Comparada a situação atual (2024) com o período imediatamente anterior à crise financeira (2009) os portugueses estão a pagar uma taxa média de IRS bastante superior (+ 4,3 pontos percentuais). Porquê se se acumulam as descidas do IRS?
Quem o diz é o Banco de Portugal no estudo de Riscado, Sazedj e Wemans (2024) “O IRS em Portugal: da crise da dívida soberana ao choque inflacionista”, da Revista de Estudos Económicos, Banco de Portugal, Vol. X, N.º 4, pp 55-78. Em poucas linhas tentaremos explicar o tema em português corrente.
O Banco de Portugal resolveu analisar em detalhe a evolução do IRS nos últimos 15 anos, procurando decompor essa evolução em duas parcelas.
Uma componente inclui as descidas e subidas do IRS provocadas pelas alterações à lei decididas pelos governos e Parlamento, ou seja, as mexidas nas taxas dos escalões e até o desdobramento dos escalões (chamou-lhe “contributo das alterações ao IRS”).
A outra componente capta as subidas e descidas de IRS que dependem do que cada um recebe (a que chamou “contributo do rendimento”).
É preciso recordar que mesmo sem se mexer na lei, no código do IRS, alguém que veja o seu rendimento aumentar, verá também que a porção adicional de rendimento que passar a receber, deverá ser tributada a uma taxa mais alta de IRS.
É o por isso que o IRS é um impacto progressivo; cada fatia mais elevada do rendimento irá ser tributada a uma taxa progressivamente maior.
De facto, o rendimento que recebemos não paga todo a mesma taxa de imposto, indo dos zero até a uma taxa que poderá atingir os 48%. É o eventual aumento de IRS a pagar provocado pelo facto de um contribuinte ter mais rendimentos que é captado pela segunda componente.
Com isto tudo, o Banco de Portugal tentou responder à pergunta.
Os Governos têm descido taxas de IRS mas portugueses ainda estão a pagar mais do que antes da crise financeira. Porquê?
A taxa média efetiva de IRS, ou seja, o peso da receita de IRS no total de rendimentos (incluindo prestações sociais), aumentou de 9% para 14,2% em 2009 e, em 2024, apesar de já estar abaixo desse máximo de 14,2%, ainda está muito acima do valor pré-crise, ou seja, muito acima dos 9,0% pois está nos 13,3% .
No entanto, segundo o Banco de Portugal, os governos têm descido as taxas de IRS desde 2014. E essa descida que alterou os escalões do IRS no sentido de estes terem taxas médias inferiores foi de 5,1 ponto percentuais. Uma descida acumulada superior ao que foi a subida imposta pelo período de combate à crise financeira e de dívidas soberanas (+3,7 pontos percentuais).
Ora se a explicação para a subida do IRS que médio efetivo que se está a pagar não vem da primeira componente (por via desse estariamos a pagar menos IRS do que em 2009), pois as taxas administrativas inscritas nos escalões do IRS desceram, como é que os contribuintes estão a pagar mais IRS?
Resta a segunda componente.
Os rendimentos têm subido a um ritmo tal que mais do que compensa a descida das taxas administrativas e os contribuintes estão a ter fatias do seu rendimento sujeitas a taxas superiores por via de subirem de escalão do IRS.
E nisto há uma boa e uma má justificação, se é que podemos pôr as coisas nestes termos.
A “boa subida de” IRS
A boa advém de quando essa subida de rendimentos é real e superior à inflação. Quem, neste período, viu a sua situação financeira, em termos de rendimentos, subir acima da inflação, ganhou poder de compra e, por desenho do IRS, deverá, para essa fatia extra de rendimento, contribuir com um pouco mais de IRS do que contribuiu nas fatias inferiores do seu rendimento.
No fundo, ficou mais rico, e por isso, como o imposto é progressivo, passa a contribuir mais para o IRS.
Isto por definição leva a um aumento da taxa efetiva média de IRS.
A “má subida” de IRS
A má advém de, apesar de se terem descido as taxas administrativas dos escalões do IRS, os governos sucessivos se terem “esquecido” de atualizar os limiares, os intervalos dos escalões.
Neste caso, um contribuinte que tenha mantido o seu poder de compra ao ter tido um aumento igual à inflação, pode ter passado a pagar mais IRS pois como os escalões não foram, eles próprios, atualizados à inflação, subiu de escalão, para, como se disse, o mesmo poder de compra.
É até possível que tenha existido quem perdendo poder de compra tenha passado a pagar mais IRS, bastando para isso que os escalões se tivessem mantido congelados e o rendimento tivesse aumentado algo, ainda que um “algo” insuficiente para repor o poder de compra perdido para a inflação
Sinais de esperança: Governos têm descido taxas de IRS e prometem atualizar escalões
Para o futuro, ficou a promessa que parece agora consensual entre os principais partidos de que os escalões do IRS serão sempre atualizados, pelo menos, à inflação prevista.
Algo que está mais do que garantido para o próximo ano no qual a proposta de Orçamento do Estado para 2025 prevê que os escalões do IRS para 2025 sejam atualizados a uma taxa de 4,6%, bem acima dos 2,3% que o governo prevê para a inflação.
Os autores do estudo sublinham que o não automatismo da atualização dos milites dos escalões à inflação é um fator positivo no sentido em que dão flexibilidade de gestão às finanças públicas mas também reconhecem que essa atualização deve ser avaliada criteriosamente, em especial em períodos de inflação muito significativa.
No fundo, dispor de uma forma, digamos, encapotada, de subir o IRS sem mexer nas taxas dos escalões acaba por ser um instrumento politicamente apetecível quando é preciso obter mais receitas fiscais para enfrentar um aumento das depesas ainda que, inegavelmente, se traduza, num aumento dos impostos, neste caso do IRS.
Subir as taxa médias dos escalões é, habitualmente, politicamente mais danoso por ser inequivocamente mais visível para os contribuintes.
Nem tudo foi mau
Um aspeto positivo deste desequilíbrio persistente e que levou a uma alteração substancial face a 2009, sublinhada pelos autores do estudo, é que a forma como o esforço fiscal de IRS está agora distribuído, reduz muito mais a desigualdade na sociedade portuguesa do que sucedia em 2009.
No final, estamos perante uma opção política. O IRS é hoje um imposto fortemente redistributivo, mitigando as desigualdades de rendimento. Isto mesmo considerando que há também todo um arsenal de benefícios fiscais (dos mais impactantes entre os nossos parceiros da União Europeia) que acabam por privilegiar as famílias mais ricas como foi sublinhado recentemente por um outro estudo, com origem na Comissão Europeia.