A União Europeia pôs-se a jeito, é certo, com uma concepção suis generis de União Monetária – manifestamente incompleta e coxa pela ausência de uma política orçamental e fiscal coerente e sem um caderno de encargos, instituições e respectivos manuais de procedimentos suficientemente flexíveis para acomodarem as inevitáveis diferenças conjunturais e estruturais das economias componentes. Hoje, sem essas ferramentas e procedimentos previamente acordados, a Zona Euro vê-se à mercê de um potencial ataque, mais ou menos concertado, que procura explorar as suas inconsistências e fragilidades. Mas a União vê-se também condicionada pelas agendas eleitorais e impulsos nacionalistas dos seus componentes; nada de novo riscos antigos que os fundadores da União Europeia bem documentaram e reconheceram como importante móbil para a própria criação da União.
No mesmo dia em que se tornou evidente o toque a reunir entre alguns dos fazedores de opinião mais ou menos institucionalizados (veja-se o exemplo dos vários membros do BCE que se pronunciaram de forma coerente e alinhada) no sentido de destacar a singularidade e gravidade da situação Grega procurando criar em torno desse caso um cordão sanitário que impedisse o contágio da desconfiança para outros países como Espanha, Portugal ou Irlanda, surge de forma espectacular uma revisão dos ratings em forte queda com os cumprimentos de uma das agências internacionais sedeada nos Estados Unidos. Uma agência que vai por este dias sendo investigada pelo Senado americano, juntamente com outras pares, por ser permeável a trocar ratings por receitas.
Ao fim de alguns meses de turbulência parece que todos têm um pouco de razão nos argumentos invocados, quer para discriminar, quer para misturar situações. E parecem ter também razão os que advogam que sendo certo que a seara seca pode arder depressa, estão a surgir múltiplos focos de incêndio simultâneos e em zonas suficientemente distantes do campo para que sejam integralmente explicados pela natureza de um ou outro relâmpago ocasional. Não é de todo impossível que estejamos no meio de uma guerra surda e violenta, onde as armas podem estar vestidas com pele de cordeiro ainda que com uma bem visível cauda de lobo.
Ora numa guerra em que o euro e a União Europeia, em última análise, pode estar em risco, não há tempo para se limpar armas e tampouco para dizer que o adversário é mauzinho e anda aliado com gente habituada a não perder uma oportunidade para fazer fortuna à custa de manipular e potenciar receios alheios. Num guerra vai-se à luta. Toca-se a reunir, desce-se o tom das divergências internas, identifica-se o inimigo comum, define a estratégia de ataque, prepara-se a retaguarda, enfrenta-se o conflito e, claro, assumem-se sacrifícios. E mesmo que a guerra seja uma ficção, a ameaça é real e as potenciais consequências comparáveis por isso o caminho é claro ainda que complexo e exigente. Talvez esta crise possa ser o catalizador que faltava para mostrar se há estofo para consolidar uma mais verdadeira União Europeia. Está a chegar a hora da verdade com o alto patrocínio dos mercados e de alguns amigos da onça sabidos que nunca viram com bons olhos a partilha de qualquer tipo de poder, quanto mais quando pode estar em causa uma certa hegemonia.
Há muito que nós, em Portugal, podemos fazer para tratar da nossa retaguarda, pelo menos tanto quanto podemos fazer num contexto colectivo aliado a quem está connosco no mesmo projecto. Será com (moderada) curiosidade que acompanharemos desde logo a reunião entre o Primeiro Ministro português e o líder do maior partido da oposição e eventuais consequências (fogo fátuo ou uma incomum capacidade de descer o tom de divergências internas?). De caminho, caro leitor, prepare-se para o inesperado.
Quando dizes: “e, claro, assumem-se sacrifícios.” creio que estar a querer dizer: e, claro, quem se lixa é o mexilhão.
O problema não é tão grave como parece. No curto prazo haverá constrangimentos no refinanciamento da dívida, mas que podem ser ultrapassados pela implementação de um conjunto de medidas corajosas. Para isso teremos que ter um conjunto de políticos credíveis e que pretendam efectuar reformas sem ser para inglês ver. Mostrar aos investidores externos que temos capacidade de cumprir as nossas obrigações e estancar definitivamente a trajectória explisiva da dívida pública deve constituir a nossa meta enquanto país, poderá conferir uma imagem diferente do nosso país.