Já aqui demos destaque aos dados globais e às grandes tendências já apuradas tendo por base os Censos 2021 – Dados Preliminares por Concelho e Freguesia. Hoje mergulhamos um pouco mais nos dados para destacar uma realidade por vezes pouco sublinhada por ficar soterrada no alarme associado à perda demográfica e à desertificação do interior. A verdade é que os dadso são claros, os Censos 2021 revelam um interior com menos residentes mas com mais edifícios e alojamentos.
Interior com menos residentes mas com mais edifícios e alojamentos
É inequivoco que o interior continuou a perder população residente a um ritmo elevado na última década. São raros os casos de concelhos do interior que conseguiram reter ou aumentar a população e predominam quedas desproporcionadamente supeirores à redução registada na média nacional (que, recorde-se, foi de 2,0% no total do território nacional, 1,9% no continente).
O gráfico em baixo, onde predominam os tons de azul e de azul profundo no interior, são a prova visual desta realidade quanto à população residente, ou seja, quanto à população que passa mais de meio ano num dado local.
Contudo, o INE recolheu outros dados que levantam outras questões. Ao nível do número de agregados familiares, sabemos que estes aumentaram 2,7% no total do país (2,6% no continente). O que nos leva a uma diminuição da dimensão média do agregado. A redução do número de filhos bem como o envelhecimento da população com a multiplicação de pessoas a viver sós e, talvez, um maior número de jovens adultos a viver sozinhos, são potenciais justificações que, com o tempo, a difusão e análise de mais dados do INE ajudarão a esclarecer.
Mas poderá haver outros fatores? A verdade é que se juntarmos à análise a evolução do número de edifícios e de alojamentos (estes últimos na imagem que se segue), há tendências de crescimento significativo em concelhos com perdas claras da população. O que está a acontecer aqui? Multiplicação de viúvos que constroem casa nova?
Construção de novos edifícios e alojamentos para população não residente? Será um reforço do investimentos dos emigrantes e dos migrantes internos nas suas antigas freguesias de origem? Poderá o regresso de alguns destes não ser suficiente para compensar inteiramente a perda populacional mas ser suficiente para alterar significativamente as estatísticas do edificado? Construção para exploração mista com os fins turísticos a conviverem com a habitação?
Veja-se o exemplo de um dos concelhos mais interiores do país, raiano, com décadas de perda populacional acentuado: Penamacor.
Entre 2011 e 2021, Penamacor perdeu 16,2% da população. Perdeu também, 11,7% dos agregados familiares. Contudo, teve um aumento de 4,7% nos edifícios e de 4,0% nos alojamentos. Há uma história para descobrir aqui.
Não será possível ir muito além das conjeturas tendo por base apenas estes dados preliminares mas há várias hipóteses a testar e muita curiosidade. O que é certo é que, apesar da população residente declarada estar em queda expressiva, há investimento em vários concelhos do interior ao nível do edificado para habitação.
Os anos mais recentes de pandemia trouxeram-se uma maior “infidelidade” à residência permanente e uma maior mobilidade no espaço, utilizando-se casas de férias ou de família para, durante períodos fora das férias habituais, se trabalhar à distância. Algo que estando ao dispor de uma minoria poderá não ser irrelevante na análise destes dados.
População Residente pode induzir decisões políticas e distribuição de recursos pelo território em erro?
Enfim, há aqui algo mais a compreender além de constatar a perda populacional. Talvez faça sentido acrescentar um outro conceito populacional às análises do INE, medindo a duração presença efetiva no espaço ao longo de um ano.
Quanto mais pessoas existirem a repartir a sua vida por mais do que uma residência mais sentido fará afinar essa análise e mais falíveis serao os dados centratos exclusivamente na residência “permanente”. Estas respostas são críticas para definir de forma mais correta as políticas públicas, sejam de saúde, de mobilidade, de segurança, o financiamento autárquico para dotar o Estado de meios suficiente à população presente a cada momento e não apenas à população residente, por exemplo.
Muitos desafios, muito interessantes para estudar e ajudar a decidir bem.