Nenhum indicador isolado, por muito bem construido que seja deve ser a peça central de uma análise que se queira robusta e séria. Esta regra, é boa conselheira seja para qual for a área da vida em sociedade, ou da ciência. E no estudo de fenómenos sociais, por definição multidimensionais e complexos, é ainda mais útil. Tudo isto a propósito do estranho caso do PIB per capita (ou mesmo do PIB isolado) que repetidamente via surgindo como indicador da moda para patrocinar conclusões tremendistas e discussões infindáveis e animadíssimas, mas raramente com utilidade real se buscamos estar bem informados e conhecedores da realidade para sobre ela agirmos ou para dela avaliarmos práticas passadas, nomeadamente opções políticas.
Despesa de Consumo Individual per capita versus PIB per capita
No passado dia 14 de dezembro, o Instituto Nacional de Estatística divulgou os dados mais recentes sobre as Paridades de Poder de Compra (ano 2022) e nesse pacote de difusão de informação consta, como habitualmente o PIB per capita em paridades de poder de compra para os 27 países da União Europeia. Mas consta também outro indicador designado de Despesa de Consumo Individual (ou DCI).
E sobre ele o INE sublinha, no destaque resumo que preparou o seguinte:
“A Despesa de Consumo Individual per capita, que constitui um indicador mais apropriado para refletir o bem-estar das famílias , fixou-se em 87,0% da média da União Europeia, 2,6 p.p. superior ao observado no ano anterior (84,4%), ocupando a 12ª posição na Zona Euro e a 15ª na União Europeia, tendo melhorado 2 e 3 posições, respetivamente, face ao exercício anterior.”.
O problema do uso indivíduo de indicadores para a formação de opinião e de políticas é tão grave que o Eurostat (entidade da União Europeia que funciona como INE dos INES) se vê forçada a destacar repetidamente as forças e fraquezas de cada indicador e a promover a publicitação de mais do que um indicador, com conteúdos distintos, quando completa o exercício das Paridades de Poder de Compra.
Neste caso, ao tradicional PIB per capita (em Paridades de Poder de Compra) o já referido indicador de Despesa de Consumo Individual per capita (em paridades de poder de compra).
Na lista de forças, fraqueza e cautelas sobre cada indicador. O INE/Eurostar recomendam o uso o PIB per capital para avaliar o bem-estar económico de um país e recomendam o o uso da Despesa de Consumo Individual per capita para avaliar o bem-estar familiar.
Para Portugal, os dois indicadores apontam para algumas diferenças importantes resumidas nestas linhas pelo INE:
“Em 2022, o Produto Interno Bruto per capita de Portugal, expresso em Paridades de Poder de Compra (PPC), situou-se em 78,7% da média da União Europeia, valor superior em 3,4 pontos percentuais (p.p.) ao registado em 2021 (75,3%). Portugal ocupava, assim, a 16ª posição entre os 19 países da Zona Euro e a 20ª da União Europeia, mantendo as posições observadas no exercício anterior.
A Despesa de Consumo Individual per capita, que constitui um indicador mais apropriado para refletir o bem-estar das famílias , fixou-se em 87,0% da média da União Europeia, 2,6 p.p. superior ao observado no ano anterior (84,4%), ocupando a 12ª posição na Zona Euro e a 15ª na União Europeia, tendo melhorado 2 e 3 posições, respetivamente, face ao exercício anterior”
E comparando alguns países registam-se diferenças ainda mais expressivas. Sendo o PIB per capita demasiadas vezes apresentado, erradamente, como um indicador que atesta quão melhor se vive num país face a outro, é significativo verificar que este indicador, em 2022, atinge os 234,8 na Irlanda em Índice de volume per capita, (o 2º maior da União Europeia), enquanto em Portugal se fica pelos 78,7 (a 23ª posição). Ou seja, de forma simplificada, a Irlanda tem um PIB per capita quase 300% superior a Portugal.
Mas quando nos focamos no efetivo bem-estar das famílias, melhor medido pelo indicador de Despesa de Consumo Individual per capita a Irlanda tem um indicador de 94,3 e Portugal de 87,0, uma diferença de apenas 8,3%.
O gráfico exposto em cima, que inclui mais do que a União Europeia, é particularmente revelador das fragilidades do PIB per capita se erradamente usado para medir as condições de vida das pessoas, a este propósito atente-se à enorme divergências entre o indicador do PIB per capita e do DCI per capital para o top 3: Luxemburgo, Irlanda (ambos com regimes fiscais completamente atípicos) e Noruega (país produtor de petróleo).
Portugal em particular, que surge estagnado, entre 2021 e 2022, em termos de PIB per capita na 2ª posição entre 27 países, melhorou da 18ª para a 15º posição quando observado o bem-estar das famílias.
O que mede exatamente a Despesa de Consumo Individual (DCI)?
Segundo a definição do INE a Despesa de Consumo Individual (DCI), corresponde à soma da despesa final em consumo em bens e serviços pelas famílias, incluindo ISFLSF (instituições sem fins lucrativos ao serviço das famílias), com a despesa final das administrações públicas em bens e serviços e serviços de consumo individual (correspondendo a transferências sociais em espécie de que são exemplo comparticipações na aquisição de medicamentos). Constitui uma medida dos bens e serviços consumidos pelas famílias independentemente da sua aquisição ser ou não efetuada por elas.