A primeira alteração à Lei Quadro das Entidades Reguladoras (lei 67/2013) veio introduzir alterações muito significativas naquilo que é o vencimento máximo que pode ser auferido por um membro do conselho de administração de uma entidade reguladora que venha a assumir funções a partir de 2 de maio de 2017.
Segundo a Lei n.º 12/2017 que introduz a “Primeira alteração à lei-quadro das entidades reguladoras e à Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, que a aprova”, o artigo que define o estatuto e remuneração dos membros dos conselho de administração, “o vencimento mensal não pode ultrapassar em 30 % o último nível remuneratório da tabela remuneratória única prevista na Portaria n.º 1553-C/2008, de 31 de dezembro”. Consultando a Tabela Remuneratória Única da Função Pública (TRU) ainda em vigor, constata-se que o último nível é de €6350,68 o que nos leva para um vencimento de base máximo mensal de €8255,9.
Administradores dos reguladores com vencimento máximo de €11.086
A este valor mensal de base pode ainda adicionar-se mais 40% associados a despesas da representação, pagas durante 12 meses, o que colocará o vencimento mensal (12 meses) nos €11.558,2. Considerando 14 e não 12 meses, temos então um vencimento máximo antes de impostos e contribuições de €11.086,47.
Outra alteração importante e ainda com impacto financeiro nas remunerações dos membros do conselho de administração é a clarificação agora expressa na lei de que “A utilização de cartões de crédito e outros instrumentos de pagamento, viaturas, comunicações, prémios, suplementos e gozo de benefícios sociais pelos membros do conselho de administração obedece ao disposto no Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, e constitui remuneração, para efeitos fiscais.“
O universo da matéria coletável correlacionada com a remuneração da função é agora inequivocamente alargado e terá consequências na taxa de IRS devida na respetiva coleta.
Fiscalidade mais condigna mas consequências incertas na gestão de recursos humanos
Na prática esta alteração legal veio dignificar o estatuto dos membros dos conselhos de administração das entidades reguladoras, evitando a tentação da arbitragem fiscal mas pode também ter criado um problema real, pelo menos em alguns reguladores sectoriais, quer de captação de quadros de excelência, quer mesmo de gestão interna de recursos humanos.
Em algumas entidades reguladoras, o vencimento máximo do conselho de administração pode ter um corte de quase 50% e pode ficar colado ou mesmo ser inferior à remuneração paga a algumas das chefias intermédias e quadros técnicos altamente especializados pertencentes ao quadro de pessoal.
Se admitirmos que este corte possa vir a ter no futuro um efeito que se venha a refletir da mesma forma nas respetivas tabelas remuneratórias, a captação de quadros pode vir a tornar-se um sério problema que poderá colocar em causa a capacidade dos supervisores em lidarem com ferramentas e inteligência minimamente comparável à disponível nas instituições que é suposto regularem e supervisionarem.
Se a alteração, no essencial, contribuir para diminuir o leque salarial interno sem efeitos diretos no quadro de pessoal, a probabilidade de consequências negativas será menor ainda assim potencialmente importante se impedir a contratação de gestores experientes e competentes.
Salário alto face à média mas perigosamente desinteressante a nível funcional
Será particularmente importante ao poder político manter-se atento – e escrutinar ativa e regularmente – o atrito do quadro de pessoal nos reguladores/supervisores bem como a facilidade/dificuldade em captar membros qualificados para a gestão.
O parlamento deve acompanhar, quer de ondem vêm os novos recrutas (há um mix de experiência e juventude ou só conseguem captar jovens recém-licenciados?), quer de quem sai e para onde saem os quadros que migram para o setor privado. Não sendo a única variável crítica, a verdade é que é natural esperar que o nível remuneratório seja relevante como dissuasor de fenómenos de revolving door – especialmente gravosos entre reguladores/supervisores – e da capacidade de manter na esfera pública memória e experiência críticos para uma relação saudável e de tensão eficaz com os regulados.
Note-se que em alguns dos reguladores que lidam com setores onde há maior competição pelos quadros especializados, mesmo durante o pico da crise recente, em virtude do decorrer de um período extenso de congelamento salarial, se registaram taxas de atrito (percentagem de quadros a sair face ao quadro pessoal) muito expressivas, resultando na perda de quadros mais experientes para a respetiva indústria/setor, para reguladores estrangeiros, ou mesmo para outros reguladores nacionais que podiam competir pelos recursos no ato da contratação (melhorando as condições remuneratórias) ainda que estivessem impedidos de patrocinar promoções ou progressões junto dos seus próprios quadros (realidade que ainda se mantém, no essencial).
A mobilidade não é em si um mal nefasto, contudo, conhecer as suas justificações e perceber o ganho/benefício em termos de capacidade para os reguladores é algo particularmente importante.
Sugestões de melhoria
Uma melhor avaliação de objetivos para a gestão e respetiva avaliação poderiam e deveriam fundamentar os vencimentos pagos, juntamente com a realidade salarial de cada setor para cada situação funcional.
Salários baixos (para funções executivas) dos membros do governo e da administração central não servem, historicamente, de referencial para os reguladores que têm carreiras próprias (financiadas com fundos provenientes de taxas diretamente cobradas aos supervisionados) contudo, a tendência presente nesta alteração legislativa, bem como na dialética havida em 2013 aquando da versão inicial da Lei Quadro das Entidades Reguladoras, tem sido a de reforçar esse paralelo numa lógica de nivelamento por baixo que agora se consagra com alterações remuneratórias que implicarão cortes nas remunerações dos membros dos conselhos de administração que atingirão até 45% ou mais de 40% na maioria dos reguladores abrangidos.
Talvez fosse também oportuno questionar que qualidade se pode exigir e quem se quer captar em termos de pessoal político e de direção de topo na administração e do governo (com manifestas responsabilidades e poder) quando os respetivos vencimentos comparam muito mal com os de quadros de direção de médias empresas.
Sendo a questão salarial algo singular em Portugal (leque salarial excessivo, concentração crescente da mediana da população empregada ao salário mínimo, pressão externa para ganhar competitividade por via de salários baixos, etc) a verdade é que há opções e relações causais que têm sido vítimas de voluntarismo, populismo e “soluções” universais, com pouca reflexão e estudo concreto e comprovável.
Não é claro que o parlamento tenha tido informação específica por setor sobre o estado da arte dos recursos humanos nos reguladores, ainda que muitos deles tenham sido ouvidos. Uma análise sistemática, temporal, com a demografia dos respetivos quadros de pessoal não foi revelada publicamente, por exemplo. Nem parece ser uma preocupação permanente de acompanhamento do braço regulatório dos Estado português.
A opção parece ter sido claramente de definir uma medida única e universal que, contudo, não se aplicará a todos os reguladores.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social e o Banco de Portugal (um dos três reguladores supervisores financeiros do país) não serão sujeitos a esta limitação agora publicada em Diário da República.
Este texto é assinado por Rui Cerdeira Branco que o escreve a título pessoal. O autor é quadro (economista) da CMVM, já foi quadro do INE durante cerca de 10 anos e também já trabalhou no setor privado.