No dia em que se efetua a votação final global do novo código do IRS, a Reforma do IRS 2015 e depois de vários avanços e recuos traduzido o último dos quais numa sucessão de 37 propostas de alteração à Reforma do IRS introduzidas pelos próprios partidos da maioria que sustenta o governo, subsiste uma diferença fundamental que está a separar PSD e CDS do PS (que por sua vez também apresentou vários propostas de alteração). Essa diferença fundamental reside no facto de a maioria querer introduzir um coeficiente familiar sensível ao número de crianças e ascendentes e de o PS querer fazê-lo introduzindo uma dedução fixa por dependente que seria igual para todos os agregados familiares independentemente do rendimento coletável.
Esta diferença traduz duas filosofias distintas de encarar o imposto e a progressividade/regressividade fiscal.
Na primeira versão da reforma do IRS o PSD introduzia este coeficiente (em que cada dependente e ascendente valia 0,3 enquanto que os sujeitos passivos de IRS valiam 1 cada um) e eliminava os limites cumulativos que acresciam aos limites individuais das deduções à coleta sobreviventes. Nessa versão, uma família de rendimentos mais elevados teria um desconto sobre o rendimento relevante para apurar o imposto a pagar sempre proporcional ao número de filhos, sem qualquer limitação. O dependente contava sempre para o divisor, fosse o rendimento do agregados de €10.000 ou de €10 milhoes. O único travão a esta alteração com efeito potencialmente infinito era que a dedução à coleta por via da mudança do coeficiente familiar alargado a dependentes e ascendente não podia superar os €2000. Na prática o efeito da introdução do coeficiente era proporcional ao rendimento e diluia a estrutura progressiva do IRS que pressupõe que haja uma contribuição proporcionalmente maior para a coleta do imposto por parte de quem mais recebe.
No pacote de 37 propostas de alteração, a maioria introduziu de novo as deduções à coleta referentes a despesas com educação, habitação, seguros de saúde e PPR (as de saúde não haviam sido eliminadas), manteve a dedução para despesas gerais (ainda que com valor inferior ao da proposta inicial), reintroduziu os limites cumulativos de dedução à coleta que , em conjunto com os limites de cada dedução específica, limitam a dedução máxima mas manteve também o coeficiente familiar. Em termos globais todos pagarão menos IRS mas os euros a mais no final do ano não respeitam a estrutura progressiva vigente, na realidade, premeiam mais quem tem maiores famílias e maiores rendimentos. Uma das justificações avançadas para este consciente favorecimento a famílias com mais filhos é contribuir para o incentivo à natalidade, contudo, esse incentivo esbarra na indexação ao rendimento o que parece converter a medida num incentivo à natalidade das famílias de maior rendimento.
Qual era a alternativa do PS e porque é que consideram que era superior? A perspetiva do PS é de que há efeito de diluição de progressividade (ou, se preferirem, reforço da regressividade) por via do número de filhos entrarem proporcionalmente em qualquer apuramento de imposto. Este efeito beneficia mais as famílias com mais filhos que /segundo dados do INE), entre as que pagam IRS são essencialmente famílias mais ricas, desviando o esforço de pagamento do IRS face ao imposto total apurado mais para as famílias de menores rendimentos e com menos filhos. Por outro lado, quem fica de fora do IRS por manifesta incapacidade de produzir o rendimento mínimo tributável fica de fora desta redistribuição de rendimento/redução de esforço fiscal, não se sabendo de qualquer reforço do apoio social nas prestações existentes direcionadas para essas famílias que têm vindo a ter, por exemplo, enormes dificuldades em encontrar emprego.
Mas qual é a proposta alternativa do PS? Em sede de IRS, o PS defende que seria mais progressivo e fiscalmente justo que todas as famílias recebessem a mesma dedução fiscal por cada dependente, independentemente do nível de rendimentos do agregado. Se cada família tivesse uma dedução de €500 por dependente, o efeito sobre a taxa de imposto respeitaria a estrutura de escalões existente, tendo um impacto significativo nas famílias de menor rendimento e diminuindo consideravelmente para as mais abastadas. Qualquer efeito pró-natalista seria assim sensível a uma perpestiva de custo/por filho e não de rendimento do agregado/por filho. Segundo o PS, dizer que todas as crianças merecem o mesmo desconto não é o mesmo que dizer que cada criança vale uma fração do rendimento que o seu agregado familiar consegue produzir.
A perspetiva do governo e do maior partido da oposição revelam diferença ideológicas claras e são, nesse campo, defensáveis com os argumentos que aqui tentámos expor e outros que os tenham escapado. Na prática parece evidente que o PS tem razão quanto à menor progressividade no impostos introduzida pela reforma inicial e também pela versão que deverá vingar (é uma evidência matemática e não ideológica), contudo, o efeito global dessa menor progressividade poderá não ser muito relevante atendendo aos travões ao impacto global que foram estabelecidos. Seriam contas que teríamos interesse em analisar para validar ou não esta suspeição. para já, contudo, apesar destas sucessivas alterações o impacto fiscal anunciado pelo governo continua imutável: devolução de mais €150 milhões de imposto face a 2014 nõa havendo qualquer indicação detalhada de como tal devolução se processará por escalão de rendimento/composição familiar.
A discussão sobre se esses milhões de euros a mais redistribuídos de forma menos progressiva do que a instituída nos escalões do IRS não poderiam ser melhor aplicados em outros grupos de cidadãos mais carenciados da nossa comunidade prosseguirá viva e alimentará diferentes perspetivas de gestão de recursos e visão de sociedade. Provavelmente determinará até o voto de alguns concidadãos. Para já, deixámos aqui o nosso contributo para melhor se perceber as perspetivas que estão em causa e, claro, a caixa de comentários aberta para prosseguir a discussão se assim por o entendimento dos nossos leitores.