Portugal, janeiro de 2012. A aquisição de automóveis caiu quase 50% face a janeiro de 2011, o consumo de energia registou a maior quebra mensal em pelo menos 20 anos, o número de bébes nascidos caiu quase 10%.
Os primeiros dois indicadores, se tomados pelo seu valor facial, sem ter em conta o que poderão representar e, em particular, o segundo (muito menos atividade económica e famílias sem condições para pagarem pelo aquecimento do lar), até podem surgir na boca de algum economista como excelentes notícias. Infelizmente pouco terão a ver com redução de desperdícios ou ganhos de eficiência, competitividade ou substituição de importações por produção nacional, tudo nobres desígnios que muito dificilmente conseguirão explicar tão abruptos movimentos estatísticos. Mas porque serão bons estes indicadores para alguns? Porque, afinal, os automóveis são importados e a energia, neste ano de seca e pouco vento, vai pelo mesmo caminho. Importações que são, quase consensualmente, um fluxo a reduzir para melhorar a saúde financeira da nação, a tal que, como um mantra que não iliba ninguém, se repete ter vivido acima das suas possibilidades.
O terceiro número, que dá conta de menos 10% de nascimentos, talvez também consiga encontrar um apologista audaz, afinal, menos crianças em contexto de quebra do rendimento das famílias, são menos pressão sobre o sistema público de educação, de saúde e, no limite, menos pressão, a prazo, sobre o mercado de trabalho. Pobre expetativa esta, mísero o valor desta gente… Acontece que a manter-se uma quebra abrupta desta grandeza no número de nascimentos, uma tal redução da população será pouco diferente de uma catástrofe natural de dimensões mais ou menos bíblicas e de consequência previsíveis mas que poucos têm tido coragem para dizer condignamente. Ter uma população crescente não é um valor a defender, ou não tem que ser, garantir que não haja movimentos abruptos no sentido da queda é, contudo, tão importante quanto prevenir e precaver qualquer outra catástrofe.
Estes audaciosos interpretadores, serão até capazes de encontrar oásis estatísticos no interior do país, terras a perder de vista com baixas taxas de desemprego, escondendo contudo que tais oásis numéricos se deve ao deserto humano: nos desertos não há fome, tal como num lar de idosos não há desempregados.
A Europa parece-se cada vez mais com uma galera na qual obedientemente, obesos e escanzelados seguem a mesma dieta, remando para um destino que não vislumbram do interior da galé, guiados por um líder inchado de certezas, com tamanha soberba a insuflar-lhe o papo que, cuidando de seguir o prumo pelas estrelas das sua virtude, é incapaz de ver os buracos no casco e os baixios vizinhos que garantirão o rombo fatal.
Há quem diga que o líder cuidou de manter um bote por perto, só para si, mas quem o viu garante não passar de um colete salva-vidas que troca o afogamento pela morte lenta nas águas geladas do mar do norte.
Entretanto, os mais frágeis vão sucumbindo ao compasso inexorável ditado pela austeridade coletiva.
Nós não somos gregos, estamos gregos: