Tinhamos deixado a prosa no artigo anterior “Quanto é que uma empresa portuguesa paga a mais face a uma alemã para obter um empréstimo?” perguntando:
Haverá fontes de financiamento mais baratas para as empresas poderem concorrer num campo menos inclinado do que o recurso ao crédito bancário? E se houver como conseguirão os bancos dar a volta a uma situação de rentabilidades negativas crónicas que, a prazo, os condenarão a uma inevitável falência?
Há muitas perguntas no ar e várias hipóteses de trabalho para enfrentar cada um dos problemas. Retendo-nos na questão do financiamento, é um facto que as empresas que conseguem libertar liquidez e que estão empenhadas (os seus donos) no sucesso do negócio, têm um incentivo para converter resultados em capital, recorrendo assim ao autofinanciamento, mas essa é uma solução que não estará ao alcance de todos.
Num mercado local com pouca escala e deprimido por sucessivas vagas de austeridade que ameaçam estar longe do seu fim e perante a necessidade de globalizar os negócios com as necessidades de capital habitualmente conexas, a ausência de financiamento ambicioso e a preços competitivos à escala global, pode ser determinante para uma boa ideia se converter ou não num negócio que ajude a sustentar a retoma da economia nacional e, tão importante, alterar o seu perfil tecnológico e o seu nível de especialização.
É também por aqui que a fuga de riqueza vai ocorrendo, não sendo incomum perderem-se patentes ou empreendedores que inevitavelmente acabam a contribuir para o sucesso do centro económico da união monetária e para a continuada fragilização da periferia.
Sendo certo que há custos de contexto que dependem das decisões e escolhas locais, e que podem minimizar as dificuldades locais para investidores, para o próprio Estado e trabalhadores (desenvolver o mercado de capitais além banca, por exemplo, e alternativas criativas de financiamento não farão mal a ninguém, por exemplo), a atual disparidade de condições enfrentadas por diferentes agentes económicos localizados em diferentes locais da Zona Euro que não dependem estritamente do que se faça ou não faça em cada Estado, criam um cenário completamente desequilibrado no qual não há oportunidades equitativas para agentes económicos comparáveis. Numa frase, a tomada de decisão e as possibilidades de sucesso de quem está na periferia estão dramaticamente condicionadas.
Sem uma reforma estrutural na Zona Euro, aproximando-a dos fundamentos básicos do que tem de ser um espaço económico que partilha uma mesma moeda e sem perspetivas de que haja interesse político em promover essa reforma – antes pelo contrário – é muito difícil imaginar um caminho sustentável e de sucesso para qualquer tentativa de convergência da economia portuguesa face aos seus parceiros que se encontram na zona mais elevada deste terreno de jogo crescentemente inclinado.
Este é um diagnóstico várias vezes aceite e partilhado por alguns responsáveis do BCE (Draghi incluído), sucessivamente preocupados com o que designam de fragmentação do mercado de capitais e com a necessidade de a política fiscal criar almofadas locais acionáveis sempre que surjam choques que afetam de forma diferenciada as diferentes economias do Euro. Mas apesar do próprio BCE reconhecer que tem poderes limitados e objetivamente não adequados para lidar com a fragmentação e muito menos com os diferentes choques locais, este diagnóstico não é partilhado ou pelo menos não tem mobilizado o poder político dos países mais beneficiados pela situação atual.
O espaço para uma discussão franca e produtiva parece aliás arredado, a oportunidade perdeu-se em exercícios de moralização e castigo acompanhados por uma imensa incompetência de leitura económica e política, isto acreditando que havia um objetivo de manutenção e prosperidade da atual composição da zona euro. Hoje, o poder político dos vários países da Zona Euro enfrenta-se a si próprio, confrontando-se as consequências políticas da sua própria inação atempada e intencional, ao ter de lidar previsivelmente em número crescente, com novos representantes políticos cuja ascensão está a ser suportada por cidadãos interessados em aceitar rupturas no sistema e no edifício institucional estabelecido para com isso tentarem viver melhor ou, pelo menos, imaginar um futuro palpável de progresso num prazo razoável.
Por muito caprichosa que seja a economia e discutíveis que sejam alguns dos seus princípios, há algumas relações de causa e efeito que têm resistido à prova do tempo e das diferentes conjunturas históricas. A Zona Euro está a provar de forma cristalina quais as consequências de uma União Monetária que se desenhou cega perante as suas enormes diferenças económicas internas. Enormes e crescentes porque aumentadas intencionalmente desde a fundação com sucessivos alargamentos e diluição dos escassos mecanismos indiretos de amortecimento de choques. E crescentes também porque as dificuldades de uns foram sucessivamente encapsuladas numa narrativa que se satisfazia e satisfaz com o ramo local das responsabilidades, reduzindo-se assim o dialogo europeu a um exercício de passa culpas cada vez mais apresentado de forma superior e paternalista, para ser contido nas palavras.
Não sendo fácil de explicar ou de interiorizar e não sendo comum vê-lo escrito, toda esta dimensão de política e político-económica que está construída e é suportada pelos atuais fundamentos da Zona Euro, tem reflexos claros e evidentes na vida do dia a dia de cidadãos e empresas levando à ascensão legítima da pergunta: o balanço da manutenção da Zona Euro como está ainda é positivo para o meu país? E se não é hoje, é legítimo e credível pensar que vai passar a ser num prazo razoável?
Um conjunto de perguntas e um enquadramento que deve ser devidamente explicado e colocado a todos os cidadãos e às quais os políticos do momento e do futuro terão de se remeter, com humildade e franqueza, sob pena de criarem uma expectativa e uma perceção de poder para mudar as coisas que, sem encarar esta importantíssima reflexão, na realidade, não têm.