Vamos aos factos conhecidos sobre as novas regras para o arrendamento em 2018 e anos seguintes.
Primeiro ponto: estamos ainda perante propostas que o governo quer ver discutidas, aprimoradas e aprovadas na Assembleia da República.
Segundo ponto: há já várias propostas muito concretas e outras com ambiguidades suficientes para poderem encaixar algum debate.
Terceiro ponto: as propostas agora feitas resultam de longos meses de reflexão promovida pelo governo, sendo expectável que estas devem ser escrutinadas de forma exigente e consistente.
Quais são as propostas conhecidas sobre as novas regras para o arrendamento?
Proposta dos 10 anos: o governo vai propor que quem aceite arrendar uma casa por 10 anos, pague 14% de IRS, ou seja, metade da taxa liberatória ainda em vigor, de 28%, e que se deverá manter para os contratos inferiores a 10 anos.
Perguntas: quantos contratos a 10 ou mais anos, subscritos de forma voluntária por ambas as partes, há hoje? Quantos senhorios estarão dispostos, a troco de um desconto no IRS, prescindirem, durante pelo menos 10 anos, de atualizar a renda que cobram, além do valor de atualização da inflação, ficando assim impedidos de qualquer ajustamento à evolução do mercado?
Note-se que, do lado do inquilino, perante uma quebra no mercado de arrendamento, bastará cumprir com o pré-aviso estipulado no contrato para poder migrar para uma renda mais interessante, naquilo que é um regime assimétrico, que protege os inquilinos libertando-os de um contrato que passou a estar acima dos valores de mercado.
Proposta dos 20 anos: o governo vai propor que quem aceite arrendar uma casa por 20 anos, pague 10% de IRS, ou seja, um desconto adicional de 4 pontos percentuais no IRS face a quem arrende por, pelo menos 10 anos. Ao todo, existirá uma taxa de IRS inferior em 18 pontos percentuais à que vigorará para contrato com menos de 10 anos. A troca é deixar de poder atualizar a renda além do valor da inflação, durante o equivalente a uma geração, e não poder mudar de inquilino no período ou mudar o uso do imóvel ou fração.
Perguntas: quantos contratos a 20 ou mais anos, subscritos de forma voluntária por ambas as partes, há hoje? Quantos senhorios estarão dispostos, a troco de um desconto no IRS, prescindirem, durante pelo menos 20 anos, de atualizar a renda que cobram, além do valor de atualização da inflação, ficando assim impedidos de qualquer ajustamento à evolução do mercado?
E qual é o impacto esperando pelo governo de um conjunto de medidas que oferecem descontos para prazos de contrato de longa e muito longa duração que são uma fração da valorização dos valores das rendas nos anos ou mesmo meses mais recentes?
Propostas dos 65 anos: aqui a proposta já não tem a ver com o prazo do contrato mas com a idade do inquilino e dos seus direitos adicionais se tiver 65 anos e se já for inquilino da fração “há um número significativo de anos”.
Neste caso, não se sabendo ainda exatamente o que será um número significativo de anos, o governo pretende tornar obrigatório e automática a renovação do contrato para inquilinos com pelo menos 65 anos e/ou com um nível de invalidez de pelo menos 60%.
Desta forma o Estado espera proteger estes grupos de terem de mudar de casa. Os direitos de propriedade do senhorio ficam assim efetivamente suspensos, no limite, até à morte do inquilino, não podendo vender o imóvel ou alterar as condições do contrato que se renova automaticamente.
Fazer obras de monta já não dá direito a cessar contrato. Até aqui, se um senhorio fizesse obras significativas, de valor igual ou superior a 25% do valor patrimonial, poderia cessar o contrato. Com a proposta agora feita, essa possibilidade deverá ser limitada à suspensão do contrato e deverá exigir obras mais avultadas (25% do valor de mercado e não do VPT registado nas finanças). Ficam várias perguntas no ar associadas a esta proposta, nomeadamente oque se entende por suspensão e se o senhoria terá possibilidade de rever o valor da renda depois de feitas as benfeitorias ou mesmo se poderá abandonar o mercado de arrendamento ou se será impedido de o fazer.
Rendas acessíveis: sobre este tema recomendamos a leitura do artigo “Porque é que as rendas acessíveis podem também não funcionar nos grandes centros urbanos? ” .
Programa de mobilidade habitacional para a coesão territorial – foi anunciado que serão apresentadas medidas que visem auxiliar na migração dos centros urbanos para regiões no interior. As indicações recolhidas até ao momento foram vagas.
O pior dos mundos para senhorios e inquilinos?
Quando vale para cada senhorio abdicar da hipótese de poder, durante décadas, ajustar o valor da renda que cobra aos valores de mercado?
Quando vale poder ter de abdicar, no seu tempo de vida, de parte fundamental dos direitos sobre o imóvel que adquiriu?
Como conseguirá uma pessoa com um grau de invalidez de 60% ou mais convencer um senhorio a arrendar-lhe uma casa, se este sabe que, ao fazê-lo, está a abdicar do direito de a poder vender ou, por exemplo, usar para si ou para um filho no final do prazo do contrato?
Como conseguirá um inquilino cuja idade se aproxime dos 65 anos convencer o seu atual senhorio a renovar-lhe o contrato, sabendo – o senhorio – que se o renovar para lá dos 65 anos do inquilino estará a prescindir do direito de poder não renovar o contrato no final do prazo que se segue, do direito de poder vender o imóvel no final do contrato, ou dar-lhe outro uso, ficando vinculado a esse inquilino até à sua morte ou até este tomar a iniciativa de rescindir o contrato?
É assustador que após meses e meses de reflexão entre especialistas, as propostas apresentadas pelo governo deixem tanto a desejar quanto ao conhecimento das mais basilares e expectáveis consequências da política regulatória que agora se defende.
Os incentivos patrocinados assumem um carácter particularmente ridículo na atual conjuntura económica, mas são também absurdos em condições que poderíamos considerar normais. O prémio oferecido para patrocinar contratos de longa e muito longa duração parece-nos igualmente de eficácia muito provavelmente nula ou absolutamente marginal.
Por fim, a “proteção” criada para idosos e inválidos tem tudo para funcionar da forma mais adversa possível contra eles, potencialmente de forma sistémica, estigmatizando-os como inquilinos de segunda categoria e que conduzem a perdas significativas para os senhorios, que, se os aceitarem, se verão no papel de se substituírem à Segurança Social.
Em suma: pior era difícil
É algo assustador ver um partido político como o PS revelar tão profundo desconhecimento da natureza humana e tão fraca capacidade de definição de políticas públicas que devem, acima de tudo, oferecer uma solução eficaz aos problemas identificados.
Atrevemo-nos a prever que nada disto será atingido com o que agora é proposto e há mesmo a ameaça real de se gerarem problemas sociais graves que, pelo menos, não eram acicatados pela lei em vigor, em especial, junto dos mais idosos e inválidos.
Por outro lado, fica a dúvida se a lógica dos benefícios fiscais que se destinam a contratos que praticamente não existem no presente, resultaram da melhor solução encontrada após meses de estudo, ou, pelo contrário, surgiram como um triste remedeio, para o público ver, limitado por algum objetivo de receita fiscal que não se poderia comprometer com uma descida patrocinada por uma política com reais hipóteses de ser revelar efetiva e significativa.
Propostas alternativas:
Impostos: Os benefícios fiscais, poderão ser um instrumento, mas dificilmente oferecerão a eficácia necessária e suficiente para alterar o comportamento do mercado. Ainda assim, uma forma bem mais abrangente de promover o aumento do prazo médio dos contratos, sem apontar a algo que hoje não existe (contratos a 10 ou 20 anos) poderia passar por premiar o senhorio, a cada ano que passa de contrato com um mesmo inquilino, renovando as condições anteriores.
Este incentivo afetaria todos os contratos e teria o potencial de, de facto, converter contratos de curta duração em contratos de média ou longa duração. Como? A cada novo ano de contrato com o mesmo inquilino o IRS desceria em 1 ou 2 pontos percentuais. Num contrato a um ano não haveria desconto, num a dois já haveria e iria crescendo a cada ano de antiguidade. Com uma taxa liberatória de 28% (ou mesmo de 14% se se aceitasse uma descida generalizada à cabeça para todo o arrendamento clássico) há muita margem para anos e anos de descidas.
Em suma, quanto maior a duração, maior o desconto e maior o custo de oportunidade de se mudar de inquilino e ou de alterar as regras num novo contrato. Uma mudança em algum destes fatores implicaria regressar à taxa liberatória de base.
Ação Social e Oferta Pública: Quanto aos mais idosos e mais inválidos, o passado (congelamento de rendas) já nos deveria ter ensinado como não fazer política social. O Estado deve garantir a solução para o problema que identificou por via da sua política de rendimentos e de transferências sociais, por via da oferta pública de habitação e/ou de rendas acessíveis sob gestão pública e/ou por via de uma política de benefícios fiscais mais simétrica e respeitadora dos direitos das partes.
Sublinhe-se que o problema identificado parece ter uma tipificação bizarra, assente na idade ou grau de invalidade, sem, salvo melhor informação, olhar a outros fatores que deviam relevar quando se pretende ajustar recursos escassos a cidadãos com efetivas dificuldades.
Esperemos que no seio do Parlamento e no debate em que por esta via entramos, se consigam evitar alguns dos principais erros das medidas agora propostas.
No meio de tudo isto, em especial nas grandes cidades com elevada procura, os contratos de curta duração e o Alojamento Local afiguram-se cada vez mais como as opções racionais, respeitadores dos direitos de propriedade e mais lucrativas do que o arrendamento clássico.
O problema da habitação, esse promete ficar por resolver e talvez mesmo agravar-se, pelo menos no que concerne à opção pelo arrendamento. Resta portanto, a compra da casa própria, que continuará a ser o caminho mais natural para o qual empurram as famílias.
Logo que haja mais novidades, voltaremos ao tema.
O artigo foi atualizado a 24 de abril de 2018.
Cambada de tontos!! A vossa proposta,ainda que imperfeita, julgo que razoável, mas o desconto de 1 ou 2 pontos percentuais julgo se fossem entre 3 a 5 pontos seria razoável. De 1 a 2 pontos é o aumento normal anual das rendas.
Note que esse aumento normal anual das rendas continua a poder-se fazer.
Notícia comentada de forma nunca vista nesta página mais parecendo uma página ao serviço da Associação de proprietários ou partido político
É uma notícia comentada, precisamente. Os critérios usados para os comentários são os mesmos de sempre, o conhecimento que temos da economia e alguma experiência passada sobre causa e feito de políticas públicas, benefícios fiscais e afins.
Sobre o conteúdo propriamente dito, tem algum comentário concreto, argumento contraditória para nos ajudar? Obrigado.
Boa tarde.
Sou profissional na área do arrendamento.
Neste momento estou a aconselhar os senhorios para não fazerem contratos com arrendatário com mais de 65 anos.
Com isto digo tudo…..
O país é de 10.300.000.Todas as famílias tem direito a uma habitação.O arrendamento nunca deve absorver mais de 1/7 do rendimento do agregado familiar. Já o ditador com o nome de Dr. Oliveira Salazar defendia este equilíbrio no arrendamento. Acontece que existem no meu país um grupo de pessoas que pensam que são donos disto tudo.
Nasceram nus e vão morrer nus e continuam a ter esperança que a futura 1ª ministra coloque mais 1.200.000 famílias em situações terceiro mundístas, para poderem aumentar as gorduras.
Estava pensar no mesmo… e considero entrar no mercado de arrendamento, no entanto, PESSOAS DE RISCO estarão IMEDIATAMENTE excluídas dos possíveis inquilinos: PESSOAS ACIMA DE 60 anos (pelo sim pelo não!) e pessoas com incapacidade estão imediatamente excluídas.
Fico agora na dúvida: se uma inquilino durante a vigência do contrato de arrendamento vier a sofrer de uma incapacidade de 60% ou mais, fica imediatamente coberto por esta lei??
Boa pergunta. A proteção especial aos inquilinos com incapacidade não está dependente do momento do contrato em que surgem. Se a incapacidade for reconhecida, deverá ter direito à proteção a partir desse momento. Ou seja, é um fator de risco para o senhorio. É a nossa opinião não especializada. Para ter a certeza é melhor perguntar a um jurista que conheça a lei em causa.