Qual o conceito de carga fiscal? A carga fiscal é uma medida do esforço ou preço que uma sociedade paga por beneficiar dos serviços prestados pelo seu Estado. Tecnicamente a carga fiscal é o rácio simples entre o total de impostos e contribuições obrigatórias (por exemplo para a segurança social) e o produto interno bruto gerado numa economia num mesmo período (habitualmente um ano). Matematicamente podemos calcular o rácio e compará-lo num mesmo país ao longo da história, podemos calculá-lo para diversos países num mesmo ano ou podemos juntar as duas análises comparando a evolução da carga fiscal ao longo do tempo em vários países ou espaços económicos.
Os impostos e as contribuições para a segurança social são utilizados pelo Estado para produzir bens e serviços que são depois colocados à disposição da população seguindo as orientações constitucionais mas também, mais detalhadamente, as opções políticas dos governos nacionais, regionais e municipais democraticamente eleitos de forma regular. Em Portugal, neste momento, o pagamento da dívida e dos seus juros revela-se um dos maiores “ministérios” em termos de percentagem de receita fiscal que absorve, mas os impostos e contribuições suportam também as pensões, diversos subsídios como o de desemprego, o serviço nacional de saúde, a escola pública e parte da do terceiro sector, a justiça, os serviços de defesa e segurança, entre outras atividades. Ora como nem todos os Estados prestam o mesmo nível de serviços, nem o fazem com igual grau de eficácia não é correto comparar exclusivamente os níveis de carga fiscal sem usar informação complementar.
Por exemplo, na Finlândia, mesmo depois do enorme aumento de impostos em Portugal, provavelmente o cidadão comum, o consumidor e a empresa pagarão uma percentagem maior da sua riqueza para sustentar o Estado do que sucede em Portugal. Quer isso dizer que em Portugal estamos melhor por pagar menos impostos? Não necessariamente. Tudo dependerá do que o contribuinte finlandês e o contribuinte português recebem por cada euro de impostos que pagam.
Se o excesso de impostos pagos na Finlândia conseguir gerar serviços públicos como transportes públicos gratuitos para o utilizador, creches gratuitas com cobertura universal, cuidados de saúde mais completos que incluem a saúde dentária, taxas de pobreza claramente inferiores às registadas noutros países, um sistema judicial muito mais eficiente do que o de outros países, etc, de modo a que uma parte daquilo que seria a margem de lucro necessário num regime de fornecimento privado seja “devolvida” aos contribuintes de tal forma que no final paguem menos do que pagariam caso o Estado cobrasse menos impostos mas uma parte destes serviços tivesse de ser adquirida a empresas privadas, os finlandeses podem revelar-se muito mais contentes com a sua comparativamente elevada carga fiscal do que um português poderia esperar. Poderão ter mais impostos a pagar, mais bem estar social e até mais rendimento disponível. No fundo pode-se invocar que estamos perante opções e convicções ideológicas, diferentes modelos de sociedade, mas também perante a necessidade de garantir que se está a comparar o que é comparável quando se querem avaliar diferentes regimes fiscais ou evoluções orçamentais.
A pergunta fundamental em ambos os casos, repetimos, é a mesma que se coloca em várias decisões durante a nossa vida: qual é o custo e qual é o benefício das várias alternativas? Olhar apenas para as etiquetas com o preço sem comparar o que se está a comprar não é muito inteligente.
Nos últimos três anos Portugal terá tido um dos mais rápidos aumentos de impostos e certamente de carga fiscal da sua história. Dados provisórios estimam que a carga fiscal em percentagem do PIB possa ter subido entre 4 a 8 pontos percentuais entre 2010 e 2013. O choque foi evidente e terá sido diferenciado se considerarmos a incidências sobre os trabalhadores, sobre o consumo ou sobre os rendimentos de capital. Não há ainda, contudo, dados finais de 2013 para a Europa – já há para Portugal aqui no Economia e Finanças e apontam para que um aumento de 8,1% face a 2012 fixando-se nos 34,9% do PIB (era de 32,4%) -, no entanto, imaginamos que, para surpresa de alguns leitores, apesar deste enorme aumento de impostos em tão curto espaço de tempo, a carga fiscal em Portugal provavelmente estará, mesmo agora, em 2014, muito abaixo da média da Zona Euro.
Se considerássemos que olhar para este indicador era suficiente, poderíamos levianamente afirmar que Portugal tem grande margem para aumentar impostos, afinal há muitos países dentro da mesma união monetária com taxa mais elevadas como vimos… Este pensamento que parecerá absurdo aos olhos de muitos revela quão limitada é a capacidade de um só indicador poder justificar uma política ou condicionar a ação política de todo um governo. E não é tão raro quanto deveria ser surgirem no espaço mediático por parte de governantes ou pretendentes a governantes afirmações que condicionam ações de política executiva ou prometida, precisamente à evolução de um só indicador como este.
Em Portugal, o enorme aumento de impostos recente foi acompanhado por uma degradação da qualidade de alguns serviços prestados pelo Estado dado que houve uma opção política de tentar contrair o mais rapidamente possível o ritmo de endividamento, estrangulando assim os serviços e funções do Estado para tentar libertar recursos que permitissem pagar juros e dívida acordada e estancar o surgimento de nova dívida. Não cabe neste artigo discutir a bondade dessa política nem os seus efeitos opostos ao desejados, destaca-se apenas que o aumento de impostos e da carga fiscal foram contra natura à lógica que habitualmente os justificam: menos serviços e serviços mais caros colocaram certamente mais dúvidas do que certezas quanto à convicção de pagar impostos em Portugal. Contudo, como já referimos, essa evidência da história dos nossos últimos anos de convivência em Portugal não nos deve toldar a visão do essencial sobre como encarar a carga fiscal em termos comparativos. A sua subida ou descida não são um mal e um bem imutável face às circunstâncias, muito pelo contrário. Qualificar de boa ou má uma subida ou descida da carga fiscal dependerá sempre da qualidade do “porco e enchidos” que cada um dos cenários nos oferece. E no caso da carga fiscal depende também da dinâmica de uma outra variável que entra no rácio: a evolução do PIB. Mais uma razão para usar de toda a prudência e honestidade intelectual quando se é tentado a valorizar exclusivamente um indicador para se afirmarem compromissos ou para se avaliarem promessas alheias.
Eis aqui os últimos dados sobre a carga fiscal a nível europeu (com dados nacionais) => Eurostat – Tax Burden
E o INE divulgou já dados relativos a 2013 que analisámos aqui: Carga fiscal portuguesa em 2013 abaixo da média europeia
Algumas curiosidade que se extraem destes dados relativas a Portugal:
- Entre 2002 e 2012 o contributo dos impostos sobre o trabalho no total de receita fiscal aumentou de 37,7% para 41,4%.
- No mesmo período os impostos sobre o capital perderam quota passando de 24,2% para 21,1%.
- Até 2012, Portugal tinha das taxas de impostos implícito sobre o trabalho mais baixas de Zona Euro. Só Malta tinha uma taxa mais baixa.
- A carga fiscal em Portugal, em 2012, era de 32,4% enquanto a média da Zona Euro era de 40,4%.
Nota técnica do Eurostat sobre a definição de taxa de imposto implícita sobre o trabalho (contem alguns detalhes sobre o conceito de carga fiscal):
“(…) The ITR on labour is the ratio between taxes and social contributions paid on earned income and the cost of labour. The numerator includes all direct and indirect taxes and social contributions levied on employed labour income, while the denominator amounts to the total compensation of employees working in the economic territory increased by taxes on the total wage bill and payroll taxes. It is calculated for employed labour only. (…)”
Nota: O artigo foi acrescentado com informação relativa 2013 e um gráfico.