Proibir a compra de casas por estrangeiros extra-comunitários não residentes deve ser uma opção?
O governo espanhol anunciou que irá tentar aprovar legislação que irá barrar a compra de casas por parte de estrangeiros extra-comunitários que não sejam residentes em Espanha como uma das medidas que combate à crise da habitação em Espanha. Isto ao mesmo tempo em que está apoiar outras medidas políticas que passam por investimento na construção de habitação para venda preços controlados. Segundo Pedro Sanchez, o primeiro-ministro Espanhol, esta ideia não é original e inspirou-se na legislação existente no Canadá bem como no exemplo Dinamarquês onde é extremamente difícil um não residente, não dinamarquês, comprar casa por lá.
O diagnóstico que levou à identificação desta medida prende-se com a constatação de um fenómeno que ganhou escala na última década, patrocinado por juros negativos e pela escassez de produtos financeiros que combinassem bons retornos com níveis de risco aceitáveis: cada vez mais investidores mundiais passaram a encarar o investimento em imóveis, incluindo imóveis residenciais, como um produto financeiro a juntar às suas carteiras de investimento. As casas passaram a ser vistas como um depósito, uma ação, uma obrigação, uma barra de ouro ou bitcoin, ou seja, apenas mais um ativo para juntar ao lago de opções de investimento financeiro. E um especialmente lucrativo, com taxas de rentabilidade que têm crescido à medida que mais e mais investidores entram nesse “segmento financeiro”.
No meio das casas disponíveis pelo mundo fora, o mercado português entrou em força das carteiras de investimento e ganhou o título agridoce de ser hoje um dos que gera melhores rendimentos, rendimentos que sobem tanto mais quanto mais caras forem as casas que estão nas carteiras de investimento.
Num artigo recente no jornal Público o economista Ricardo Paes Mamede refletia sobre este problema e avançava com um número que retratava bem o quanto a investimento estrangeiro em imóveis nacionais estava a evoluir para ser um dos principais destino de investimento em Portugal, citando:
No caso português, o peso do investimento em imobiliário no stock de investimento directo estrangeiro passou de 8,6% em 2008 para 17,2% em 2023.
Note-se que não só o peso do investimento imobiliário no total do investimento direto estrangeiro está a aumentar com o bolo que representa todo o investimento direto estrangeiro está ele próprio em níveis historicamente elevados pelo que o impacto na economia estará a aumentar significativamente.
Esta realidade tera impactos positivos mas também negativos. É essa discussão que se propõe. Qual o balanço e em que medida deve condicionar as medidas de política em Portugal.
Convém destacar que este investidores não são necessariamente imigrantes, são também investidores internacionais que ganham mais a parquear o seu dinheiro em casas pelo mundo fora, esperando/especulando que o preço suba. Nada de moralmente critivável, é apenas um negócio. Mas que está longe de ser inóquo para a comunidade que recebe esses investimentos.
Mesmo em sítios onde a oferta está a aumentar, com mais casas a serem colocadas no mercado, há o risco desta oferta ser absorvida por estes investidores dificultando que o aumento da oferta leve a descidas de preços ou pelo menos à sua estagnação duradoura.
Por outro lado, a tipologia de novas habitações pode ela própria estar a ser condicionada por esta procura mais exuberante, algo que é especialmetne importante num cenário em que há escassez de mão de obra especializada e de capacidade instalada no setor da cosntrução.
Afinaç, construir casas para investidores internacionais, concorre com estar a construir casas com outro perfil para residentes. Com a atual capacidade instalada, não dará para estar a satisfazer os dois segmentos de mercado ao mesmo tempo, ou pelo menos, haverá um impacto importante na distribuição de recursos. E, claro, mesmo que ambos os segmentos sejam lucrativos, a opção natural em mercado será sempre a de privilegiar aquele que rende mais ao próprio construtor e promotor.
Se não se mudar o cenário regulatório e legal de modo a ligar mais dramaticamente a compra e posse de uma habitação ao seu uso e, em particular, ao uso permanente (ou enquanto residentes nesse país), este será sempre o dos motores para a continuada subida de preços da habitação – ainda que ao sabor do ciclo económico mundial, naturalmente (ou ao contra-coclo…).
Veja-se a este propósito o artigo “Crédito habitação: 18% dos contratos foram assinados por estrangeiros“.
Em Espanha, o governo acabou de propor a proibição da compra de casa por estrangeiros, não europeus, que não sejam residentes em Espanha, precisamente para tentar desligar a associação entre as casas e os investimentos puramente financeiros. com ose disse no início, esta prática não é inteiramente inovadora e tem semelhanças com o que está em prática no Canadá e na Dinamarca.
Este ângulo de análise tem sido muito pouco escrutinado em Portugal. Falamos da fiscalidade, da dificuldade de obter licenças de construção, da burocracia em geral, falamos do aumento da imigração, falamos até da reduzida dimensão do nosso mercado público de habitação para arrendamento a preços controlados mas é legítimo alimentar a ideia que não damos o devido relevo a este fator que multiplica a sua importância pelo poder de influenciar tendências de preço mas também por ser potencialmente disruptivo de qualquer política económica e fiscal que se lance sobre este mercado.
Quem nos garante que um IVA mais baixo, ou um aumento da oferta de habitação, não acaba por ter impactos que serão absorvidos por uma maior popularidade do mercado habitacional português junto de investidores internacionais que anda a vasculhar o globo em busca das rentabilidades mais atraentes?