Tal como habitualmente, quase religiosamente nos últimos quatro anos, chegados a 21, 22 ou 23 de setembro de cada ano (ver histórico), o INE fechou mais um ano de contas nacionais, sempre as relativas a dois anos anteriores. No caso, a 23 de setembro de 2019 fecharam-se as contas de 2017. De facto, o INE publica várias vezes o mesmo número, sendo que a nova versão se afasta mais de um exercício preditivo e se aproxima mais de um exercício contabilístico onde se somam valores reais apurados junto dos agentes económicos.
Ciclo de cálculo do PIB
O PIB é apurado primeiro numa perspetiva infra-anual, trimestral, com uma estimativa rápida a ser divulgada 45 dias depois do fim do período de referência, ou seja, do período o que os dados dizem respeito. Por exemplo, a 14 de novembro de 2019 está prevista a primeira estimativa do PIB referente ao 3º trimestre de 2019, tal como surge anunciado no calendário de difusão do INE. Esta estimativa rápida peca por não ter a possibilidade de usar toda a informação necessária para uma estimativa completa, tendo que se recorrer a modelos de previsão para colmatar algumas lacunas, mas ganha por indiciar o sentido da evolução da conjuntura económica e por poder estimar a variação dos grandes agregados, em especial do PIB.
Quando se chega aos 60 dias de distância do período de referência o INE apura a estimativa e divulga as constas nacionais trimestrais já com estimativas de todos os agregados, permitindo uma leitura mais ambiciosa e reduzindo a necessidade de incorporar previsões. O valor é agora mais rigoroso. Ainda assim é uma estimativa tendo por base indicadores e variáveis que se substituem a oque virá a ser usado nas contas anuais que dependem de informação real das empresas e agentes económicos. Enquanto nas contas anuais trimestrais se usam indicadores de sentimento económico, dados preliminares do comércio externo e alguma informação de negócio de alguns setores chave que vai sendo divulgadas/apurada administrativamente ou via inquérito, nas contas anuais o exercício é muito mais detalhado e fino indo-se à realidade das demonstrações financeiras, empresa a empresa e, naturalmente, aos dados finais do comércio internacional.
Há mais passos no processo que aqui não descrevemos mas que se encontram sintetizado na imagem.
Nas contas anuais, as tais que só chegam a um número definitivo cerca de 21 meses depois do fim do ano a que dizem respeito, o exercício aproxima-se muito mais da soma das partes de toda a economia ao nível micro, algo que manifestamente não está disponível logo no fim do ano.
Uma das bases fundamentais de informação para este exercício de contas anuais definitivas é a Informação Empresarial Simplificada, uma fonte que se baseia no reporte obrigatório das empresas em que nunca está fechado antes de junho ou julho do ano seguinte o que diz respeito o exercício e que, muitos vezes, ainda está sob revisão vários meses depois, com correções feitas pelas empresas. Só por aqui se constata que o tempo para processar dentro das normas de contabilidade nacional toda esta informação para a ter pronto a 23 de setembro do ano seguinte não é exatamente de 21 meses.
No ano de 2019, além deste exercício sempre desafiante de fazer “o balanço” de toda uma economia, ocorreu ainda um outro exercício que vem sucedendo com intervalos de cinco anos: a mudança de base.
A mudança de base é um momento no qual, a nível europeu, se introduzem alterações às próprias normas contabilísticas, procurando que a rigidez das regras seja mitigada, de modo a que a realidade económica continue a ser captada pelo exercício contabilístico. No anexo metodológico que acompanhou a difusão das últimas contas anuais finais de 2017 o INE faz um breve resumo de quais foram essas alterações e antecipa as consequências que essa mudança de base (que remete agora não para 2011m as para 2016 como o ano base) ao nível do próprio cálculo do PIB. A mudança de base procura ,entre outros, reconhecer novas atividades económicas que tenham nascido, novas formas de relacionamento entre diferentes setores económicos e, também, reclassificar o que aos olhares mais recentes, afinal, não estava a ser bem classificado e contabilizado.
A grande revisão do PIB
Segundo o INE, o PIB de 2016, 2017 e 2018 (ano ainda com dados preliminar) foram superiores na base 2016 face ao que vinha sendo apurado na base 2011. Uma parte da explicação prende-se precisamente pelas alterações contabilísticas impostas pela mudança de base. Contudo, o INE também reconhece que não foi esta a principal rezão para a revisão.
Em relação ao ano de 2017, em especial, de longe o que registou a maior revisão (+0,7 pontos percentuais em termos de volume, ou seja, já descontado o efeito dos preços), o INE assume que teve de proceder a revisões significativas em alguns setores de atividade e na Balança de Pagamentos, com especial destaque nas exportações de serviço que haviam sido subestimadas. A Formação Bruta de Capital (uma medida de investimento de toda a economia) contribuiu com 5 das 7 décimas de revisão e a variação de existências (stocks acumulados disponíveis em toda a economia) contribuiu com outros dois. Ou seja, a situação do investimento em 2017 foi significativamente melhor do que aquilo que as contas nacionais trimestrais, que recorreram a dados não finais e estimativas, tinham apurado.
Como consequência o crescimento global do PIB quer em volume que nominal (incluindo o efeito de preços) foi significativamente melhor, tão melhor ao ponto de alterar o posicionamento relativo e o ritmo de convergência da nossa economia face aos pares europeus e à Espanha em particular. De facto, a economia Portuguesa cresceu mais do que a Espanhola em 2017 e cresceu o mesmo em 2018.
Eis os números do INE:
“As revisões do PIB de 2017 e 2018, acarretaram consequentemente alterações das taxas anuais de crescimento nominal e em volume. Em 2017, a taxa de crescimento nominal foi revista de 4,4% para 5,1% e a de volume de 2,8% para 3,5%. Em 2018, o crescimento nominal foi revisto de 3,6% para 4,1% e o real de 2,1% para 2,4%.”
Em maior detalhe, uam revisão em alta do investimento no setor da construção e uma forte correção dos dados das exportações de serviços (também em alta) foram as princiapis causas da revisão, havendo outras que o INE destalha no seu destaque à comunicação social.
O que correu mal?
A magnitude das revisões é expressiva e desafia o INE a procurar melhorar os modelos económicos que usa durante o ano, nas contas trimestrais, e com os quais procura antecipar o melhor possível os dados reais das empresas.
A hipótese de existir algum conservadorismo ou viés no sentido de a instituição se “proteger” subestimando o crescimento económico quando ainda só pode usar dados aproximados é real e deve ser alvo de reflexão, até porque tem consequências palpáveis no financiamento da República e no desenho de políticas económicas, seja ela ao nível do Estado, seja ou nível das opções empresariais e até dos consumidores.
A verdade é que há sempre margem para melhorar, não sendo menos verdade que o INE tem ainda um estatuto e enquadramento orçamental pouco consentâneo com a sua criticidade para o país. Para o efeito será relevante melhorar os próprios processos de produção de estatísticas de base que alimentam as contas (conferindo ao INE meios para se adaptar em tempo útil às próprias alterações da economia) e ouvir o INE sobre quais os pontos fracos e recursos em falta de modo a atender à questão.
Uma coisa é certa, o INE manteve-se fiel aos seus compromissos, respeitando o calendário, sendo transparente nas justificações e seguindo de perto, na medida do possível e dos recursos disponíveis, as melhores práticas internacionais.
PIB 2014 a 2018 (Base 2016)
Eis o PIB português e suas principais componentes na base 2016 para o período 2014 a 2018.