Algumas linhas para debater o Rendimento Básico Incondicional e tudo o resto que o devia preceder.
“O trabalho já não é o que era” em breve, perto de si
Quando uma inovação tecnológica substitui as pessoas, tipicamente consegue produzir mais e melhor aumentando a riqueza gerada. Teoricamente, a sociedade terá então condições para todos ficarem melhor, pois há mais riqueza disponível.
Contudo, o trabalho é o mecanismo primordial de distribuição de riqueza para a esmagadora maioria dos seres humanos. Se a riqueza gerada se concentra cada vez mais em cada vez menos, atingimos um paradoxo de termos mais riqueza e mais potencial para miséria.
O que pode substituir o trabalho como mecanismo de obtenção rendimento?
É neste contexto que surge a ideia do Rendimento Básico Incondicional. Vamos redistribuir essa riqueza extra de modo a que todos possamos ficar melhor do que antes do momento em que houve a inovação tecnológica que destruir os empregos. Vamos dar a hipótese a todos, poderem escolher com maior liberdade (menos preocupados com a sobrevivência) o que querem fazer na vida. O básico chega? Então não precisa de trabalhar. Não chega? Então procure trabalhar. O que é o básico? Quanto é o valor? Muitas perguntas que estão a motivar muita discussão animada e interessante mas…
Um problema tão velho quanto a descoberta dos primeiros instrumentos pelo Homem
Esqueçamos por agora o potencial que este desequilíbrio (substituição em massa de pessoas por “máquinas” nos locais de trabalho), tem de destruir todo o sistema, ou seja, esqueçamos que se não houver pessoas suficientes com riqueza/rendimento suficiente para consumir o que se produz, podemos acabar por fomentar crises de procura com consequências potencialmente devastadoras (terá sido em parte o que sucedeu desde 2007 ainda que com múltiplos fatores a contribuir).
Concentremo-nos no facto de que se o número de empregos cai e mesmo que os remanescentes até possam vir a ser melhor remunerados (o que não é de todo uma certeza, em média) o problema de fazer chegar a riqueza adicional a quem saiu do sistema produtivo dominante torna-se um problema. Sério.
Um problema sério mas não novo, e tão velho quanto as revoluções tecnológicas que ocorreram no planeta. Dizem-nos, no entanto, que podemos estar no dealbar de uma inovação epocal que, pela magnitude da substituição de trabalho por novas tecnologias (em especial afetando quem trabalha nos serviços) pode assumir consequências dramáticas em várias sociedades, em especial as mais desenvolvidas.
Onde está o dinheiro?
Imaginemos então que teremos um exército de desempregados, muitos deles não recicláveis para reentrar no mercado de trabalho ou simplesmente – mesmo que competentes tecnologicamente – excedentes face ao que passou a ser o força de trabalho necessária para manter a máquina de produção de crescimento eterno em que procuramos transformar as nossas economias.
O que fazer? Como dissemos, se há mais riqueza deveria ser possível redistribuí-la por todos mesmo que agora não usando apenas o trabalho como mecanismo de afetação de rendimento.
Teríamos uma sociedade com mais tempo livre, mais disponibilidade para o lazer, para a criatividade, para a filosofia, para a expansão além do nosso planeta, onde cada um poderia procurar outras justificações e ocupações para a vida e, provavelmente, para alguns, um sociedade depressiva por via de crises existenciais.
Mas antes de chegarmos a esse paraíso mais ou menos infernal temos um detalhe por resolver: como redistribuir a riqueza. Como ligar uma eventual máquina redistributiva à riqueza gerada e distribuir o pão pelas bocas?
Se a experiência fiscal é um prenuncio então temos um sério problema. A crescente acumulação de riqueza em muito poucos, típica de várias sociedades e agravada pela atual revolução tecnológica e desenho globalizado da sociedade – com estados nação mal organizados entre si e impotentes em tributar o capital que não senha alicerces na terra – só pode ser fonte para redistribuição de algo se fundamental mudar à escala global (ou pelo menos à escala de grandes espaços económicos). Tem de ser possível tributar essas grandes fortunas e, não menos fácil, tem de ser possível redistribuir parte dessas fortunas por vários países e seus nacionais.
Para se ter um ordem da grandeza das verbas de que podemos estar a falar, se quiséssemos pagar, a todos os ativos do país, o equivalente ao valor máximo que alguém pode receber per capital de Rendimento Social de Inserção ( cerca de €190 por mês ao longo de 12 meses) precisaríamos de outro IRS igual ao atual para acomodar essa despesa.
Um exemplo provável
Redistribuir: convinha que fosse possível fazê-lo sem, pelo caminho, destruir o impulso inovador. Talvez ao fazê-lo se perceba que estamos a preservar o mercado e o incentivo à perpetuação da busca pela eficiência. Talvez se perceba que, com equilíbrio, isto é a salvação do sistema vigente, de base capitalista, mas mitigado.
Talvez, mas o mais provável é que esta evidência ainda precise de muitos campeões e de mais algumas crises de procura até se tornar auto-evidente ou então, pode também acontecer que a sociedade simplesmente se parta definitivamente e o sistema funcione apenas para uma elite com poder económico, protegida para uma máquina poderosíssima de tecnologia, aniquilante para os restos da sociedade. A distopia pode estar a um passo, sim.
Regressemos ao que é inteiramente provável. Imaginemos uma empresa de software que desenvolve um algoritmo que é uma genuína entidade de inteligência artificial que consegue substituir metade dos advogados e juristas do planeta. Grandes estados de direito passam a ter milhões e milhões de desempregados no espaço de cinco anos.
Os lucros de prestação de serviços, de licenças de utilização dessa empresa em todo o mundo seriam astronómicos, provavelmente superiores ao PIB de vários países. As consequências disruptivas nos países e na forma de canalizar o rendimento seriam dramáticas. A pressão orçamental sobre o sistema de segurança social (subsídios de desemprego, etc) enormes, a pressão sobre a máquina tributária para captar mais receita para fazer face à rotura do mercado de trabalho premente mas…
Essa empresa tem os lucros noutro sítio, onde tem a sede mundial. Imagine-se que é tributada num país – que até pode não ser um paraíso fiscal – que representa apenas uma fração do impacto dessa empresa no mercado de trabalho mas que recolhe o essencial dos impostos sobre os lucros. Como podem os estados que estão a braços com a assimetria provocada na sua rede de segurança ir buscar parte dos lucros gerados que são tributados por outro estado? Sim, os países afetados podem conseguir mais qualquer coisa de tributo junto das empresas que substituíram os trabalhadores pela “máquina” e que conseguiram aumentar os seus lucros, mas tudo o que se refira à remuneração dos “novos trabalhadores”, ou seja, da entidade de inteligência artificial, desapareceu por via de ser um prestador de serviços “estrangeiro”.
Naturalmente, a máquina fiscal de cada estado pode procurar exigir que a tributação se faça no local em que é pago o serviço e não no local onde é registado o lucro mas essa é já hoje a batalha que se trava, ainda com muito poucos resultados positivos. E nessa batalha temos mesmo que reintroduzir temas como os paraísos fiscais, a competição fiscal, que desequilibram ainda mais o sistema e potenciam a acumulação crescente de riqueza em muito poucos.
As boas intenções e a ingenuidade
Sem termos a questão do acesso ao dinheiro, ao nível de riqueza gerado para depois desenhar como a redistribuir resolvida que sentido faz pensar no Rendimento Básico Incondicional? Uma ideia que pode ter muitos méritos e ser um instrumento de redistribuição da riqueza interessante e eficaz com potencial para agradar a socialistas e individualistas.
A discussão pode ser intelectualmente muito estimulante mas pragmaticamente inútil ou até mesmo operacionalmente perigosa, pois quando confrontados pela limitação de recursos disponíveis para redistribuir (e apaixonados pela estética da medida) podemos cair na tentação de percorrer um caminho que não resolva a questão fiscal ou tributária (é preciso mais dinheiro para redistribuir!) e que transforme o que é já hoje – a custo – o erário público, em algo que se afasta cada vez mais de uma lógica de seguro social para o qual todos contribuímos e do qual todos beneficiamos para algo mais próximo de uma misera caridade desresponsabilizadora, baseada em premissas de igualdade de escolha num mundo onde não há igualdade nenhuma na capacidade de escolher.
Usemos os neurónios e não esqueçamos de construir primeiro os alicerces. Para cada fuga para a frente há sempre um bela parede à espera e há uma com o nome do Rendimento Básico Incondicional, se não formos inteligentes.
P1- o melhor distribuidor de riqueza é o salário.
P2- o melhor REdistribuidor de riqueza é o Estado Social.
P3- o melhor taxador de riqueza é o Estado soberano com controlo de capitais.
S1- para resolver a falta de trabalho, é simples, diminui-se o nº de horas de trabalho de cada um, das atuais mais de 40 horas semanais, para 30, como já fez a Suécia.
S2- para resolver o problema da redistribuição, já há solução há várias décadas, a mais eficiente de todas, e com resultados reais, factuais, e que originou os melhores níveis de vida do Mundo na Europa do Norte: estado social. Dá subsídio de desemprego a quem não tem trabalho, e dá-se rendimento social de inserção para tirar pessoas da pobreza. Os outros não precisam, por isso seria desperdício (nada eficiente, ruinoso para o Estado) estar a TROCAR isso tudo pela parvoíce do RBI. Porque é disso que se trata: pagar 200 €/mês a todos (mesmo a quem não precisa) e destruir o SNS, escola pública, etc, só para arranjar as receitas suficientes!
S3- nada como uma VIOLAÇÃO das regras estúpidas da União Europeia. A livre circulação de capitais (já para não falar da moeda única, mas isso é outro problema…) é a maior idiotice de sempre. É como dizer ao ladrão: toma lá as chaves de minha casa, porque a tua liberdade de circulação é mais importante que a minha proteção.
Existe uma ampla maioria (absoluta) nos povos dos diversos países europeus, para implementar isto. Só não existe uma maioria política, porque quem fala diferente do “centro”, é apelidado de “radical”, “deplorável”, ou “malandro”. E porque os políticos dão mais importância a quem lhes financia as carreiras, do que a quem vota neles. Mas isto não muda enquanto o voto não mudar. O problema é mesmo nosso.
Mais cedo do que se imagina entraremos neste circuito Rendimento Social para todos incluindo os que trabalham.O quantitativo ver-se há.