Uma das notícias globais do início de junho de 2021 foi a do anúncio do acordo entre os países que compõem o G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido, com a União Europeia também representada) relativamente a uma Taxa Mínima de IRC Mundial, fixada nos 15%.
Taxa Mínima de IRC Mundial e não só – enquadramento
Segundo os relatos e posições de alguns países, o objetivo será aumentar esta fasquia para além dos 15%, em fases posteriores da negociação global.
Espera-se que essas fases passem por uma negociação nos G20 (onde se encontram, além dos G7, países como a China, a Índia, o Brasil, a Argentina, o México, a África do Sul, a Turquia, a Austrália, a Rússia, a Arábia Saudita, a Indonésia, a Coreia do Sul e o Canada) e, posteriomente, um grupo mais vasto que abrangerá mais de metade dos Estados Soberanos do planeta (grupo de mais de 130 países coordenado pela OCDE).
O problema
A autêntica corrida para o fundo entre os Estados que procuram atrair empresas à conta de tributações cada vez mais baixas, está a atingir a própria resiliência e sobrevivência dos Estados, forçados a reduzirem as suas capacidade de atender às populações e/ou obrigado a tributar cada vez mais aqueles que, efetivamente, não conseguem fugir aos impostos: os seus próprios cidadãos que contribuem com a sua despesa e trabalho para gerar os lucros de algumas empresas que depois não é tributado ou é tributado a taxas muitíssimo mais baixas do que a aplicadas aos cidadãos.
O Estado enquanto peça fulcral de estruturação de uma comunidade com os respetivos bens e serviços públicos a ele associados é incompatível com impostos nulos – algo que é já há alguns anos uma realidade – em especial ao dispor das grandes multinacionais que, à boleia de acordos que impedem a dupla tributação, e de leis coniventes com a desafetação da tributação face ao local da prestação do bem ou serviço que geram lucro, têm permitido as maiores e mais lucrativas empresas do mundo não pagar qualquer imposto (ou valores extremamente baixos).
Uma realidade que coincide com um nível de concentração de riqueza historicamente elevado num número cada vez mais exíguo de pessoas ou corporações. Pessoas e corporações essas que, em alguns casos, não hesitam em procurar condicionar e capturar os próprios regimes democráticos ou não que possam representar uma ameaça aos seus respetivos interesses. Algo que tende a ser tanto mais fácil quanto mais fragilizados estiverem os próprios Estados, desencadeando-se assim o autêntico circulo vicioso pouco ou nada benigno para o Estado de Direito e para as democracias e para a soberania popular e nacional.
A tributação tendencialmente nula para as empresas e fortunas globais, algumas valorizadas em montantes superiores a dezenas e dezenas de países e territórios, tem assim coincidido com níveis de desigualdade de acesso à riqueza gerado sem paralelo no registo histórico moderno.
É assim neste enquadramento que os líderes de sete das principais economias mundiais lançam esta proposta singular, proposta essa que parece ter potencial para vir a ser adotada por muitos mais países no futuro muito próximo.
IRC mínimo e nova afetação geográfica dos lucros: o que é que isso significa?
O economista francês da Universidade de Berkeley, Gabriel Zucman, destacou sumariamente, na sua conta do twitter, quão significativo é, desde já, este acordo firmado no G7.
Zucman enunciou as consequências transversais que o acordo terá a nível fiscal, com especial impacto nos países que têm assente o seu modelo de sustentação das receitas em políticas fiscais agressivas, de baixas taxas de imposto.
As taxas quase nulas tendem a atrair um grande número de empresas que leva as suas sedes para estes paraísos fiscais, paraísos esses que obtém retorno quanto baste trocando baixos impostos, por elevados níveis volumes de lucro a tributar (em vez de tributar 100 euros a 25% tributam-se 2500 euros de lucros importados a 1%) ou mesmo “apenas e só” lucrando com algumas generosas comissões de intermediação financeira.
Quais as transformações garantidas por este acordo enunciadas por Zucman?
Num fio de 8 tweets ( https://twitter.com/gabriel_zucman/status/1401193407742189572 ) Zucman destacou o seguinte que aqui apresentamos adaptando livremente.
O acordo é composto por duas componentes:
1 – Definição de uma Taxa Mínima de IRC Mundial de 15% (a parte mais importante do acordo);
2 – A mudança na forma como os lucros das multinacionais são alocados entre os países, levando a que muitas empresas passem a ver os seus lucros imputados aos locais onde se realizam as suas vendas de bens e serviços e não ao local onde colocaram a sede.
Quanto à primeira componente, Zucman dá como exemplo uma empresa Alemã que coloque na contabilidade de uma empresa do grupo sedeada na Irlanda que veja os seus impostos aí tributados à taxa efetiva de 5% (sublinha-se aqui que se trata da taxa efetiva e não da taxa de referência que muitas vezes, por uma multiplicidade de benefícios fiscais e subsídios nunca é realmente aplicada).
Com esta taxa mínima efetiva de IRC de 15%, o Estado alemão poderá tributar os lucros reportados na Irlanda com uma taxa de 10%, ou seja, equivalente à diferença entre a taxa efetiva cobrada pelo Estado Irlandês (5%) e a taxa mínima efetiva de IRC definida a nível global de 15%.
Esta prática eliminará boa parte – se não todos – os incentivos para a constituição de paraísos fiscais.
Recorde-se que a taxa de IRC na Irlanda (referimo-nos à taxa de referência e não à efetiva) praticada pelo Estado Irlandês é de 12,5%. A Irlanda é um dos países que mais tem resistido a que a taxa de IRC mínima efetiva se fixe acima dos agora definidos 15%.
Certamente fá-lo consciente de que a vantagem fiscal em que tem assentado uma parte da sua capacidade de atração de empresas multinacionais está sob ameaça, pois a referida vantagem será menos significativa. E quem fala da Irlanda pode falar de outros paraísos fiscais que praticam taxas ainda mais baixas e que, assim, deixarão de ter um “modelo de negócio fiscal”.
Poderão continuar a cobrar 0% de IRS ou algo parecido, contudo, se as empresas aí sediadas tiverem, de facto, os seus negócios noutros espaços e a sede for apenas fachada, os lucros “voltarão” a ser tributado em até 15% de IRC.
Quanto à segunda componente do acordo, que Zucman refere corresponder, em linguagem técnica a “formulary apportionment based on sales“. O que está em causa é a afetação dos lucros, não à sede formal das empresas (tipicamente escolhida a dedo para minimizar os impostos a pagar), mas antes ao espaço económico em que a relação económica entre cliente e fornecedor se realiza e que terá gerado os proveitos a tributar.
Segundo Zucman não estamos perante algo novo ao mundo da política fiscal. Os países já afetuam esta afetação à escala intranacional. Dá o exemplo da Califórnia que apura qual a fração do negócio que corresponde ao seu território para tributar as empresas locais.
A diferença está em alargar estas contas à escala internacional algo que, segundo Zucman, os especialista da engenharia da otimização fiscal terão dificuldade em contornar ou manipular dado que o cliente final – chave para definir a que espaço económico deve ser afeta cada operação – não estará sedeado em paraísos fiscais (exceto os efetivos residentes das Bermudas e afins, naturalmente).
Gabriel Zucman tem um livro, em conjunto com E Saez onde aborda este tema: “Triumph of Injustice”.
Um livro que cremos ainda não estar traduzido em Português, mas que poderá adquirir, para já, numa grande multinacional habituada a não pagar impostos.
Sobre o livro eis uma entrevista de Zucman datada de 2020 aqui.
Este tema da taxa mínima de IRC mundial e afins está para além da mera fiscalidade e é certamente um tema a acompanhar com especial atenção nos próximos meses e anos.