Os juros das taxas de referência, que são usadas na definição das prestações mensais da maioria dos créditos à habitação iniciaram aquela que pode ser uma nova tendência longa, agora no sentido da subida. Está na hora de amortizar o crédito à habitação?
Quão longa e intensa será a subida das taxas de juro?
Ninguém sabe ao certo, mas é mais provável que seja duradoura que apenas episódica.
Mesmo admitindo que haja uma queda expressiva e rápida da atividade económica na Europa (o que poderia convidar a uma paragem ou moderação da subida dos juros) haverá outros fatores que contrabalançarão esse efeito e que convidarão o Banco Central Europeu a continuar a subir as taxas de juro. Desde logo o facto de, no mandato do BCE, não estar inscrito que tem como objetivo criar condições para estimular a crescimento económico.
De facto, o principal objetivo do BCE deverá ser sempre o do controlo dos preços e, apesar de uma recessão contribuir claramente para uma menor pressão sobre os preços, é possível que desta vez, as razões mais prementes que estão a induzir um aumento dos preços sejam menos sensíveis ao abrandamento económico.
Os preços da energia são o motor mais importante da inflação e a procura de fontes de energia tem alguns aspetos de rigidez e de incerteza muito importantes. Num país que durante metade do ano predominem temperaturas negativas e em que a população aqueça as suas casas essencialmente com gás natural, a fatura que garanta o aquecimento será sempre das últimas a deixar de pagar… Ou seja, só passando para uma situação em que a população fique próximo da indigência poderá haver forte quebra da procura – a menos que se encontrem rapidamente alternativas energéticas.
Euribor deve continuar a subir encarecendo créditos de taxa variável
Assim, seja qual for a política de taxas de juro do BCE, a severidade dos próximos invernos e o conflito na Europa e sua evolução poderão ter uma evolução tal que ultrapasse em impacto nos preços os efeitos de uma política monetária contracionista e, se assim for, a pressão para manter taxas de juro sobre pressão ascendente manter-se-á, pois o BCE nada mais poderá fazer além de… aprofundar a recessão contendo mais o consumo.
Mas nem só de guerra na Europa e de general Inverno se faz a incerteza relevante para os próximos meses. A política monetária de outras paragens, nomeadamente do EUA, muito mais restritiva (até porque houve outras razões mais locais que a justificaram assim), oferecendo um juro muito mais alto a quem detenha dólares face a quem detenha euros, está a gerar desequilíbrios muito importantes ao nível do mercado internacional e está ela própria a induzir uma subida dos preços medidos em euros.
Os efeitos económicos no comércio internacional das moedas fracas e fortes condicionam a política monetária
Se a Europa passa a comparar mais gás natural e petróleo aos EUA (que substituem parcialmente a Rússia) e, ao mesmo tempo enfrenta uma muito expressiva desvalorização do Euro, essas importações vão ficar cada vez mais caras, alimentando assim o ciclo inflacionista no interior da União Europeia. Ou seja, o BCE tem incentivos para aproximar a sua política monetária da Norte Americana, reduzindo a diferença entre as taxas diretores dos bancos centrais dos dois blocos.
Finalmente, ainda que menos referida nos últimos tempos, os impactos da pandemia na economia mundial podem não ter terminado. Já bem dentro do ano de 2022, o Covid-19 veio a provocar forte disrupção na produção de matérias-primas e equipamentos, em especial, oriundos da China, contribuindo para a manutenção de um cenário de escassez de oferta e falhas nas cadeias logísticas que continuam com dificuldades em dar vazão a carteiras de encomendas extensas, provocadas por vários anos de consumo adiado que mesmo com um cenário recessivo à porta poderá continuar a manter pressão sobre os preços face ao carácter mais imperioso que a compra desses produtos poderá ter assumido pelo desgaste e obsolescência dos produtos cujo vida útil tem vindo a ser esticada por falta de novos equipamentos no mercado.
Em suma, repetindo que ninguém poderá ter certeza, o cenário mais provável parece ser o de que o processo inflacionista e demais razões acima mencionados deverão ter poder suficiente para determinar uma política monetária de juros altos na Europa duradoura. Algo que colocará em cheque, em especial, quem tem dívidas as pagar indexadas à evolução das taxas de juro.
Poupar ou amortizar o crédito à habitação?
Tomando por bom o cenário mais provável, os encargos com créditos tenderão a aumentar com as taxas de juro a serem sempre superiores às que se obterão em aplicações de poupança conservadoras como os depósitos a prazo e produtos de poupança pública (os certificados de aforro tenderão a ser os mais interessantes, apesar de tudo).
Face a este cenário, quem tenha conseguido aforrar nos últimos anos – e a avaliar pelos valores recorde em depósitos à ordem em Portugal, terão sido alguns – tem agora um novo cenário que oferece incentivos para, caso tenha dívida indexada à Euribor, se comece a desfazer dela.
Por outro lado, começarão a aparecer aplicações – como os certificados de aforro – que começarão a oferecer taxas de juro mais interessantes, permitindo mitigar de forma mais visível os efeitos inflacionistas.
Dito isto, e fazendo a sempre importante ressalva de que cada pessoa e os seus objetivos e ciclo de vida, podem alterar radicalmente o que poderá ser a opção razoável, os próximos meses e anos convidarão a que se pondere muito seriamente a amortização de dívidas e a colocação das poupanças em aplicações remuneradas, retirando-as dos depósitos à ordem.
No entanto, é preciso fazer contas. Não se esqueça que se amortizar parcial ou totalmente um crédito à habitação, o seu Banco poderá exigir uma indemnização equivalente a, no máximo, 0,5% dos valores que está a amortizar. Um valor a considerar quando estiver a comparar as vantagens e desvantagens de aforrar ou de amortizar a dívida. Poderá sempre tentar negociar com o banco esta penalização.
A passividade, geralmente, custa muito dinheiro
Está na hora dos aforradores e devedores serem um pouco mais ativos na gestão dos seus recursos de modo a garantirem que se oferecem a si mesmo uma melhor condição, quer para enfrentar o cenário de crise que se adivinha, quer para saírem da crise numa posição bem mais desafogada e capaz, mitigando os impactos negativos da erosão monetária.
Caberá a cada um ponderar de quanta liquidez, ou seja, de quanto dinheiro no banco ou rapidamente disponível precisará nos próximos tempos (há filhos a ir para a faculdade? Há um meio de trabalho crítico que tem mesmo que ser substituído a breve prazo? Há uma obra crítica em casa que não pode ser mais adiada? Há uma poupança suficiente para enfrentar vários meses de perda inesperada de rendimentos?) e, feita essa análise, tomar decisões, seja em busca de uma solução de aforro melhor remunerado, seja de redução de dívida que terá reflexo na redução das prestações a pagar.
E se eu nem sequer consigo poupar?
Finalmente, se não tem poupança criada e tem dificuldades em gerá-la ou se a que tem é mesmo só para uma situação de emergência e, em cima disso, tem um crédito cujo custo ameaça disparar, atalhe qualquer despesa não essencial para reduzir custos, procure aumentar o seu rendimento pensando fora da caixa (até porque, ao contrário do que sucedeu noutras crises, pelo menos em Portugal, o mercado de trabalho não está especialmente mau para procurar melhorar a posição remuneratória – por enquanto, pelo menos) e procure a entidade credora antes de entrar em incumprimento para lhes expor o problema.
Este artigo foi aumentado com mais informação e comentários a 4 de agosto de 2022.