Certificados de aforro: um instrumento sob fogo cerrado

Certificados de aforro sob fogo cerrado. Lendo este artigo do DN (“Metade dos certificados de aforro nas mãos de ricos”) onde se documentam declarações do Ministro das Finanças segundo o qual metade do volume da carteira global dos certificados está na posse de titulares que têm mais de 100 mil euros investidos, apetece, por um lado, denunciar a demagogia e, por outro, concluir que me parece cada vez mais evidente que os certificados de aforro tal como os conhecemos desaparecerão brevemente.

Números:

Pilha de dinheiroNo artigo, além do número já referido, indica-se que o montante total de capital investido em certificados ronda os 17 249 milhões de euros, havendo ao todo cerca de 713 mil subscritores. Informa-se ainda que há 150 mil subscritores com menos 1000€ investidos e que o investimento médio global é de 24,2 mil euros. Permitam-me juntar esta informação e fazer umas continhas grosseiras mas reveladoras. Admitindo que metade do capital total (8624 milhões de euros) está nas mãos de grandes aforradores que aí colocaram o máximo permitido (249 399€ por pessoa) conclui-se que estes grandes aforradores serão um pouco menos de 35 mil indivíduos, ou seja, menos de 5% do total de aforradores. Os restantes 678 mil terão uma carteira média de menos de 13 mil euros investidos em certificados… Se desconfiarmos (como eu) que há um número razoável de aforradores que tem nos certificados boa parte das suas poupanças de uma vida inteira…

Atendendo a estes números (ou mesmo a outros não tão extremados mas coerentes com a informação disponibilizada), a “injustiça gritante” de que se fala no artigo, citando fonte do Ministério,

“estes dados mostram que se trata de uma injustiça gritante continuar a financiar este tipo de poupança”

está longe de fazer sentido, particularmente quando serve para pôr em causa o papel de instrumento de coesão social que os certificados, na minha opinião, inegavelmente têm.

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Como resolver este problema?

Parece-me que o incómodo causado pelos menos de 5% de aforradores que usam a totalidade, ou quase, do montante máximo permitido, podia ser facilmente resolvido precisamente com uma redução do limite máximo de capital investido nesta aplicação por indivíduo. Se 249 mil euros é muito, estabeleça-se um limite de 100 mil euros ou até mesmo um pouco inferior numa nova série de Certificados a lançar.  Seria até uma forma simpática de limitar a emissão de certificados, em termos absolutos, sem o odioso de alterar profundamente um instrumento tão caro aos portugueses, cumprindo-se assim o objectivo desejado e sucessivamente adiado ano após ano.

Demagogias à parte, haverá outros argumentos financeiros, menos simpáticos de explicar e segundo alguns falaciosos (veja-se a opinião da Sefin – Associação Portuguesa dos Consumidores e Utilizadores de Produtos e Serviços Financeiros citada no mesmo artigo do DN), que fazem escola junto do Ministério das Finanças que me parece condicionarão o futuro desta aplicação.

Se a imaginação financeira no Ministério da Finanças não se revelar positivamente surpreendente, acabar com os certificados de aforro será uma questão de tempo. Depois há-de ser ver os 150 mil aforradores que por lá têm menos de 1000 euros e, porque não o restante meio milhão de “médios” aforradores, comprarem dívida do Estado via obrigações ou títulos do tesouro. Não é senhor Ministro das Finanças?

Quase parece, a manter-se o rumo anunciado, que o dinheiro dos aforradores só interessa ao Estado havendo um outro intermediário financeiro pelo meio.

5 comentários

  1. É chamado rigor e justiça propalada pelo PM e seus acólitos. Se estiver na operação um intermediário financeiro, tudo bem. Usa e abusa da demagogia, manipulando números.

    Se olharmos, 100.000€ é uma parca quantia de quem aforrou toda a vida. Quanto custa actualmente uma casa?

    Este governo, apesar das aparências, actua em conformidade com as normas que a banca lhe exige.

  2. Rui, desde que o Pina falou ficou claro que os CA tinham fim para breve. Isto porque está retirar algum capital de bancos que oferecem depósitos de 2,3% brutos, quando a EURIBOR está a 3,5. Os bancos portugueses estão endividados até ao tutano, e recriam-se a extorquir o Consumidor, com o patrocínio de um Estado fraco e corrupto.

    Mas além de fraca, é contraditória: se em relação ao enriquecimento sem justificação o PS responde que “não é crime ser rico”, já nos CA é crime ser poupado.

    Estamos num país onde poucos actuam em benefício da comunidade. A grande maioria dos nossos políticos, e a quase totalidade dos que são/foram dirigentes funcionam em defesa dos seus interesses pessoais e do seu grupo de influência. Poucos foram aqueles que alguma vez realmente trabalharam.

    Há na DGTesouro situações escandalosas, que se percebe que é em benefício de determinadas instutuições, que lesam o Estado directamente.

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