Ainda não há muito tempo aqui se analisava a execução orçamental destacando o comportamento de alguns impostos para o aumento da receita fiscal: “Mais IVA, mais Imposto de Selo, mais Receita.” Concretamente, recordo o que então escrevi sobre o imposto de selo, meio a sério, meio a brincar:
“(…) Quanto ao Imposto de Selo podemos constatar que continua imbatível em termos de evolução, com taxas de crescimento homólogo a superarem os dois dígitos. Por este andar ainda hei-de ver o Imposto de Selo como a maior fonte de receitas do Estado.”
Hoje, no Jornal de Negócios apresenta-se uma reafirmação por parte das finanças que tudo o que mexe tem de ser declarado ao fisco desde que atinja os 500€ sendo que deverá pagar 10% de imposto de selo, havendo apenas uns resquícios de pudor quanto a doações entre ascendentes e descendentes (declaram-se mas não se taxam). Seguramente, haverá razões ponderosas para a integridade de todo o sistema fiscal que justifiquem, em teoria, esta regra de taxar todas as transferências de dinheiro. Provavelmente, as doações acima de 500€ serão até um não-problema para a maioria dos portugueses, mas desconfio que o princípio chocará mais população do que o suposto universo dos directamente afectados.
Mais do que compreender a necessidade de um imposto com estas lógicas e com esta utilidade, concluo que estará na altura de alterar radicalmente todo o sistema fiscal português. Não necessariamente com o radicalismo apresentado pelo Luis Aguiar Conraria: leia-se “Imposto único, subsídio único” e “Re: “Uns dizem mata…” bem como os respectivos comentários. Sendo um radicalismo para já tão impraticável quanto o fim dos off-shores (implicariam ambos um consenso internacional alargado para que o país promotor da revolução não cometesse suicídio fiscal), estamos conversados – à partida. Ainda assim os pressupostos que levam à interessante conversa promovida no Destreza das Dúvidas são de relevar.
Arrepiando caminho em relação ao que, justificado pela emergência nacional do controlo do défice, tem sido a tendência de acrescentar ao necessário e justificável reforço de meios pelos quais se consegue fiscalizar o contribuinte (cruzamento de bases de dados diversas, por exemplo), a manutenção e agravamento de toda oferta de impostos pré-existentes à crise reforçada do défice (acumulando duplas e triplas tributações, inversões do ónus da prova, etc), está na hora de forçar o pensamento no day-after da paranóia anti-défice.
Seria muito mau que se deixasse cristalizar para o futuro a panóplia de impostos “disponíveis” e a sua severidade, seja esta última medida pelas taxas de IVA, pela base de incidência do Imposto de Selo e/ou por outras vias. Tal como seria muito mau não estar à espera de um day-after.
Não assumir que muito do que tem sido feito em matéria fiscal tem de ser temporário é tão mau quanto acreditar, a pretexto de uma conjuntura económica mais favorável, que é possível deixar de se ter como objectivo uma reforma/ clarificação do papel do Estado.
Havendo ainda razões para, no curto prazo, não se mexer (demasiado) no status quo fiscal, convém ter bem presente que o paradigma de redistribuição de rendimentos tem de ser repensado no sentido de uma simplificação, de uma progressiva autonomia face à cobrança fiscal e de uma comprovada aceitação democrática com esta matéria a merecer maior destaque político e a assumir, no futuro, um papel mais relevante no debate político. Afinal, até há mais impostos além do IVA e do IRS/IRC e há uma imagem muito difusa do que é que contribui de facto e em que medida para a redistribuição de rendimentos.
Pessoalmente estou também apenas nesta fase inicial, com estes pressupostos e com a memória do que se tem passado em terras lusas nas últimas décadas. De resto, tento conservar espírito aberto, procurando não me agarrar demasiado acriticamente a convicções do passado. Uma longa e urgente conversa baseada em opiniões informadas e posteriormente temperada com opções políticas deve estar cada vez mais na ordem do dia.