O BCE compromete-se a despachar camiões de dinheiro para as várias capitais europeias e aparecerá de megafone convidando bancos e empresas não financeiras a venderem-lhe dívidas que tenham em carteira (desde que não sejam dívida pública). Bom… é algo parecido, uma forma mitigada do famoso quantitative easing.
Se for o que parece, bancos e empresas vão ficar mais desafogadas porque vão conseguir vender monos ou cobranças difíceis que mais ninguém queria.
Na realidade não sabemos ainda como será, na prática, o programa de compras. Não sabemos, por exemplo, quanto o BCE estará disposto a pagar por pacotes de créditos à habitação cuja compra lhe seja proposta (Real Mortgage Backed Securities). Sabemos que a partir de outubro o BCE andará por aí com algum dinheiro na mão que quer tentar injetar na economia esperando que venha a ser utilizado para estimular o investimento e a procura.
Mas de facto, aquilo que bancos e empresas farão ao dinheiro que recebem da venda o BCE não controlará. No limite até podem usá-lo para fazer muito pouco investimento e com consequências pouco estimulantes na procura. Quem garante que não usarão a verba para gerar uma bolha centrado num mercado que até esteja em recuperação mas que é useiro e veseiro em bolha e estouros – como o imobiliário ou o mercado de valores mobiliários regressando, neste último caso, o dinheiro ao circuito financeiro com pouco impacto na economia real?
Ironicamente, a perspetiva de agarrar nesse dinheiro e entregá-lo como contribuição única e irrepetível (pelo menos até à próxima grande crise) nas mãos de uma parte muito significativa dos cidadãos europeus mais fragilizados e carentes financeiramente, provavelmente ofereceria melhores garantias de sucesso como menor probabilidade de efeitos secundários nefastos.
Em todo o caso, o mundo está a mudar e, quem sabe, talvez também a Europa.
Uma última nota: se é devedor de um crédito à habitação pode esperar que o indexante (tipicamente uma taxa euribor) se mantenha estável durante largos meses. Na realidade, a menos que surja algum fenómeno extemporâneo e inesperado, a descida adicional, surpreendente mas ligeira e definitiva das taxas de referência do BCE poderá até pressionar as euribor em baixa mas o alívio na prestação já tem pouca margem para descer.