Engordou 8 kg? Se para o ano não engordar nada esses 8 kg são permanentes ou temporários?

Um amigo meu que pesava 100 kg no início do ano engordou 8 kg este ano. Se conseguir não engordar mais até ao fim do ano, vai entrar em 2023 a pesar 108 kg. Terá engordado 8%. Sofreu uma inflação de 8%. Felizmente essa inflação é temporária pois para o ano, se mantiver o preço, perdão, o peso, a inflação será zero.
Contudo, as calças que lhe serviam no início de 2022 e que deixaram de servir ao longo desse ano (devido à inflação da cintura e afins) não passarão a servir-lhe em 2023, nem em 2024, nem 2025. Se porventura comprou só um par para fazer frente ao ano em que engordou na esperança que, no ano seguinte, poderá voltar a usar o antigo guarda-roupa de quando era elegante só com 100 quilinhos, vai ter uma amarga surpresa. Vai mesmo ter que comprar um guarda roupa nova.

A questão é que a inflação desapareceu mas os quilogramas ficaram lá. A inflação foi “temporária” no sentido em que mede em quantos kg aumentou o peso face ao peso total num dado período, geralmente um ano. A inflação não é assim uma medida de preço, perdão, de peso, mas de variação do peso. A medida de peso é… o peso. E mede-se em kg e não em pontos percentuais face ao peso total.

E se em vez de pesos falarmos de preços


A inflação é o indicador que mede a subida generalizada dos preços num dado intervalo de tempo.
O índice de preços no consumidor é o índice que junto muitos preços de muitos bens e serviços, aquele que habitualmente mais são relevantes para a vida de uma pessoa enquanto consumidor. Funciona como um mega-preço de um mega cabaz sendo que, para facilidade de contas, nem se expressa em euros mas em unidades de índice.

Quando este índice de preços aumenta, há inflação; quando não aumenta, não há. Pode até haver deflação se o índice descer. É raro, mas já aconteceu. Contudo, os aumentos passados continuam a estar lá, no custo do cabaz de bens e serviços de cujos preços se compõe o índice. E ficarão lá para sempre a menos que haja uma descida dos preços pelo menos idêntica à subida passada, ou seja, a menos que haja a muito rara deflação.

Assim, se num dado ano o índice de preços no consumidor passou de 100 para 108, o consumidor só conseguirá continuar a comprar esses cabazes se os seus rendimentos tiverem aumentado permanentemente 8%. E o permanentemente aqui é crítico.

Imagine-se um assalariado ou pensionista em que, no ano em que os preços aumentam 8% recebe um bónus exatamente igual ao aumento dos preços. Continuará a receber o mesmo salário ou pensão que no ano anterior, mas com este bónus, se o somar ao salário ou pensão, já conseguirá comprar o mesmo cabaz de bens e serviços que conseguia comprar antes de ter havido inflação. Se, por hipótese, o salário ou pensão fosse de €100, com um bónus de €8 conseguirá comprar o cabaz que no seu conjunto passou a custar 108 unidades. É inegável, que naquele ano, manteve o poder de compra.

E o que acontece no ano seguinte?

No ano seguinte, o assalariado ou pensionista continuará a receber os mesmos €100 que recebia no início do ano anterior, contudo, o cabaz ainda sem se lhe somar a inflação desse ano (que por simplicidade vamos assumir que será nula), começa o ano a custar 108 unidades.
Assim, a menos que o assalariado ou pensionista volte a receber um bónus de €8, mesmo que não haja nenhuma inflação nova nesse ano, já estará a sofrer uma perda de poder de compra de 8% que, por acaso, no nosso exemplo, são €8.
Os €100 já não darão para comprar o cabaz que custará 108 unidades. Se, porventura, no ano da inflação, tiver recebido um bónus de €4 e os outros €4 tiverem sido dados como aumento do salário ou pensão, a perda no ano seguinte será menor mas, existirá e corresponderá ao que recebeu no ano anterior como bónus e que não receberá de novo no ano seguinte. Para um cabaz que se manteve nos 108 terá um rendimento de €104. E assim será para sempre, nos anos seguintes. A subida do nível de preços foi permanente e a subida permanente do salário ou pensão terá sido só metade do necessário para, no futuro, o poder de compra se manter equilibrado. Neste cenário, o assalariado ou pensionista terá ficado permanentemente mais pobre.

Ou seja, neste ano seguinte, mesmo com uma inflação de zero, o impacto da inflação do ano anterior não desapareceu. Não foi temporário. Pelo contrário, ficou lá embutido, no índice de preços do consumidor.

E o que acontece aos impostos sobre o consumo, a receita é temporária ou permanente?

Note-se que se, por hipótese, os bens e serviços do cabaz deste país hipotético, estiverem sujeitos a IVA, o IVA terá aumentado 8% no ano da inflação e, no ano seguinte, mesmo não aumentando em percentagem, manter-se-ia no número de euros cobrados, igual ao ano da inflação. De facto, se se mantivesse a quantidade de dinheiro gasta em consumo, a cobrança fiscal estaria de novo no patamar que teria atingido no ano da inflação porque a IVA incidirá sobre o conjunto dos preços que no ano já sem inflação se manteve nas 108 unidades.

Portanto, tal como o índice de preços subiu permanentemente um degrau ao passar de 100 para 108, o IVA (que é uma fração do índice de preços multiplicada pela quantidade de bens e serviços vendidos) para uma mesma quantidade de consumo, também subiria um degrau. Mas a quantidade de produtos consumidos manter-se-ia? Provavelmente não. O IVA provavelmente não manteria o mesmo degrau subido no ano anterior, não por efeito da inflação que seria nula, mas por efeito da redução da atividade económica, por as pessoas não terem dinheiro para comprar a mesma quantidade de produtos.

A ideia de garantir que o poder de compra se mantém apenas no ano da grande inflação é inútil?

Aparentemente, o efeito de oferecer um bónus que não se repete para manter o poder de compra só no ano em que os preços sobe um grande degrau parece só adiar o inevitável: a perda significativa do poder de compra?

Sim, parece, mas em economia o tempo pode ter valor por si, tal é a complexidade das interações que a regem.

Os agentes económicos, nós, as empresas, os estados, tendem a reagir a estímulos e ter mais ou menos tempo para reagir a eles não é indiferente face às consequências económicas.

O exemplo da salário mínimo nacional

Está estudado que não é indiferente anunciar com dois, três, quatro anos de antecedência qual será a política de evolução do salário mínimo nacional face à alternativa de proceder às mesmas alterações do salário mínimo mas sem que sejam anunciadas com essa antecedência.
A surpresa parece ser danosa. Em especial quando a política é de aumentos reais do poder de compra de quem recebe o salário mínimo nacional.
Uma empresa que saiba à distância que daqui a dois ou três anos terá que pagar mais €100 ou €150 por cada trabalhador a receber o salário mínimo, poderá planear o seu negócio de outra forma. Poderá simplesmente não iniciar atividade se a margem não for suficiente para suportar esses custos ou pode mudar o perfil de investimento, ou de progressão na carreira dos restantes trabalhadores. Pode até lançar políticas de melhoria de eficiência que de outra forma não lançaria.
O que parece estar confirmado é que os aspetos negativos potenciais são muito menores havendo tempo para pensar em como reagir.

E como será com as pensões e salários?

Não consigo afirmar que haverá o mesmo efeito perante esta certeza de que, daqui a cerca de um ano, se perderá poder de compra mas é provável que este compasso de espera ou este desfasamento no tempo desse impacto tenha valor e possa mesmo mitigar os efeitos negativos dessa perda do poder de compra.
Os assalariados ou pensionistas podem, em antecipação, mudar o seu perfil de consumo, procurar libertar recursos desfazendo-se de dívidas, procurar fontes alternativas de rendimento, usar a margem que ainda tenham para algo que seja reprodutivo antes que fiquem com a corda na garganta e até opção de vida mais estruturais. Quem sabe?
Um dia talvez seja possível estudar o tema e talvez algum dos nossos leitores mais enfiados no mundo da academia conheça já alguma evidência, mas à luz do que quem vos escreve sabe, é uma hipótese plausível.

Ter informação a tempo e horas, em economia, costuma ser preferível e gerar equilíbrios mais sustentáveis do que gerar choques e surpresas que até podem ter um impacto instantâneo grande mas podem gerar um equilíbrio final menos interessante para todos como consequência.

Joana D’asgard

3 comentários

  1. Apreciei o texto sobre os rendimentos. com a comparação do peso pessoal; mas é uma realidade, e´que o rendimento que seria dado segundo a inflação dos 8%, seri para um futuro loginco, enquanto com as manobras do senhor Costa P.M., durante o ano de 2023, já vai recuperar, reduzindo o rendimento dos trabalhadores e dos pensionistas, cujo esse defice se vai manter para toda a vida do Cidadão abrangido. Isto é bem uma das grandes manobras do senhor Costa, com aquel sorriso falso, enganar os portugueses mal informados e pouco esclarecidos, ele sempre os engana com falas mansas mas envenenadas . Manuel Freitas

  2. Se o valor que os pensionistas vão receber no próximo mês é uma antecipação do que receberiam em Jan por aplicação da lei e, como tem sido amplamente refrido pelo governo, como tal em 2023 os pensionistas terão um valor da pensão conforme a lei prevê. Assim, a 31 de Dez de 2023 o valor da pensão, para efeito de cálculo de 2024, será o valor destas duas parcelas. Caso não seja feito este entendimento, então só resta ao governo aplicar a lei em vigor … e os pensionistas agradecem o adiantamento. Fazer outra leitura é SACANAGEM governativa!!!!

    1. Sr. Guilherme,

      Não é verdade o que afirma:
      ” Assim, a 31 de Dez de 2023 o valor da pensão, para efeito de cálculo de 2024, será o valor destas duas parcelas. ”

      O valor da pensão para cálculo de 2024 é o valor da pensão de 31 /12/2022, mais o acréscimo proveniente da taxa aplicada em Janº de 2023, que o governo já anunciou que (no meu caso), será de 4,43% e não o valor real da inflação que será entre 8% e 9%.

      O bónus da meia pensão a receber em Outº , não vai ficar agregado ao valor base da pensão, logo, o que vai contar para 2024 são os 4,43% de aumento em Janº de 2023 sobre o valor base recebido em 31/12/2022.

      Depois de tantas discussões com gente de vários quadrantes políticos, parece que só o PS e seus apaniguados “vêm” (entre muitas aspas), a situação dessa forma.

      Até percebo, não querem perder o eleitorado dos pensionistas, tal como o Passismo perdeu. Mas meus caros, é a vida!

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