Classe Média - Dados de 2016

“Privatizar lucros, socializar prejuízos”

O recente (e vigente) caso da negociação da Vivo detida em partes iguais pela PT e pela Telefónica e, nomeadamente, a intervenção de um accionista com direitos preferênciais (o Estado), tem gerado diversas reacções. Junto hoje um destaque ao artigo de Nicolau Santos “O Estado fez muito bem!” que vem em boa parte na linha do nosso “E se a “golden share” for de um privado já não há problema?“. No dia em que se clarifica o calendário de privatizações para 2010 é particularmente pertinente a reflexão. Eis um excerto:

” (…) Núcleo duro nunca mais
Porque é que o Estado utilizou a golden share no final da assembleia geral da PT e não antes da sua realização? A resposta é evidente: com uma proposta de ¤6,5 mil milhões em cima da mesa e com uma participação prevista de pouco mais de 60% dos acionistas com direito de voto; e com as declarações de membros do núcleo duro nacional de que a este preço votariam contra, o Governo deu por adquirido que a ofensiva da Telefónica não passaria – e preferia, obviamente, que ela fosse chumbada pelos acionistas. Não contou com o movimento que os espanhóis fizeram na noite anterior, aumentando a proposta em mais 650 milhões. E muito menos contava com a “traição” de BES, Ongoing (que negociaram diretamente com a Telefónica o seu apoio) e Visabeira que foram fundamentais para viabilizar a compra da Vivo. Decidiram vender tudo – e também a honra. O Estado viu-se assim obrigado a utilizar a golden share no final da assembleia e não antes. Honra, sim, à Controlinvest de Joaquim Oliveira que votou contra a proposta. Mas faço o meu mea culpa: nunca mais defendo a existência de núcleos duros nacionais para controlar empresas estratégicas. Só há uma maneira de elas não serem adquiridas por estrangeiros: através do controlo, direto ou indireto do Estado. O resto não existe.
O papel do Estado na economia

O caso PT/Telefónica coloca em cima da mesa a questão central do papel do Estado na economia, que muitos querem reduzir à função assistencialista dos pobres e desvalidos do progresso. Viu-se na recente crise que, se não fosse o Estado (i.e., o dinheiro dos contribuintes), inúmeros bancos privados se teriam afundado sem remissão. Que depois disso os mercados façam pagar a esses mesmos Estados (i.e., aos cidadãos), com língua de palmo, os apoios à banca e à economia, é de uma revoltante hipocrisia. Como ficou provadíssimo, os mercados são muito imperfeitos e as empresas estão muito longe de se autorregular. O Estado deve, por isso, ser um regulador forte e impiedoso e, ao mesmo tempo, controlar sem medo nem hesitações algumas empresas e áreas de atividades que considera estratégicas para o país. De outro modo, será o poder do dinheiro e dos mais fortes a mandar em tudo e todos. Ora, esse poder só tem um interesse: o seu. E uma divisa: privatizar lucros, socializar prejuízos. E isso é intolerável.”

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