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Empresas europeias estão a converter lucros em melhores salários exceto em Portugal?

As empresas europeias estão a converter lucros em melhores salários e as portuguesas?

Vale a pena passar os olhos pela peça do Jornal de Negócios “Margens de lucro ainda puxam pela inflação” onde as jornalistas Susana Paula e Maria Caetano compilam informação referente a Portugal e à Zona Euro relativa à evolução dos preços (inflação) e à evolução dos lucros e margens comerciais.

Na peça valorizam posições expressas pelo Banco Central Europeu e pelo Conselho de Finanças Públicas.

Eis um excerto do artigo citado:

“(…) as empresas não estão a esvaziar as margens que acumularam em 2022 e 2023 com a subida dos salários dos trabalhadores, repercutindo esse custo extra nos preços.
“De igual forma”, diz o CFP, a inflação (medida pelo Índice Harmonizado de Preços no Consumidor) deverá ser ainda de 2,7% este ano, descendo lentamente até atingir os 2% – a meta definida pelo Banco Central Europeu (BCE) – em 2027.

Os dados mais recentes do INE , referentes ao primeiro trimestre deste ano, mostram que o excedente bruto de exploração das atividades económicas, que traduz as margens de lucro no valor acrescentado bruto (VAB) gerado pelo país, aumentou 30% face ao trimestre anterior. (…)”

As grandes conclusões são preocupantes ainda que não inteiramente surpreendentes para quem conhece a cultura predominante entre a generalidade das empresas portuguesas.

Por um lado, sublinha-se que a economia portuguesa viu as margens comerciais das empresas e os lucros aumentarem em linha com o que se passou no resto da Zona Euro, por outro, apurou-se que o que se está a fazer com esse aumento das margens é completamente distinto em Portugal face à média da Zona Euro.

De facto, enquanto “lá fora”, uma parte do crescimento das margens está agora a ser canalizado para salários dos trabalhadores – o que está a fazer as margens recuarem significativamente, por cá, a resposta à necessidade de se subirem salários está-se a fazer mantendo as margens recorde (ou descendo-as muito mais lentamente) mas, em alternativa, subindo mais os preços.

Ou seja, na prática, os nossos empresários estão a usar muito menos as margens para financiar as subidas nominais de salários do que o seus pares europeus. Quando se vêm forçados a subir salários, refletem esse impacto no preço, induzindo inflação e, consequentemente, reduzindo o impacto do próprio aumento real dos salários em penalizando o ganho de poder de compra.

 

Aumento dos salários e a relação com o IRC

Se esta realidade é atestada por autoridades independentes e nos distingue do resto dos nossos parceiros da Zona Euro, esta informação deve ser valorizada no debate em curso sobre a razoabilidade de se reduzir as taxas de impostos sobre o lucro das empresas o IRC.

Um dos argumentos de quem defende a descida do IRC em Portugal passa por acreditar que tal permitiria às empresas aumentarem as suas margens e “consequentemente” apostarem num maior aumento dos salários. Se o aumento dos lucros seria real, a suposta consequência sobre os salários é muito discutível. Ora se perante uma realidade comum de subida generalizada das margens nos últimos anos, desde o covid, os parceiros estrangeiros encontram folga nessas margens recorde para, reduzindo-as um pouco, subirem salários e se os nossos empresários, passando pela mesma realidade, decidem ao invés financiar as subidas de salários com o aumento dos preços dos seus produtos e serviços, porque é que havemos de acreditar que farão diferente se os lucros aumentarem por via da redução de impostos?

 

Porque é que o mercado não penaliza quem sobe os preços em Portugal?

Por outro lado, é também preocupante que seja precisamente onde o poder de compra é menor e onde o impacto das oscilações dos preços mais deviam incentivar uma partilha de custo salarial via margens, protegendo os preços, que essa preocupação parece ter menos impacto nas decisões comerciais dos nossos empresários. O que se passa com o nosso mercado?

Do ponto de visto económico esta realidade é um sinal de alerta de que algo de profundamente errado ou atípico está a acontecer na economia portuguesa.

Os consumidores locais não parecem ser parte relevante na fixação dos preços. A nossa economia depende tanto do mercado externo e do turismo que leva a que a fixação dos preços seja alheia aos consumidores locais?

Ou, em alternativa ou complemento, temos tantos setores em oligopólio ou monopólio ou tanta concertação generalizada de preços entre supostos concorrentes que a força de mercado está completamente desequilibrada em favor de poucas empresas produtoras em cada setor levando a que os preços sejam rentitas, sem que haja real concorrência ou sequer ameaça de concorrência?

O que a teoria económica nos diz é que um aumento de preços não deve ser feito de ânimo leve pois pode estar a abrir uma oportunidade a um concorrente de ganhar quota de mercado. Se em Portugal esse mecanismo parece estar desligado, pelo menos em boa parte da economia, temos de perceber urgentemente o que se passa para definir como agir.

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