulo e, como tal, não pagam IRS. Ou seja, 42,3% dos agregados não auferem rendimentos suficientes para pagarem IRS (dados de 2022).
Nos quatro escalões de maiores rendimentos, concentram-se, portanto, menos de 10% dos agregados.
A classe média abrange os 10% mais ricos?
Esta constatação leva-nos a uma velha questão sobre o que é a classe média em termos de rendimentos num país como Portugal.
Certamente, a classe média ou mesmo a classe média alta não pode congregar os 10% da população mais bem posicionados em termos de rendimentos. Atendendo à distribuição de rendimento existente em Portugal, estes 10% são os 10% mais ricos, ainda que se registem diferenças muito assinaláveis de rendimentos entre os quatro escalões.
No 6º escalão surgem 5,38% de agregados, mais do que nos restantes três escalões mais altos juntos. Poderemos admitir que o 6º escalão representará o topo da classe média alta ou o estrato mais baixo da classe alta. Sobre os restantes, que começam num rendimento coletável de €36.757, no 7º escalão, temos de reconhecer que já estamos claramente na classe alta.
Recorde-se que o 9º escalão, que começava nos €75.009, em 2022, ainda se desdobra com a taxa de imposto a ser agravada a partir dos €250.000 de rendimento coletável.
Pode encontrar a fonte de dados original clicando aqui (ficheiro excel da AT).
Quem ganha menos do que o salário mínimo não paga impostos?
Quem ganha o salário mínimo nacional não paga IRS, fica no 1º escalão sem rendimento coletável. Nesse escalão havia, em 2022, 491.003 agregados que pagou IRS, contribuindo com 3,39% da receita total. Este escalão, que incluía quem tinha rendimento coletável até €7.116, teve uma taxa efetiva de IRS de 1,97%. Note-se que esta taxa efetiva apura-se dividindo o imposto pago, pelo rendimento coletável.
Se é assim verdade que há uma isenção de IRS até ao salário mínimo, o contribuinte, nesta situação, pagará muitos outros impostos que são cegos aos rendimentos. Como se analisou noutro artigo do Economia e Finanças sobre estes mesmos dados, apesar de Portugal ter uma carga fiscal significativamente mais baixa do que a média da União Europeia, há um tipo de impostos, os impostos indiretos onde em 2022 existia um peso fiscal muito superior à média dos nossos parceiros.
Os impostos indiretos são precisamente aqueles que são insensíveis à condição social de quem os paga. Estamos a falar de impostos que tributam o uso do rendimento, daí serem indiretos. Tributam, no essencial, o consumo de bens e serviços. Estamos a falar o IVA, do IMT, do IMI, do Imposto do Selo, do ISV, IUC, ISP, IABA, Imposto sobre o Tabaco, etc.
Salvo raras isenções e algum cuidado, sempre discutível, nas listas de IVA com alguns bens essenciais isentos ou a taxa reduzida, a maioria dos impostos ignora a condição económica de quem é cobrado e podem levar, muito rapidamente, um a contribuinte isento de IRS, a enfrentar uma carga fiscal superior à que incide sobre outro contribuinte bem mais abastado.
Ainda o IRS…
Um último detalhe sobre o IRS. Os contribuintes têm uma fatia do seu rendimento que está isenta de IRS e que não é incluída no rendimento coletável (em 2022 seria de cerca de €10.000). Assim sendo, as taxas efetivas que aqui surgem (ver tabela) pecam por excesso, isto se quisermos saber quantos euros do total de rendimentos auferidos num ano foram para IRS.
A taxa efetiva média de IRS é foi de 13,77% apesar da taxa máxima ser de 48%, ou mesmo de 53% para rendimentos coletáveis acima dos €250.000 (taxa adicional de solidariedade).
Como passar do rendimento bruto ao rendimento coletável?
Cada agregado familiar é um caso distinto, mas há um conjunto de passos comuns a seguir para se passar do rendimento bruto ao rendimento coletável, ou seja, ao rendimento sobre o qual se calculará o imposto a pagar.
O rendimento coletável é inferior ao rendimento bruto, pois obtém-se subtraindo ao rendimento bruto a dedução específica (€4104 por titular de rendimentos do trabalho dependente), as deduções e benefícios fiscais que se passam aplicar, perdas a recuperar (de menos valias, por exemplo). Além disso, há ainda que sublinhar que só podem ser tributados em sede de IRS os valores que ultrapassem o mínimo de subsistência.
Em 2022 esse valor era de €9.870 correspondendo ao maior de dois valores, ou 1,5 vezes o IAS (Indexante dos Apoios Sociais) multiplicado por 14, ou 14 meses de salário mínimo nacional. Por exemplo, em 2024, este valor foi de €11480, ou seja, €820/mês, o salário mínimo nacional de 2024.
Sublinhe-se que esta isenção não se aplica apenas a rendimentos do trabalho. De facto, a isenção ignora a fonte do rendimento. Por exemplo, nenhum pensionista com uma pensão igual ou inferior ao salário mínimo paga IRS.