Na sequência do que aqui se escreveu ontem termino o raciocínio. Gestão Fiscal: devo ou não pedir factura-recibo? – Última parte.
Vamos supor que o cliente pertence à população activa empregada e que desconta IRS regularmente todos os meses.
O que fazer nesses casos? O engodo do médico é levar o paciente a não pedir recibo bonificando-o com uma fracção do valor que o próprio médico teria de entregar ao Estado. Ou seja, o Médico prefere não lhe cobrar, por exemplo, 20 € do que fazê-lo e obrigar-se automaticamente a entregar 40€ de imposto ao Estado. Ganha o cliente 20 € e ganha ele a diferença entre o que iria pagar ao estado e o desconto que faz ao cliente. Então o cliente não deve pedir recibo, certo? Errado!
Muito dificilmente a opção de não pedir recibo será vantajosa para o cliente.
Suponhamos que a consulta custa, com recibo, 100€ e custa, sem recibo, 80€.
Sempre são menos 20€ pensará o leitor. Pense de novo, se pedir o recibo e entregar para dedução a despesa de saúde no IRS poderá receber 30% do valor pago, ou seja, 30€. A conta do médico ter-lhe-ia ficado em 70€, menos do que na opção de não pedir recibo.
Aprimorando a análise e metendo os juros ao barulho, voltamos às perguntas: acha que entre o momento em que tem de pagar ao médico 80€ (sem recibo) e o momento em que o Estado lhe devolve o IRS deduzido por via da apresentação de despesas de saúde (30€ sobre os 100€ pagos com recibo) consegue rentabilizar a diferença de modo a que renda juros de tal forma que no final a sua poupança equivale a mais do que os 30€ que o estado lhe devolverá? Por outras, acha que os 20€ que paga a menos no nosso exemplo dão 10€ de juros até ao dia em que recebe a devolução do IRS. Se conseguir avise-me que eu estou interessado nesse negócio. Nesse caso, pague sem recibo! Se não tiver garantida essa rentabilidade, exija o documento.
Naturalmente isto tudo não passam de situações hipotéticas. Um cliente com problemas sérios de liquidez será muito mais vulnerável à opção “sem recibo”, por exemplo. Mas o que é certo é que, perante a ineficácia da dissuasão da máquina fiscal, a existência da possibilidade de obter deduções fiscais por via da apresentação das respectivas despesas de saúde coloca os contribuintes informados tendencialmente a funcionar como actores particularmente interessados do cumprimento da lei.
Já pedir factura num restaurante, no supermercado ou no cabeleireiro tem como principal incentivo a perspectiva mais difusa de dificultar aos outros o incumprimento das obrigações fiscais deles. Um incentivo, que se lhe juntarmos algum prejuízo em tempo e em pressão social invertida – os faltosos por vezes conseguem ser muito mal educados para quem pede a factura – revela-se muito pouco atraente para muitos concidadãos.
A segunda parte contém “teoricamente” o mesmo raciocínio que a primeira, Rui.
Digo teoricamente porque, se todos pagarem impostos, todos terão de pagar menos, certo? Isto é, fazendo aquelas contas esquisitas da primeira parte, mas agora aplicando a coisa à baixa dos impostos, caso não houvesse fuga ao fisco, isto é, repartir a colecta por todos para obter a mesma receita (acho que nunca tinha escrito nada tão demagógico, lol) então todos beneficiavam com o pedido da tal factura.
Está bem, pronto. Não tenho andado muito bem, é isso.
Xii. Falta-me um “não” na última frase!
O Luís tem razão. Por princípio todos beneficiam com o pedido da tal factura, coisa que eu não nego aqui – por princípio.
Aliás, os cenários servem na grande maioria dos casos para reforçar que mesmo os contribuintes que não liguem muito a “princípios” podem estar a penalizar-se duplamente ao não pedirem a factura: penalizam-se “por princípio” (contribuindo para possibilitar esquemas e fugas de outrem) e porque a sua gestão fiscal até seria directamente mais proveitosa (aqui o “directamente” vem numa perspectiva imediatista por oposição à vantagem difusa, porque global, do princípio e suas consequências que o Luís sublinhou).
Tenho visto algumas pessoas a cairem nos engodos e a “pecarem” fiscalmente por pura ignorância. Já que o mundo não é perfeito e que a malta não valoriza muito o bem colectivo que depende da particula que é a atitude de cada um, sublinhem-se os argumentos egoistas que cativam a maioria…
Sendo que no final, com um programa inteligente, o resultado é o mesmo. É claro que não abdico de exigir uma dissuasão mais eficaz por parte dos cobradores de impostos nas áreas onde o incumprimento fiscal é publicamente mais evidente (há uma exponenciação do dano e da descredibilização da máquina e da política fiscal por essa via que não pode ser negligenciada).
Já agora, Luís, o que é que acha de em termos de impostos indirectos o consumidor final ter a possibilidade de deduzir qualquer coisa por via de IRS ou melhor ainda por via de entrega de declaração para devolução de… 2 pontos percentuais do IVA que pagou por um determinado tipo de bens que o fisco quer monitorizar? Não falo de 50€ em facturas da oficina ou de restaurantes, mas os tais… 2 pontos percentuais para tornar a coisa mais aliciante?
Divago mass vou pensando que também aqui, (principalmente aqui ?) nestas matérias temos que recorrer à cenoura à frente do nariz, não basta explicar como se plantam e cultivam os legumes e ficar à espera que a racionalidade individual coincida com a racionalidade do colectivo. Tudo isto me parece mais social democrata do que pactuar com a colecta mínima 😉
Ó Luís, não tem nada a ver mas se por aqui passar espreite o que vai nos comentários a este artigo.
Já espreitei Rui e nada tenho a acrescentar. Estranho no entanto que quando é para coisas boas se fale do Dr. Paulo Macedo e quando é para coisas más se diga o Governo. Enfim!
Quanto aquele esquema do modelo G que é referido, parece-me, pelo que percebo, estarmos perante um caso que se não enquadra no Modelo A, que é o que neste momento está em declaração.
Quanto à tua proposta de dedução dos 2% do IVA no IRS ainda não consegui parar de rir. Não de ti, claro, mas da cara que o Ministro faria se alguém lhe dissesse uma coisa dessas…
Já o estou a ouvir #&%$$$%#””/&%$$$$$)(/&%$$$$ 🙂
” (…) quando é para coisas más se diga o Governo. Enfim!”
Pois, isso é um facto.
modelo G
Sou um cidadão tão simplezinho em termos de rendimentos e ando tão desligado da fiscalidade que nem me ocorreu que deveria ser algo desse género.
“(…)mas da cara que o Ministro faria se alguém lhe dissesse uma coisa dessas… (…)”
Pode ser que goste da sugestão como substituto para uma eventual descida dos impostos daqui a uns largos mesitos 😉
Estes argumentos até podem fazer sentido no caso de despesas que se podem deduzir parcialmente no IRS, como o exemplo das despesas de saúde. No entanto, no caso de obras em casa, por exemplo, em que a diferença com recibo e sem recibo é de pelo menos 21%, não sei como poderá compensar pedir o recibo (para além da questão da moralidade e do colectivo, que não é propriamente coisa que preocupe a maioria das pessoas).
Exactamente, snowgaze…
Caro Rui:
No contrapoonto de benefícios em termos percentuais entre pedir ou não recibo, em relação às despesas médicas, não há que ter em conta, também, que a dedução das despesas médicas, além da percentagem dedutível, tem um determinado tecto quantitativo?
PS: no meu mundo ideal, todos pagariam tudo e estes eram mais reduzidos.
em vez de ‘tudo’ era impostos
Mas noutro país o médico arrisca a ir preso.
Em relação aos recibos(e eu aqui com tantos para entregar) tenho uma sugestão; porque é que não sai uma directiva/dec. lei/lei, seja o que for, que implique no acto da contratualização seja OBRIGATÓRIO o modo de pagamento.
No caso de incomprimento das entidades ou pessoas singulares sejam punidas c/ coimas imediatas, só assim se pode por ordem nesta pouca vergonha de ninguem pagar nada a ninguem!
ola…..
gostava muito de conhecer melhor este site… com os melhores cumprimentos… a secretaria do estedo…
BEIJOS LONGOS E DOCES