Portugal tem assistido nos anos mais recentes a um aumento significativo do rendimento das famílias, seja pela redução da fiscalidade, seja pela reposição de prestações sociais, seja pelo aumento do emprego, seja pela recuperação da atividade económica com as naturais consequências ao nível dos rendimentos de capital, seja ainda pela reposição de rendimentos no setor público.
O rendimento nos próximos anos
A menos que se desenvolve rapidamente uma crise que ninguém espera no imediato, o rendimento nos próximos anos deverá continuar a aumentar para uma fatia importante da população portuguesa. O Orçamento do Estado para 2018 anuncia que se subirá (em 2018 e em 2019) mais um degrau no sentido de reduzir-se a carga fiscal em sede de IRS para a esmagadora maioria dos residentes e anuncia também um calendário para começar a repor a normalidade na evolução de carreiras no Estado e de remuneração de trabalho extra, entre outros. o salários mínimo também será revisto em alta ainda que a ritmo real inferior ao dos últimos dois anos (2016, 2017)
Em suma, por via orçamental, progressivamente e pelo menos enquanto as condições económicas continuem positivas, os próximos anos deverão continuar a ser benignos em termos de distribuição do rendimento pelas famílias. Este é aliás um movimento simétrico ao que sucedeu com a crise, durante o qual a distribuição do rendimento se desequilibrou significativamente em favor de quem ter rendimentos de capital em prejuízo de quem tem rendimentos do trabalho.
O que se escreve de seguida aplica-se, no entanto, a qualquer conjuntura económica e deverá continuar a ser válido daqui a muitos anos.
O que fazer quando sobra algum dinheiro no fim do mês?
Admitindo que mais rendimento colocará mais pessoas fora do circulo vicioso de chapa-ganha chapa-gasta, estritamente condicionados pelas despesas necessárias a assegurar uma subsistência minimamente condigna, torna-se relevante considerar alguns capítulos adicionais da boa gestão das finanças pessoais que muitos até aqui puderam – provavelmente contra vontade – desprezar, como seja o “capítulo” dos investimentos e da poupança.
Sejamos muito concisos, do ponto de vista de uma família inteiramente, ou quase inteiramente, dependente de rendimentos do trabalho e/ou pensões, deve-se ser especialmente ponderado na tomada de decisões que impliquem compromissos avultados e/ou duradouros. Um dos mais relevantes será um contrato de crédito.
E a verdade é que quando sobra algum dinheiro no fim do mês, maior a probabilidade de se conseguir um acesso mais fácil a crédito, por vezes a grandes volumes de crédito – quando comparado com o rendimento total de uma família.
Finanças pessoais: Crédito como ameaça
Um contrato de crédito seja pelo esforço orçamental que implique, seja pela sua duração ao longo do tempo poderá ser um fator desequilibrador das finanças pessoais de difícil solução. Se for de longo prazo, o mais certo é que enquanto o crédito estiver “vivo” a economia venha a conhecer uma fase bem menos benigna do que aquela em que, eventualmente, o crédito tenha sido contratado.
Ou seja, será provável que tenhamos que viver com a necessidade de pagar o capital e os juros em simultâneo com o aumento do risco de desemprego ou com o aumento do risco de que o rendimento (seja ele do trabalho ou mesmo das pensões) venha a ser erodido. Note-se que mesmo mantendo-se o emprego, poderá haver prémios de desempenho que desaparecem, redução de apoios em espécie que as entidades patronais poderiam estar prestar ou mesmo reduções de salários (com cortes nominais como vimos na crise iniciada em 2007/2008 ou por via da inflação como sucedeu no passado).
Por tudo isto e porque uma crise futura é inevitável, assumir um compromisso de crédito deve ser um caso de estudo e muito bem ponderado, evitando-se a todo o custo decisões de impulso e mal enquadradas com uma análise ao deve e haver da família.
A facilidade com que é oferecido crédito tão típica dos anos anteriores à crise de 2007/2008 não desapareceu, aliás parece estar aí de novo com grande vigor. E a facilidade com que um consumidor coleciona cartões de crédito de lojas, bancos e afins é igualmente real e preocupante.
Para que precisa do crédito?
Automóvel
Não sejamos fundamentalistas, tal como para uma empresa, o crédito pode ser importante para garantir mais opções e um melhor futuro para a família. Tudo depende do critério usado para tomar a decisão de recorrer ou não ao crédito e do fim a que ele se destina.
Uma família que tenha um automóvel antigo que gere frequentemente despesas de manutenção e que seja um instrumento de trabalho fundamental para essa família assegurar o rendimento, poderá e deverá ponderar o custo e o benefício de mudar de automóvel, podendo o crédito ser a única opção viável e até inteligente. Naturalmente as características e custo do veículo (desde os custos de preparação do crédito aos do crédito propriamente dito) deverão ser avaliadas. Poder pagar a pronto uma fração razoável do valor poderá fazer toda a diferença entre um negócio sustentável e um ruinoso, por exemplo.
Já recorrer ao crédito para comparar um carro novo que é essencialmente um instrumento de lazer e de status , inteiramente substituível por outras alternativas mais económicas (nos transportes diários, por exemplo) poderá só ser inteligente ou pelo menos inócuo para quem verdadeiramente não precise do crédito para o adquirir.
Habitação
Mesmo a compra de habitação que tipicamente é um investimento mais compatível e tipicamente razoável vir associado a um contrato de crédito, deverá ser muito bem ponderada. O valor do crédito, a taxa de esforço com que se fica, a capacidade de fazer frente à dívida quando se entrar numa crise, a capacidade de o imóvel (pela localização, características) resistir em termos de valor a um momento de crise, e a real necessidade das características do imóvel no ato da compra e no futuro próximo, devem ser sempre avaliados de forma rigorosa antes de se decidir. Nem sempre comprar a casa para toda a vida é a opção mais inteligente, por exemplo.
Durante uma crise, há pouca complacência para com quem não consegue cumprir com a sua dívida e não será prudente aguardar pela proteção social como solução garantida para os problemas (ainda que a ela se deva recorrer sem vergonha ou pudor, em caso de necessidade, e caso esteja disponível).
No final, minimizar o crédito como fardo financeiro, psicológico e mesmo como limitador de opções de vida, deve ser ponderado quando se prepara uma decisão com potenciais consequências ao longo de várias décadas.
Tal como no caso do automóvel – até mais do que nesse caso – conseguir pagar sem crédito uma parte importante do valor do imóvel que se queira comprar pode fazer uma enorme diferença na capacidade de enfrentar momentos mais turbulentos e, claro, na capacidade de libertar rendimentos ao longo da vida para outras coisas.
É também por isso que começar a poupar logo que possível, mesmo de pequenino, pode fazer todo a diferença quando se chegar a etapa de procurar casa própria (ou de montar um negócio próprio, se quisermos ir além do teto e tijolo).
Crédito ao Consumo
Tal como quando o automóvel é um instrumento de luxo, status, etc, referimos a regra de que só o deve comprar a crédito quem o pode pagar a pronto, o mesmo se sugere para o credito ao consumo. Com a agravante de, neste caso, o custo implícito por recorrer ao crédito dever ser muito mais elevado. Já no automóvel será bem mais alto que na habitação, mas no crédito ao consumo é habitual ser ainda superior. Para comparar, vejam-se por exemplo, os llimites máximos de juro por tipo de crédito que estavam em vigor no final de 2017, em Portugal.
No crédito ao consumo, o marketing agressivo e a exploração do impulso do consumidor aliam-se a taxas de juro muito elevadas, desenhadas para obter ganhos relevantes e também para cobrir uma falange razoável de clientes que acabarão por entrar em falência. A análise risco de clientes no crédito ao consumo é medíocre e isso paga-se, afinal, é preciso que muitos paguem mais para que não se perca o lucro mesmo que alguns fiquem com a corda na garganta.
Comprar bens de consumo a crédito é tipicamente uma decisão cara, estúpida e potencialmente muito danosa.
O crédito ao consumo nunca deverá ser encarado como uma alternativa à falta de rendimento (gerará espirais de crédito que deixaram rapidamente o consumidor pior do que estava no início).
Por outro lado, o crédito poderá estar a servir para antecipar uma compra, de facto, no entanto, não serão precisas muitas compras ou meses de juros e comissão de contratos de crédito para que, na prática, o ter comprado a crédito esteja a adiar outras decisões de compra.
E é aqui que entra a maravilha da poupança. Mesmo que coloque o dinheiro no colchão sem obter qualquer juro (até porque escasseiam os produtos de baixo risco como os depósitos a prazo e certificados de tesouro que remuneram acima da inflação), a sua poupança estará sempre a dar um juro tão alto quanto o que iria pagar no dia em que quisesse comprar um bem de consumo e tivesse de o pagar a crédito. Esse juro que não terá de pagar por comprar a pronto (porque poupou) é dinheiro que sobra para comprar outra coisa.
O que é que isso representará em termos de capacidade de consumir ou de investir ao longo de uma vida por comparação face a quem não resiste a aproveitar todas as “ofertas” de crédito que lhe chegam à mão?
As finanças pessoais não são as da empresa mas há pontos comuns:
As empresas terão que considerar outros critérios de decisão quando comparadas com as famílias, tal como o próprio Estado, mas um princípio geral mantém-se: o crédito encarece tudo o que se comprar e faz-nos ficar a pagar durante um período mais ou menos extenso, reduzindo-nos a capacidade de enfrentar crises. A menos que…
A menos que, do produto da compra, se consiga gerar mais dinheiro (e em tempo útil de ajudar a pagar o serviço da dívida) do que aquele que se está a pagar de capital e juros.
E a felicidade?
Note-se que ser mais feliz e bem disposto pode ser importante para conseguir um objetivo que lhe ofereça maior retorno, mas use este argumento com ponderação quando o quiser considerar para justificar a compra de um “brinquedo novo” recorrendo ao cartão de crédito.
Tente garantir que pode vir a ter momentos felizes mais vezes, algo que raramente casa bem com recorrer ao crédito bastas vezes.
Em conclusão:
Não há uma lei universal que determine que todo o crédito ao consumo é estúpido ou que todo o crédito à habitação é razoável. Use do seu discernimento, da experiência passada (as coisas não acontecem só aos outros) ou peça conselhos a quem não lhe esteja a vender nada (quem lhe quer “oferecer” crédito não é seu bom conselheiro), quem já tem experiência e gosta de si.
Por regra, o crédito deve ser considerado como um último recurso, geralmente caro que lhe permite, num primeiro momento, antecipar consumo e, num segundo momento, o obrigará a adiar outros consumos a menos que, fruto do que comprou e do uso que lhe deu, obtenha maior rendimento.
Bons negócios e boa poupança!
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