A Inflação média anual atingiu os 4,1% em junho de 2022 em Portugal, naquilo que representa um aumento de 7 décimas em apenas um mês. A inflação média anual calculada pelo INE é o indicador de inflação mais estável, pois incorpora a evolução ao longo de um ano completo. Por oposição, a variação homóloga que compara o valor mensal com o de igual mês do ano anterior é mais reativa e em junho de 2022, foi de 8,7% (mais sete décimas do que em maio), o valor mais elevado desde dezembro de 1992.
Há dois indicadores especialmente relevantes para perceber o que se está a passar e tentar antecipar quando poderemos ter uma mudança do sentido de evolução.
Um deles é a inflação subjacente que, no fundo, é uma versão da inflação sem considerar os produtos energéticos e os produtos alimentares não transformados. Este indicador registou uma variação homóloga de 6,0%, tendo acelerado dos 5,6% em maio. Ou seja, o efeito de contágio no resto da economia provocado pela inflação que estamos a importar essencialmente por via dos preços dos combustíveis está a fazer o seu caminho, ainda que, mantendo-se num patamar mais moderado e acelerando mais lentamente (mais quatro décimas do que em maio).
O outro indicador é a evolução dos preços nos produtos energéticos. E quanto a este as notícias de junho não são animadoras, pois a variação homóloga continua a acelerar fixando-se nos 31,7% (27,3% em maio), um registo que não era tão elevado desde agosto de 1984 (28,5%).
Considerando a evolução dos dois indicadores, é evidente que ainda não se atingiu um pico no processo inflacionista continuando este a acelerar e indiciando que vai superar as projeções mais recentes para o fim do ano avançadas, por exemplo, pelo Banco de Portugal (5,9%).
Estamos a caminhar para um novo 1984?
O paralelo com 1984 é excessivo. Em 2022 há um cunho fortíssimo de inflação importada num contexto de estabilidade das contas públicas, com o peso da dívida no PIB a registar uma queda significativa em 2021 e com a economia a crescer acima da média europeia. Ou seja, em 2022, o problema, a fonte de inflação, é muito mais externa do que o era em 1984 (o governo tinha pedido o apoio do FMI em 1983). É oportuno sublinhar que esta natureza externa da inflação prejudica a eficácia de qualquer medida interna com vista ao seu controlo, exigindo dos decisores económicos e políticos especial cuidado e ponderação. Ainda assim, o risco de um fenómeno que começa por ser externo se enraizar não pode ser considerado irrelevante pelo que, também por essa via, deve manter-se uma política cuidada e flexível.
Em termos práticos, o mais provável, é esta situação traduzir-se num reflexo apenas parcial da inflação na atualização salarial para 2023, com os salários no setor público a sofrerem um aumento em numerário inferior ao que seria necessário para manter o poder de compra.
Poderá ainda traduzir-se em medidas pontuais de apoio muito direcionado a grupos especialmente vulneráveis ou a setores sob especial stresse e ainda nas reprogramações de investimentos ou reforço de investimentos já contratualizados só para fazer face ao encarecimento de materiais e serviços.
Acresce a esta comparação sumaria face a 1984 que, pelo menos em 2022, é de esperar que Portugal consiga acumular inflação elevada (para os padrões mais recentes, mas muito inferior aos 28,5% de 1984) com um ritmo de crescimento real muito significativo e, muito provavelmente, superior ao dos seus principais parceiros económicos.