Fidelizações na Banca (afinal havia outras). Uma pessoa nunca sabe para o que acorda e hoje, acompanhando as notícias sobre economia e finanças cá do burgo, acordámos para uma peculiar ameaça da associação portuguesa de bancos (APB): ou o Parlamento deixa a banca continua a cobrar aos clientes de crédito à habitação uma taxa sempre que estes consigam antecipar o reembolso parcial ou total do crédito que contraíram, ou a banca deixa de oferecer crédito à habitação com taxa fixa ou taxa mista.
Confesso que não tinha ideia que haver crédito a taxa fixa ou taxa mista era uma benesse tão grande da nossa banca aos seus clientes ao ponto de poder ser usada como alavanca para chantagear os deputados que poderão querer acabar com este coágulo ao bom funcionamento do mercado, protagonizado por qualquer taxa ou comissão que impeça a livre mudança de fornecedor (de crédito, neste caso).
A comissão por amortização antecipada ou a Fidelizações na Banca
Recorde-se que por iniciativa do anterior governo socialista, se encontra suspensa, até ao final do corrente ano, a comissão de penalização por resgate antecipado nos créditos à habitação com taxa variável (0,5%) e tinha havido uma indicação muito forte desse governo de vir a tornar definitiva essa suspensão e mesmo de rever a comissão de 2% que vigora para os contratos a taxa fixa. Algo que agora os deputados socialistas querem, de facto, eliminar (ambas as taxas) em definitivo, havendo ainda outras variantes propostas por outros partidos.
Não é certo se terão maioria no parlamento para o fazerem, mas na dúvida, a ABP colocou-se em campo: “Banca ameaça acabar com taxa fixa ou mista se Parlamento aprovar fim de comissões“.
ADENDA 26 NOV 2024: a versão final proposta foi a de eliminação total da comissão por amortização antecipada para os créditos com taxa variável ou com taxa mista que já estejam no período de taxa variável, passando a comissão para os de taxa fixa (ou mista que ainda estejam no período de taxa fixa) a descer de 2% para 0,5% do capital amortizado.
Portugal uma ilha gualesa de taxa variável
Puxando um pouco pela memória, recorde que, de facto, Portugal tem sido uma espécie de ilha gaulesa, no mau sentido, no que à forma de determinar o custo do dinheiro que a banca empresta para comprar casa.
Na “esmagadora maioria” – expressão tão maneirinha e irritante – do mundo com um sistema financeiro desenvolvimento, imperam há muitos anos, as taxas fixas (ou mistas) para emprestar dinheiro quando este se destina a adquirir uma propriedade que é ela própria colateral do seu crédito. Na esmagadora maioria, mas não por cá, pelo menos não até muito recentemente.
Por cá, em Portugal, passam as crises, constata-se o problema associado à extrema volatilidade das taxas variáveis com comportamento pró cíclico muito danoso para as famílias (e para a própria a Banca de um ponto de vista sistémico), mas a taxa variável tem sido sempre rainha. Muito raramente algum banco oferecia outra coisa que não taxa variável, outra coisa minimamente competitiva, bem entendido.
E quando a taxa variável veio finalmente a ter alternativas, em boa parte patrocinadas pela pressão social, alguns lamentos do regulador e pelas circunstâncias associadas à abrupta alteração da política monetária (com as Euribor a dispararem) estas alternativas foram povoadas, por taxas fixas onde predomina a grande “timidez”, com prazos muito curtos da taxa fixa garantida e/ou enorme spreads para taxas fixas um pouquinho mais extensas. Isto para no fim desses prazos, as taxas fixas migrarem para as taxas variáveis que continuam assim a dominar o maior prazo de vida do crédito contratado (são estas as taxas mistas).
A verdade é que à data de hoje, 2 em cada 3 créditos à habitação existentes continuam a estar indexados a uma taxa variável. Isto enquanto as taxas fixas “puras” representam apenas 5,88% dos novos créditos em setembro de 2024 (78,17% são taxas mistas que, após alguns anos de taxa fixa se convertem em taxa variável).
E já agora, sabe qual é o montante de amortizações antecipadas totais de empréstimos à habitação própria permanente, em percentagem do total em setembro de 2024 (dados Banco de Portugal)? 0,7% É esta a dimensão do “problema” para a banca que levou a esta postura tão… musculada.
Estaremos a ser injustos?
Mas calma, podemos estar a ser injustos. E se a banca está a oferecer taxas muito mais baixas para captar os clientes na expectativa de recuperar rentabilidade por via da extensão temporal do crédito?
Não sendo impossível que haja algum banco a apostar num desenho de produto que pudesse estar a fazer uma compensação entre duração do crédito e um preço de dinheiro emprestado mais baixo, é curioso que os grandes números que conhecemos não são de todo indiciadores dessa prática de forma generalizada.
Além do número/montante modesto de amortizações efetivas (o que relativiza muito o impacto das amortizações), estamos numa terra onde temos das mais elevadas diferenças que se encontram na União Europeia entre o que o banco cobra pelo dinheiro que empresta e o que os bancos remuneram pelas poupanças que recebem (tomando por referência os depósitos a prazo).
Por outro lado, estamos num contexto que sucede a anos e anos de crescimentos muito ambiciosos e significativos das comissões cobradas (repararam que não falei dos lucros recorde, certo?).
Há ainda um outro dado. O Banco Central Europeu, precisamente consciente das diferenças quanto às taxas predominantes nos contratos de crédito em cada país, e querendo comparar o custo do dinheiro para comprar casa, publica mensalmente um exercício que procurar garantir que se compara o que é comparável.
Perante a realidade atual, onde predominam as taxas mistas em Portugal, o balanço global não é impressionante.
Se está a haver algum bónus ele não aparece na tabela ou é muito mais modesto do que o praticado noutros países, pois mesmo com estes dados comparáveis, paga-se mais pelo dinheiro para comprar casa em Portugal do que na média da Zona Euro (dados de setembro de 2024).
E é neste caldo que surge esta ameaça/chantagem ao Parlamento não deixa de ser muito curiosa.
Quase parece que a Banca está à procura de um pretexto para voltar aos “bons tempos” da aldeia gaulesa, em que reinavam as taxas variáveis, que exigem menos continhas (?), menos criatividade (?), menos variabilidade de produtos (?) e colocam com mais certeza o ónus do risco em cima dos clientes (será?). Isto ao mesmo tempo que fazem recair em outros – os políticos, esses costas largas pau para toda a culpa – precisamente, a “culpa” por esta limitação absurda do nosso mercado liberalizado mas aparentemente muito alinhado da banca nacional.
Um país agarrado a fidelizações é um país com um mercado doente
Numa nota mais genérica a notícia de hoje, é reminiscente do discurso do operador de comunicação que justifica a fidelização por 24 meses com o investimento feito a passar fibra, a colocar a box xpto lá em casa, o mesmo operador que repete a justificação ao fim de 24, 48, 72 meses, mesmo quando não voltou a passar linha de fibra, nem modernizou a box que, aliás, passou a estar obsoleta (bem vindo à app na sua Smart TV).
Se não é credível que haja um bónus no juro à cabeça (render-me-ei à sua demonstração), a banca perde exatamente o quê do seu investimento num crédito a duas, três ou quase quatro décadas?
Qual é o motivo para a indemnização se o cliente reduzir o risco associado ao crédito que contraiu, melhorando a sua taxa de esforço e melhorando (para o banco) o rácio entre o capital em risco e a garantia real?
E se um banco é penalizado pontualmente (porque os créditos têm mais risco no início dos prazos) não consegue competir pelos créditos mais maduros e menos arriscados anulando o risco da carteira de crédito?
A moral da história talvez seja muito simples, e não será uma boa campanha para a indústria bancária: ter uma relação com um banco pode ser muito, muito caro e piora enormemente quando:
- essa relação passa a ser a de credor/devedor;
- o cliente é relapso (sem ofensa) por não mexer uma palha para defender o seu próprio interesse;
- o cliente não tem conhecimentos suficientes para mexer uma palha e defender o seu próprio interesse.
Procure alternativas. Pela sua saúde, pelo seu dinheiro. E, quem sabe, talvez um dia destes o mercado bancário seja verdadeiramente pan-europeu, mesmo no crédito à habitação.
Finalmente, recorde que se os políticos mandatados pelos eleitores definirem que a prática ou método A ou B não são aceites nesta sociedade, é sempre possível esperar que a concorrência se faça com inventividade e um equilíbrio justo por outras vias. Criatividade é coisa que não tem faltado aos mercados bancários e mercados de capitais.
Boas poupanças!