Conhecer a evolução real das taxas de imposto nem sempre é um exercício simples, desde logo, porque há vários conceitos e algum interesse público em gerar ruído, seja para gerar alarme exacerbando indicadores simplistas, seja por incapacidade em explicar condignamente o tema que, por envolver números, tende a perder público rapidamente. O que é certo é que há dados e que eles podem e devem ser melhor divulgados para que todos possamos analisar e tomar uma posição, seja qual for a nossa formação de base em grau de conhecimento ou ignorância técnica. Para termos uma resposta adequada teremos sempre que analisar a evolução da Taxa Efetiva de IRC em Portugal. É disso que cuidaremos neste artigo.
Evolução da Taxa Estatutária Máxima versus Evolução da Taxa Efetiva de IRC em Portugal
No que diz respeito ao IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas – ou seja, simplificando, sobre as empresas) é recorrente o uso da taxa estatutária máxima de IRC para se invocar que Portugal tem das mais elevadas taxas de imposto do mundo mais desenvolvido: 31,5%.
Este valor é muito diferente do apurado quando se considera uma outra taxa, chamada taxa média efetiva de IRC. A taxa média efetiva de IRC dá-nos qual o peso do imposto efetivamente pago no rendimento total do conjunto das empresas de um país ou setor (depois de consideradas as diversas taxas mas também os diversos benefícios fiscais).
Antecipamos desde já que, em 2020, essa taxa efetiva de IRC pago, em média, pelo conjunto das empresas sujeitas a IRC, em Portugal, foi de 18,4% segundo estatísticas oficiais da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
A Taxa Estatutária Máxima (marginal) de IRC
Mas voltemos, para já, à taxa estatutária máxima de 31,5%. O que é que isto representa? É mesmo fundamental perceber duas ou três coisas sobre como se chega a este valor, a que é que ele leva exatamente em termos de pagamentos aos Estado e, já agora, quem é que o terá que pagar.
Decompondo, para se chegar aos 31,5%, precisamos de juntar três taxas diferentes.
Comecemos pela taxa geral ou normal de IRC, que é de 21% e que se aplica a todas as empresas. Convém informar desde já que os primeiros €25.000 de matéria coletável, pagam apenas 17% e só o “lucro” acima desses €25.000 tem que ser entregue na proporção de 21% ao Estado. Ou seja, se a taxa geral contasse toda a história da taxa final de IRC já saberíamos que esta seria sempre um pouco superior à taxa média efetiva. Mas não conta, há mais, e todo o que resta contar irá agravar significativamente a diferença, sempre no mesmo sentido.
Em suma, convém constatar que estamos perante um sistema de taxas marginais, ou seja, a taxa efetiva, que há-de juntar o que se paga realmente de imposto e se divide pelo rendimento que se obteve, nunca atingirá realmente os 21% pois os primeiros €25.000 de rendimento só pagarão, em todas as empresas 17%.
Faltam abordar ainda mais duas parcelas, as derramas municipal e estadual.
O que é a Derrama Municipal e porque é relevante na contas do IRC?
Continuando e simplificando, vamos assumir que as empresas pagam de taxa geral, os 21% (estamos a esquecer aqui várias exceções adicionais, note-se, mas adiante).
Para chegar aos 31,5% temos que juntar a Derrama Municipal que é uma sobretaxa que incide sobre o mesmo rendimento coletável que está sujeito a IRC mas que reverte para os municípios. Ora cada município tem liberdade para entre os 0% e os 1,5% definir a taxa que quer cobrar às empresas que nele declarem os seus rendimentos. Então, no cenário fiscalmente mais oneroso, uma empresa que tenha sede num município que cobra a taxa máxima, terá que pagar 21% de taxa geral mais 1,5% de Derrama Municipal, ou seja, um máximo de 22,5%.
Ficam por explicar os 9 pontos percentuais que nos levarão até aos 31,5% de taxa estatutária máxima. De onde vêm?
Explicando brevemente a Derrama Estadual
Com a crise das dívidas soberanas de 2011/2012 que surgiu na sequência da crise financeira de 2007/2008, o Estado português teve que aumentar a sua arrecadação fiscal e foi para esse efeito criado, entre outros, um novo adicional de imposto sobre as empresas. No caso, foi criada a Derrama Estadual.
A Derrama Estadual caracteriza-se por um conjunto de escalões adicionais que incidirão sobre as empresas hierarquizadas por volume de rendimento coletável. O adicional será tanto maior quanto o rendimento coletável e essa cobrança adicional incidirá sobre o rendimento coletável que superar o que ficar definido em cada escalão. Confuso?
Vamos por partes. A Derrama Estadual, tinha entre 2018 e 2022 três escalões (esta realidade poderá mudar com o Orçamento do Estado de 2023). Assim:
- As empresas com rendimento coletável entre €1,5 milhões de €7,5 milhões pagará uma taxa adicional de 3% sobre os valores compreendidos neste intervalo de rendimento, ou seja, para “lucros” até aos €1,5 milhões pagam os 21% da taxa geral mais o que resultar da Derrama Municipal o que poderá dar, no máximo, 22,5% mas para a fatia de lucro acima dos €1,5 milhões e até aos €7,5 milhões pagarão, no máximo, 25,5%;
- As empresas com rendimento coletável entre os €7,5 milhões e os €35 milhões pagarão um adicional de 5%, ou seja, no máximo, para o “lucro” entre estes €7,5 milhões e os €35 milhões, a taxa máxima será de 27,5%;
- Finalmente, as empresas que tenham rendimento coletável que supere os €35 milhões e apenas na fatia de lucros acima desse valor, pagarão, uma taxa máxima de 31,5%, pois haverá uma taxa adicional de 9% em sede de Derrama Estadual.
Na prática, a Derrama Estadual funcional com os escalões do IRS introduzindo progressividade: quem tem rendimentos maiores, pagará uma percentagem maior de imposto sobre a parte mais elevada dos lucros, por escalões.
Quando, por exemplo, constatamos que nos últimos escalões do IRS 2022 a taxa máxima é de 48% isso não quer dizer que haja residentes que vejam que, por cada €100 de rendimento que obtenham, tenha que pagar €48 de IRS ao Estado.
Por um lado, porque a taxa dos 48% só se aplica para rendimentos coletáveis acima do limiar desse escalão (ou seja, acima dos €80.882/ano) e, por outro, porque o que é sujeito a imposto – o rendimento coletável – não é todo o rendimento recebido. O rendimento total tem logo à cabeça uma dedução específica que não apagam IRS (que nos leva, de forma simplificada, ao rendimento coletável).
Essa dedução garante que essa fatia de rendimento fica isenta de imposto, fatia essa que é igual para todos os contribuintes – é isto que faz com que um pouco menos de metade dos contribuintes fique isento de IRS, pois, apesar de muitos terem rendimentos, eles são suficientemente baixos para ficar nesse “escalão” de taxa zero. Escalão esse que, como dissemos, também isenta essa parte do rendimento de todos aqueles contribuintes que conseguem atingir rendimentos superiores, incluindo os que irão pagar 48% sobre os seus rendimentos mais elevados.
No IRC, para as empresas com rendimento coletável acima dos €1,5 milhões, entra em ação a Derrama Estadual como acima descrevemos. Mas, desde logo, percebemos, mesmo sem considerar os regimes especiais, os benefícios fiscais e as deduções, que nenhuma empresa pagará ao Estado €31,5 por cada €100 de rendimento que obtenha.
No limite, isso só acontecerá para a fatia do rendimento coletável que seja superior a €35 milhões. Ou seja, só para “lucros” acima de €35 milhões é que o Estado fica com, no máximo, 31,5% desse “lucro”.
Até se chegar a esses €35 milhões, há taxas muitos interiores em ação, como também já vimos em cima, todas consideravelmente inferiores a 31,5%.
Antes de avançarmos vale a pena retermo-nos em alguns números recentes:
Quantas empresas haverá em Portugal com rendimento coletável acima dos €1,5 milhões?
- Em 2020, houve 1931. Ou seja, 0,8% do total de empresa que tiveram coleta em 2022. As restantes, tiveram uma taxa estatutária máxima de 22,5%. Destas, na realidade, apenas 132.460 pagaram algum valor de derrama municipal, pelo que, para 104.911 a taxa estatutária máxima de IRC foi mesmo de 21%.
Quantas empresas haverá em Portugal com rendimento coletável superior a €35 milhões?
- Em 2020, foram 44 as empresas que declararam rendimentos coletáveis superiores a €35 milhões (55 em 2018, 50 em 2019). Este é o universo máximo de empresas que pode ter sido abrangido pela taxa estatutária máxima de 31,5%. Se o foram ou não, não é possível determinar pelas estatísticas disponibilizadas pela AT. Não sabemos, por exemplo, se estavam sedeados num concelho que praticasse a derrama máxima, nem sabemos se as empresas possuíam créditos fiscais ou algum outro regime de bonificação fiscal, ou de dedução. Sabemos que estes 44 empresas pagaram, em 2020, €281 milhões de IRC neste escalão acima dos €35 milhões para um total de €512 arrecadados sob a forma de Derrama Estadual, em 2020.
Mas qual é então a Evolução da Taxa Efetiva de IRC em Portugal?
É por tudo isto que é muito importante apurar a taxa efetiva de imposto, de qualquer imposto, e nunca centrar uma discussão e muito menos comparações internacionais em cenários de exceção para situações cumulativas que, na realidade, nunca se verificam (quando muito poderíamos falar da taxa estatutária máxima marginal de 31,5% estando aqui o marginal a avisar que só se aplicará a um valor acima de um determinado limiar ou margem e não sobre todo o rendimento, limiar esse que não existirá em todos os países ou não será idêntico o que impedirá, de imediato, uma comparação adequada).
Em suma, estes 31,5% resultam da soma da taxa normal de IRC que é de 21% com a taxa da derrama municipal, que pode ser de 0% mas também pode atingir os 1,5% mais a taxa da derrama estadual que incide sobre as maiores empresas, por escalões, e que no escalão mais alto que tenha lucros superiores a €35 milhões, pode atingir os 9% sobre os lucros acima desses €35 milhões.
Ou seja, se juntarmos todos os máximos, uma grande empresa, localizada num município que cobre a taxa máxima de derrama municipal, poderá ter que entregar ao Estado 21%+1,5% dos seus rendimentos mais 3% para rendimentos entre €1,5 milhões e €7,5 milhões (num máximo de 22,5% neste fatia) e mais 5% para a fatia entre os €7,5 milhões e os €35 milhões (num máximo de 27,5% para esta fatia) e mais 9% para a fatia acima dos €35 milhões (num máximo de 31,5% nessa fatia).
Compilando uma série temporal tendo por base a informação oficial das Finanças relativa às estatísticas do IRC é possível obter uma imagem da evolução da taxa efetiva de IRC.
À data em que escrevemos a primeira versão do corrente artigo estavam disponíveis dados entre 2005 e 2020 que juntámos numa única base de dados (fontes oficiais aqui).
Para quem esteja especialmente interessado, esta é a definição de taxa média efetiva de IRC utilizada pelas Finanças:
- Taxa Média Efetiva = (Σ IRC Liquidado Corrigido + Σ Reposição de Benefícios Fiscais + Σ Tributação Autónoma + Σ Resultado da Liquidação + Σ Derrama Estadual + Σ IRC de Exercícios Anteriores)/ ( Σ Matéria Coletável Total + Σ Benefícios por Dedução ao Rendimento)
Em bom Português é uma taxa que soma todas as parcelas de imposto, subtrai tudo o que abata ao imposto a pagar e divide o resultado pelo rendimento coletável mais as deduções ao rendimento que tenham estado em vigor. Ou seja, diz-nos sob a forma de uma percentagem, quanto do que a empresa teve de rendimento total, acabou entregue ao Estado sob a forma de IRC.
Para o ano mais recente à data da primeira versão deste artigo, esse valor, referente a 2020, foi de 18,4%. Ou seja, por cada €100 de rendimento total que uma empresa teve, em média €18,4 foram entregues ao Estado sobre a forma de impostos sobre o rendimento.
No gráfico em baixo, juntámos a taxa média efetiva, a taxa geral (ou normal) de IRC e a taxa estatutária máxima (marginal) entre 2005 e 2020. Em 2020, a taxa efetiva era pouco mais de metade da taxa estatutária máxima. Na realidade, representava 58,4%, o valor mais baixo desde 2006.
Por outras palavras, nunca, desde 2006, a taxa efetiva esteve mais distante da taxa estatutária máxima e, como tal, nunca esta última foi tão desadequada enquanto referência para analisar o IRC e, consequentemente, para nela se basearem comparações internacionais.
E não se pense que 2020 foi uma exceção devido à pandemia, pois essa diferença entre estas duas taxas tem vindo a aumentar de forma quase contínua desde 2012.
Em 2012, a taxa efetiva correspondia a 79,7% da taxa estatutária máxima e desde então, com exceção do período de dois anos entre 2015 e 2016, a diferença têm aumentado.
Em 2019, por exemplo, a taxa efetiva representava 60,3% da taxa estatutária máxima.
A última mudança nos escalões de Derrama Estadual ocorreu em 2018, com o último escalão (acima do rendimento coletável dos €35 milhões) a passar de 7% para 9% e, mesmo assim, a taxa efetiva continuou a descer até ao mínimo de 2020 já referido.
No quadro em baixo, retirado diretamente da informação da AT, colocamos a informação considerando as empresas hierarquizadas por volume de negócios, neste caso para os anos de 2018, 2019 e 2020.
É provável que este artigo venha a evoluir com o tempo.
Revisto a 26 de setembro e 2022 para melhorias no português.
Para quem está interessado numa análise mais técnica recomendamos este artigo do início de 2022 do Banco de Portugal que também analisou esta mesma base de dados: Braz, Cabral e Campos (2022), “Uma análise micro da tributação sobre o rendimento das empresas em Portugal”, Revista de Estudos Económicos, Banco de Portugal, Vol. VIII – Nº. 1, Janeiro.
As empresas com rendimento coletável entre €1,5 milhões de €7,5 milhões pagará uma taxa adicional de 3% sobre os valores compreendidos neste intervalo de rendimento, ou seja, para “lucros” até aos €1,5 milhões pagam os 21% da taxa geral mais o que resultar da Derrama Municipal o que poderá dar, no máximo, 22,5% mas para a fatia de lucro acima dos €1,5 milhões e até aos €7,5 milhões pagarão, no máximo, 25,5%;
Incorrecto. Como os 1.5M estão isento de estatual, na pratica no máximo é 22,5% O mesmo para as frase seguintes. Com 35M a taxa efectiva é por exemplo 26,6% não 27,5%. O seguinte no limite (lucro infinito) sim seria 31,5%.
A titulo de exemplo, um empresa com 100k€ de lucro, paga 19,1% e com 1M€ lucro paga 22,5%
Ah peço desculpa, está 100% correcto, está bem explicito. Como as seguintes frases só falam no adicional e não na taxa efectiva máxima, baralhei-me. Falha minha. Ficou só por dizer que taxa máxima para 35M é 26,6%. E no 3ª escalão para chegar ao 31,5%, tinha de ser infinito. 100M€ de lucro dá 29,1%. KM€ de lucro dá 31,3%. MIL MILHÕES! Espero não me ter enganado em nenhuma conta.
Obrigado pelos contributos Nuno.