O Instituto Nacional de Estatística revelam que os juros do crédito à habitação começaram a descer dois anos depois de terem iniciado a escalada muito rápida, induzida por uma alteração da política monetária do BCE.
O BCE alterou radicalmente e muito depressa a sua política monetária a partir de março de 2022 com o objetivo de controlar a inflação que veio a registar os valores mais elevados em muitas décadas, precisamente em 2022.
Subir juros depressa, manter o nível e depois descer devagar
A decisão foi polémica tendo estado entre os argumentos que se opunham.
De forma sintética tinhamos (temos), por um lado, o facto de estarmos perante inflação importada (com o conflito na Ucrânia e o seu impacto nos custos da energia e dos produtos alimentares a merece destaque) ponto em causa o racional de deprimir internamente a economia Europeia pois antecipava-se que tal teria impactos modestos nos motores externos da inflação e, por outro lado, o facto de a redução do poder de compra e dos níveis de investimento via subida dos juros ser o único instrumento, por muito grosseiro que possa parecer, verdadeiramente ao dispor do Banco Central Europeu para procurar atingir o seu mandato de ter a inflação ancorada em torno dos 2%.
Houve ainda quem entretivesse a ideia de que a Economia Europeia estaria a sobreaquecer (gerando inflação interna) mas essa tese nunca foi muito forte. Foi pelo menos muito menos robusta nos seus argumentos do que tese idêntica aplicada aos EUA.
Dito isto, a inflação veio a cair um pouco por todo o globo e a um ritmo relativamente rápido, levando algumas das principais economias europeias a entrarem em recessão (com destaque para a Alemã).
Com a conjugação destes dois aspetos, desaceleração da inflação e recessão económica, a margem para se manter uma política monetária restritiva (de juros altos) diminuiu e a expectativa hoje é a de que ocorrem, em breve, descidas das taxas de juro de referência pelo BCE.
Essa expectativa está já a ser um reflexo direto na redução das euribor a vários prazos e esse reflexo está a começar a passar para os contratos de crédito à habitação, em particular para os novos contratos celebrados nos últimos meses. É precisamente essa realidade que o INE agora confirma com as suas estatísticas sobre Taxas de Juro Implícitas no Crédito à Habitação relativas a fevereiro de 2024.
Segundo o INE:
A taxa de juro implícita no conjunto dos contratos de crédito à habitação diminuiu pela primeira vez desde março de 2022, para 4,641% em fevereiro de 2024, traduzindo uma descida de 1,6 pontos base (p.b.) face a janeiro de 2024 (4,657%).
Nos contratos celebrados nos últimos três meses, a taxa de juro desceu pelo quarto mês consecutivo, passando de 4,315% em janeiro para 4,197% em fevereiro. A prestação média registou a primeira redução desde fevereiro de 2021, fixando-se em 403 euros, menos 1 euro que em janeiro e mais 81 euros que em fevereiro de 2023, o que traduz uma diminuição mensal de 0,2% (+1,0% no mês anterior).
No último mês, a parcela relativa a juros representou 62% da prestação média, o que compara com 41% em fevereiro de 2023.
Nos contratos celebrados nos últimos 3 meses, o valor médio da prestação desceu 11 euros face ao mês anterior, para 628 euros em fevereiro de 2024, o que corresponde a um aumento de 10,4% face ao mesmo mês do ano anterior.
O capital médio em dívida para a totalidade dos créditos à habitação aumentou 368 euros, para 65 158 euros.
Quão rápido descerão os juros e até quando?
A decisão quanto ao ritmo de descida está nas mãos do conselho de governadores do BCE e a expectativa geral é a de que o ritmo de descida seja muito mais moderado do que o da subida. A Euribor vai antecipando em alguns meses aquele que se espera ser o comportamento mais provável do BCE na evolução da sua política monetária.
Desde logo porque o cenário de que se partiu em 2022 era o de taxas de juro negativas, um “território” em que a política monetária nunca tinha antes estado e onde os bancos centrais sabem que têm os seus instrumentos de política manietados.
Um “território” que trouxe também impactos de segunda ordem que só agora começam a ser percebidos pelas populações e pelos governos e que geraram graves problemas sociais e de governo, nomeadamente com a financeirização do mercado de habitação que muito está a contribuir para um crise global de habitação.
Por outro lado, a incerteza no contexto internacional, com o regresso de conflitos e ameaças armadas alimentam aquele que é, por definição, a atitude conservadora dos bancos centrais, levando-os a terem uma política monetária mais neutra do que expansionista, numa atitude de aguardar para ver.
Ainda assim são antecipáveis várias descidas moderadas das taxas de juro que irão aliviar o encargo com os juros nos vários tipos de crédito, com o crédito à habitação à cabeça.
O outro lado da moeda será uma redução das taxas de juro que remuneram a poupança.
O oráculos dos mercados expresso através de contratos de futuros sobre a euribor vai apontando para mais dois anos e meio de descidas das taxas de juro, devendo estas fixarem-se em finais de 2026 ligeiramente acima de 2%. Este é, naturalmente, um cenário que pode vir a ser radicalmente alterado pela realidade.
No momento em que escrevemos este artigo as taxas de juro euribor nos vários prazos estão já claramente abaixo dos máximos acima dos 4% e têm vindo a registar comportamentos mistos com ligeiras subidas e descidas nos últimos dias.