As taxas de juro para novas emissões de dívida pública já estão a subir e é natural que continuem a subir durante os próximos tempos – sendo difícil concretizar se por “tempos” estamos a falar de meses, trimestres ou anos.
A verdade é que estas taxas têm registados valores historicamente baixos há vários anos, muito à conta da política monetária do Banco Central Europeu (BCE) que tem ido ao mercado comprar boa parte das emissões de dívida dos vários estados membros da Zona Euro.
Breve enquadramento – o que se fez nos anos de juros baixos
Portugal aproveitou este período para consolidar as suas contas e recuperar a reputação perdida junto dos mercados, estabilizando a sua economia e iniciando a caminhada de redução do peso da dívida pública no PIB, apresentando défices baixos e mesmo um superavit.
Durante esse período a maturidade da dívida (número de ano que faltam para ter de se devolver os empréstimos contraídos) foi sendo progressivamente aumentada, o que permite não sofrer tanto caso haja mudanças bruscas nas taxas de juro no mercado, e, ato contínuo, o juro médio que se paga pelo stock da dívida foi drasticamente reduzido de uns incomportáveis 5,8% em 2011 para uns prováveis 2,0% a 2,1% em 2021 (dados ainda não revelados – foi de 2,2% em 2020).
Nestes anos de juros baixo, o serviço da dívida, ou seja, os recursos que anualmente têm que se libertar para pagar juros da dívida, desceram muito mais depressa do que a própria dívida, não tendo o ano de 2020, com o aumento da dívida para fazer face às despesas extraordinárias associadas a combater o COVID-19, penalizado especialmente as contas públicas, muito à conta da ação coordenada dentro da própria União Europeia de emissão de dívida conjunto para financiar os custos.
O percurso de descida do peso da dívida pública no PIB, ou seja, na riqueza gerada no país num dado ano foi, de facto, interrompido com a crise pandémica mas já retomou a tendência de descida esperando-se, com alguma surpresa, que o défice de 2021 possa vir a fechar abaixo dos 4%, bem abaixo dos 4,5% que chegaram, a dada altura, a ser a expectativa do governo.
Recorde-se que no ano de maior impacto da pandemia, em 2020, o défice publico disparou para 5,7%, sendo que, no ano anterior, se tinha registado o único superavite desde o 25 de abril (+0,1%).
A dívida pública que vinha descendo expressivamente até 2019 (passando de um recorde de 132,9% do PIB em 2014 para 116,6% em 2019) voltou a subir para 135,2% em 2020 tendo retomado a tragetória descendente em 2021, caindo mais de 6 ponto num ano, para 127,5% (número provisório).
Taxas de Juro da Dívida: Porque não devemos estar preocupados
A taxa de juro mais relevante para qualquer dívida pública costuma ser o seu custo a 10 anos, ou seja, quando custa a cada Estado pedir dinheiro emprestado no mercado por um período de 10 anos. O custo das Obrigações do Tesouro a 10 anos dão-nos essa referência, seja por via de quanto custou a última emissão dessa dívida (mercado primário), seja pela taxa de juro implícita a que esses títulos estão a ser trocados entre investidores no mercado de “segunda mão”, o mercado secundário.
Ora com o anúncio de que os Bancos Centrais, incluindo o “nosso” BCE, irão reduzir o nível de compras e recompras de dívida pública dos Estados e que irão começar a subir as taxas de juro de referência que influenciam o preço do dinheiro praticado pelos Bancos, o preço do dinheiro no mercado secundário começou a subir. Não sobe o mesmo em todos os países, pois o risco percebido de se emprestar dinheiro a um Estado não é igual ao de se emprestar a outro, mas todos os países vêem o custo de emitir nova dívida ou de refinanciar dívida existente subir.
Vamos portanto pagar juros mais altos no fim do ano, certo? Não necessariamente.
Se a comparação se fizer estritamente entre as novas emissões de 2021 com as novas emissões de dívida que serão colocadas em 2022, aí a resposta mais provável é afirmativa: sim, cada euro emprestado em 2022 ao Estado será mais caro do que foi em 2021. Por exemplo, em 2021, o custo médio das novas emissões foi, segundo o IGCP; de 0,6% (uma décima acima do que tinha sido em 2020).
No entanto, o conjunto total dos cerca de 270 mil milhões de euros de dívida pública bruta viva, tem uma taxa de juro média muito superior a esses 0,6%. Em 2020, o stock da dívida tinha um custo médio de 2,2% e em 2021, provavelmente terá sido de 2,1% (ou um pouco menos como dissemos em cima), ainda assim muito superior aos 0,6%.
À data em que escrevemos este artigo, uma Obrigação do Tesouro Português a 10 anos, no mercado secundário, custava 0,973% e já incorporava uma parte importante da reação do mercado à alteração do política monetária do BCE antecipada no início de fevereiro de 2022.
Se, por ventura, os cerca de €20 mil milhões de dívida a emitir ou renovar em 2022 tivessem que ser todos emitidos a 10 anos e a um custo inferior aos 2,1% do custo médio do stock (por exemplo a 0,973%) então, no final do ano, o custo médio da dívida ainda iria descer significativamente em vez de subir, devendo o serviço da dívida continuar a diminuir, por esta via.
Em suma, só quando o custo médio da nova dívida superar o custo médio do stock é que a evolução das taxas de juro começará a aumentar o custo global da dívida pública.
Adicionalmente, é preciso referir que uma parte importante da dívida a emitir nos próximos 12 meses costuma estar titulada em títulos com prazo muito inferiores a 10 anos podendo, inclusive, ainda beneficiar de juros negativos, como sucede com os bilhetes do tesouro. Esta diferença significativa de taxa de juro nos vários prazos possíveis de emissão de empréstimos pode, inclusive, permitir ao IGCP continuar a aumentar o prazo médio de pagamento da dívida (a maturidade) sem com isso começar já a aumentar o custo global da dívida pública. Por exemplo, em 2021, o prazo médio da nova dívida emitida foi superior a 14 anos, cerca do dobro da maturidade que tinha o stock no início desse ano, levando assim ao tal aumento da maturidade média do stock ao longo do ano.
Qual é então cenário futuro mais provável?
Para concluir, não havendo um movimento exacerbado de aumento das taxas de juro a que a dívida pública portuguesa estará sujeita – o que não se antecipa de todo dada a atual reputação que a República tem no mercado global e dada a própria estabilidade política – o aumento progressivo do custo das novas emissões, não implica uma alteração radical dos objetivos e práticas de gestão da dívida por parte das autoridades portuguesas, nem comprometerá o exercício orçamental.
Manter o défice em valores controlados de modo a garantir que a dívida pública continua a diminuir em percetagem do PIB (tendo, necessariamente, que crescer mais devagar do que o PIB) não terá que ser mais difícil. Pode é contar em menor expressão com o alívio via redução do custo com juros que fomos tendo por via da reestruturação da dívida feita suavemente pelo IGCP.
Por outro lado, é fundamental não cair em ambição excessiva e potencialmente contraproducente na velocidade de redução da dívida, o que poderia comprometer a indispensável reposição da capacidade produtiva. É fundamental garantir o reforço dos investimentos que foram fortemente restringidos na última década (saúde, educação, infraestruturas, digitalização) com consequências visíveis na qualidade e capacidade dos serviços públicos e de alavancagem de investimentos publico-privados. O PRR e o PT 2030 – ambos fundos europeus – serão uma grande ajuda mas exigirão alguma comporticipação lusitana e, em alguns setores, deverá ser necessário complementá-los.
O equilíbrio continuará desafiante mas a margem para continuar a esmagar investimento público esperando que isso acabará por não ter reflexo na própria capacidade de geração de riqueza nacional não é um cenário verosímil, nem desejável pois poderá acabar por ter um efeito contrário.
Naturalmente, a evolução da inflação e do crescimento económico na Zona Euro condicionará o ritmo a que se desligará a política monetária expansionista tendo impacto na gestão da dívida pública, pelo que este será um tema que merecerá especial atenção dos decisores de política orçamental. No entanto, não se antecipa que o próprio BCE repita erros do passado, devendo apostar numa aterragem lenta e progressiva. Em última análise, esta mudança de política monetária deveria sinalizar que a economia europeia está a aumentar de dinamismo, servindo a restrição monetária para conter uma possível velocidade excessiva do crescimento que poderia não ser sustentável.
Para já e no futuro previsível, Portugal está no mesmo ciclo que os seus principais parceiros, o que nem sempre aconteceu no passado, e isso é uma excelente notícia. Também por aí, o sinal é de que não há riscos particulares no horizonte.
Otimismo cauteloso, sem receios excessivos e com confiança no desenvolvimento económico é o que se recomenda.