Depois da crítica que aqui fizemos às “Novas Regras para o Arrendamento 2018: o pior dos mundos para senhorios e inquilinos” deixamos algumas informação e alguns comentários a outra das medidas emblemáticas da reforma do arrendamento que o governo pretende implementar, em particular a nossa suspeita de porque é que as rendas acessíveis podem também não funcionar nos grandes centros urbanos.
Antes de mais indiquemos o que é conhecido do programa de rendas acessíveis. Como primeiro passo, o governo usou as Estatísticas de Rendas da Habitação ao nível local elaboradas pelo INE, abrangendo todo o país, de forma a se conseguir, através dos novos contratos de arrendamento para habitação própria celebrados em 2017, apurar uma renda de referência, por concelho, ou seja, um valor mediano das rendas por m² de novos contratos de arrendamento de alojamentos familiares (valor acima ou abaixo do qual estão o mesmo exato número de contratos, ordenados pelo valor mediano por m²).
Sobre isso escrevemos o artigo “Quais os 20 concelhos onde é mais barato comprar casa em Portugal?” onde poderá recordar quais os valores para os municípios que revelaram ter contratos de arrendamento ativos.
Munido desse valor mediano o governo propõe isentar de IRS a em 50% do IMI todos os novos contratos com pelo menos 3 anos de prazo, renováveis automaticamente até 5 (se nenhuma das partes se opuser), que venham a ser celebrados e que cobrem uma renda que fique, pelo menos, 20% abaixo desse valor mediano por m².
Comentários e o caso de Lisboa:
No caso de Lisboa, um proprietário de uma fração com 65 m² não poderia pedir mais de €500 se pretendesse beneficiar da isenção. Nesse caso iria receber líquidos, por mês, o exato valor da renda €500. Se cobrasse o valor mediano correspondente a esse imóvel (no caso €9,62/m² * 65 m²) cobraria €625 valor sobre o qual pagaria 28%, acabando por receber, líquidos, €450.
Ora €450 é menor do que €500 logo, teria compensado aderir às rendas acessíveis, certo? Depende.
Se um T2/T3 de 65 m² se conseguir arrendar por €700 ou mais, o senhorio, só considerando a isenção do IRS, saberia que esta isenção já não compensaria. Ou seja, arrendando a €700, mesmo pagando a totalidade dos 28% de IRS já receberia €504, mais do que se cobrasse a renda acessível. Ainda assim, terá de fazer contas ao facto de que ainda terá de corte de 50% do IMI para ver se ainda terá algum ganho. Verificando que o desconto do IMI seja inferior ao que receberá a mais de renda, a preços de mercado, durante os 12 meses do ano e depois de descontados os 28% de IRS, o senhorio já não terá vantagem em aderir ao programa de rendas acessíveis.
Do que temos vistos nos últimos meses no mercado em Lisboa, há muito pouca oferta de arrendamento disponível e os preços praticados parecem claramente acima da mediana apurada pelo INE (que, sublinhe-se usou dados de todo o ano de 2017). Seria interessante saber qual seria o valor dessa mediana por m² se o INE só considerasse os novos contratos do último semestre, ou mesmo trimestre de 2017.
Em suma, é concebível e provável que haja situações em que as rendas acessíveis venham de facto a contribuir para que alguma oferta nos centros urbanos possa descer de preço, contudo, o impacto destas medidas assentes exclusivamente em benefícios fiscais, em especial em cidades onde o valor das rendas está a subir de forma rápida e significativa e onde há outras formas competitivas de exploração comercial das habitações, deverá ser de uma eficácia muito limitada.
A questão que se coloca será, portanto, saber, por um lado, se o valor mediano apurado pelo INE que usou a informação recolhida sobre novos contratos entre 1 de janeiro de 2017 e 31 de dezembro de 2017 reflete a prática corrente de mercado e, por outro, se ainda assim, o que agora se propõe melhora de forma suficiente a atratibilidade pelo mercado de arrendamento clássico face a outras alternativas de rentabilização das habitações. Se os valores do INE refletirem os preços de mercado, é possível que a medida tenha alguma eficácia e que haja senhorios a preferirem baixar a renda para receber mais, mas se, por ventura, os dados do INE são incapazes de incorporar uma forte tendência de subida das rendas que ocorreu ao longo do ano até ao seu final e que ainda perdurará, é possível que muito poucos senhorios, feitas as contas, adiram a este programa. O resto das contas, a comparação com o alojamento local, por exemplo, terão ainda que ser acrescentadas a estas.
Notas Finais:
Antes de terminar, mais três notas sobre o programa de rendas acessíveis.
A primeira para o facto de que só poderão a elas aderir, os inquilinos cuja taxa de esforço para fazer face à renda não supere os 35% do seu rendimento.
A segunda para o facto de se ter anunciado que será criado um seguro de renda ou fundo de garantia que deverá conferir mais segurança ao senhorio para as situações de incumprimento no pagamento das rendas – os detalhes não são ainda conhecidos.
E a terceira para o facto de que existirá uma plataforma do Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) que irá centralizar o mercado servindo de ponto de contacto entre a oferta e a procura de rendas acessíveis.
Continuaremos a acompanhar este tema.
O Estado em vez de reduzir as taxas dos Contratos de Arrendamento a valores razoaveis maximos de 15% e 7,5% respectivamente ….. surge como co-responsavel pela especulação pois é o Estado o 1º especulador !!!!!!!!!!!!
Se a nova lei for aprovada tal como foi anunciada, nomeadamente o contrato vitalício a inquilinos com mais de 65 anos ou incapacidade superior a 60%, não haverá senhorio que celebre / renove contratos de arrendamento a inquilinos cuja idade se aproxime destes limites, evitando desta forma ficarem com os imóveis “confiscados”.
Existe um ponto que e sempre esquecido, em especial pelos inquilinos, mas que convém recordar. Por experiência própria sei que existem situações em que inquilinos vivem de graça à conta dos proprietários – 50€ por um T4 na freguesia da Misericórdia, em Lisboa, é de graça – e subarrendam quartos disponíveis a valores várias vezes superior ao que paga por mês. Esta situação não é nova, sempre existiu. Quem não se lembra de colegas de faculdade que alugavam à socapa quartos na baixa ou perto do jardim Constantino a uma senhora velhota que morava numa casa grande relativamente à qual paga uma renda ridícula. Este é o destino quase invariável de casas com vários quartos, com rendas antigas, em bairros turisticamente relevantes nas grandes cidades. Como provar o subarrendamento em tribunal para despejo é quase impossível, esta atividade tem-se prolongamento no tempo com a complacência de toda a gente.