Com a celebração do dia Internacional da Erradicação da Pobreza a 17 de outubro, o INE apresentou os dados definitivos relativos ao Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (EU-SILC) realizado em 2014, sobre rendimentos de 2013, um inquérito que permite aprofundar o nosso conhecimento sobre o Rendimento e Condições de Vida em Portugal. Na presente edição, os habituais indicadores foram alargados para incluir mais perguntas relativas à saúde e as condições de acesso ao cuidados de saúde e, de um modo geral, os resultados revelam uma situação preocupante. desde logo, o ano de 2013 foi, de longe, o pior ano desde, pelo menos, 2009, em muitos dos indicadores apresentados podendo ser rotulado de ano negro na taxa de risco de pobreza em Portugal.
De facto, entre 2009 e 2013 nunca a taxa de risco de pobreza tinha sido tão elevada, quer considerando um valor que foi apenas atualizado da evolução dos preços desde 2009 (linha ou limiar de pobreza monetária), quer atualizando anualmente essa mesma linha de pobreza incorporando,além da evolução dos preços, a evolução da distribuição de rendimentos da população no período. No primeiro caso estamos perante uma linha de pobreza ancorada no tempo e descobrimos que em cada 100 pessoas há 25,9 que estão em risco de pobreza – o valor mais elevado desde 2009 (em 2009 este mesmo indicador sinalizava 17,9 pessoas em 100). No segundo caso estamos perante uma linha de pobreza a preços correntes, revelando o inquérito novo recorde negativo, com a taxa a aumentar dos 17,9 em 2009 ou dos 18,7 em 2012 para os 19,5 em 2013.
Note-se que, como se disse acima, a linha de pobreza ancorada no tempo é atualizada pela inflação, pelo que foram considerados os seguintes valores para rendimentos anuais segundo os termos da definição da linha de pobreza acordada ao nível da União Europeia:
€ | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 |
Linha de pobreza a preços de 2009 | 5207 | 5280 | 5473 | 5624 | 5639 |
Tal como em anos anteriores, as crianças e as mulheres registaram taxas de risco de pobreza claramente acima das apuradas para a média da população, estando a população com 65 e mais anos entre a que se afasta mais, pela positiva, dos valores médios, um fenómeno compatível com uma tendência de redução muito significativa da taxa de pobreza entre os mais idosos, um grupo que, em 2009, tinha a mais elevada taxa de risco de pobreza de todos os grupos etários. Ainda assim 2013 foi um ano de aumento da taxa de risco de pobreza para todos os grupos etários.
Um outro indicador muito relevante que atesta em favor da tese de que 2013 foi um ano negro em termos de pobreza em Portugal é o que mede a intensidade da pobreza e que, para 2013, atingiu o seu valor mais elevado desde 2003, prolongando o rápido ritmo de agravamento já registado em 2012. Segundo o INE “a taxa de intensidade da pobreza, que mede em termos percentuais a insuficiência de recursos da população em risco de pobreza [corresponde ao quociente entre a diferença do limiar de pobreza e o rendimento mediano dos indivíduos em risco de pobreza relativamente ao limiar de pobreza, em percentagem], foi de 30,3% em 2013, registando-se um agravamento de 2,9 p.p. face ao défice de recursos registado em 2012 (27,4%).“
O ano de 2013, apesar de ter sido, muito provavelmente um ano em que se registou um corte real em vários apoios sociais, foi, ainda assim, um ano em que as transferências sociais aumentaram de impacto na sua capacidade de mitigar a pobreza, muito por conta do aumento da população que, antes de qualquer apoio social estariam numa situação de pobrez: 47,8%, quase metade da população nacional e o valor mais elevado desde, pelo menos 2003. Eis um excerto da publicação do INE sobre este tema:
“Considerando apenas os rendimentos do trabalho, de capital e transferências privadas, 47,8% da população residente em Portugal estaria em risco de pobreza em 2013. Os rendimentos provenientes de pensões de reforma e sobrevivência contribuíram em 2013 para um decréscimo de 21,0 p.p. do risco de pobreza, resultando assim numa taxa de risco de pobreza após pensões e antes de transferências sociais de 26,7%. Entre 2012 e 2013, aumentou o contributo das transferências sociais, relacionadas com a doença e incapacidade, família, desemprego e inclusão social face ao ano anterior (7,3 p.p. face a 6,8 p.p.).”
Por outro lado, as medidas de desigualdade, como o coeficiente de gini, os rácios que comparam os 10% da população com mais e menos rendimento, ou os 20% mais ricos e mais pobres, todas apontam para um aumento da desigualdade monetária em 2013 levando-a para valores recorde ou muito próximo disso.
Contudo, não é só a nível monetário que se revela o cenário negro do ano de 2013, também em indicadores mais relacionados com as condições de vida, com o acesso a valências mínimas de habitabilidade no lar ou a condições de riqueza acumulada para suprir necessidades, portanto, também ao nível dos indicadores de privação material, o ano de 2013 revelou um agravamento ou manutenção dos indicadores habitualmente recolhidos em níveis historicamente elevados.
O INE revela muitos outros indicadores provenientes do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento além deste indicador central que é manifestamente incapaz de nos informar de forma completa. Nesta edição merece particular destaque a beaeria de dados sobre saúde que são pela primeira vez divulgados e, em especial, os dados sobre limitações no desempenho das atividades habituais devido a problemas de saúde e sobre dificuldades de acesso a cuidados de saúde devido a dificuldades económicas.
Segundo o INE, o risco de pobreza em 2013 para as pessoas que referiram algum tipo de limitação foi de 21,5%, consequentemente superior ao da população em geral. Adicionalmente, as dificuldades financeiras revelaram-se a principal razão para a não satisfação dos cuidados de saúde.