Há várias perguntas relevantes que devem ser colocadas periodicamente para se avaliar da saúde ou sustentabilidade associada à relação dos agentes económicos com o crédito. No caso deste artigo centramo-nos na relação entre os particulares e o crédito estabelecendo como factos comprovados que:
- o aumento disponível dos particulares aumentou muito ligeiramente nos últimos meses;
- a taxa de poupança das famílias se tem vindo a reduzir para mínimos históricos;
- o consumo do país tem vindo a ser dinamizado pelas famílias com particular enfoque na aquisição de bens duradouros, em especial automóveis.
Com esta conjugação de factos procurou-se identificar como tem evoluído o crédito às famílias com o intuito de tentar aferir quão importante estará a ser para suportar o consumo. Face à natureza necessariamente limitada deste texto não se avançará com o exercício de identificação de contributos quantitativos mas testar-se-á se a evolução recente de algumas componentes de crédito às famílias é consistente com o que se tem passado em termos de consumo.
Estão os particulares a aumentar ou a diminuir o seu nível de endividamento?
Esta pergunta remete para uma evolução do crédito acumulado devido pelos particulares em cada momento e da análise dessas grandezas conclui-se que os particulares continuam a amortizar créditos mais rapidamente do que contraem nova dívida, mas estão a fazê-lo a um ritmo cada vez mais lento. Em setembro a variação homóloga do stock de crédito aos particulares tinha sido de -3,1%, nos primeiros nove meses de 2015, a média das variações homólogas mensais foi de -3,4%; nos doze meses anteriores tinha sido de -3,8% e nos doze meses de 2013 tinha sido de -4,4%. Ou seja, crédito global em desaceleração mas ainda em contração. Por aqui, face à necessidade de reduzir o nível de endividamento para níveis mais consentâneos com a capacidade dos cumprir, a situação parece estar a melhorar ainda que se deva sublinhar que nada se está a dizer sobre como esta redução se está a fazer. Se se juntar a estes dados o facto de o mal parado continuar a aumentar e com o facto de os credores terem de estar a assumir perdas destruindo assim crédito em dívida (e que abate ao stock) porque simplesmente passou a ser incobrável, percebe-se que esta contração poderá não se suportar propriamente num processo suave. Vale assim a pena olhar para o que se está a passar nos novos créditos.
Como estão a evoluir os novos empréstimos aos particulares?
Explorando a informação disponibilizada pelo Banco de Portugal identificam-se vários sinais alarmantes na evolução de algumas componentes do crédito às famílias e, em especial do crédito ao consumo.
Os dois gráficos seguintes distinguem-se apenas pelo período temporal que consideram (o segundo é uma “amplição do primeiro com dados desde 2011 até setembro de 2015) e revelam que o que se está a passar em termos de incremento do crédito à habitação e do crédito ao consumo, em particular o crédito prestado de 1 a 5 anos (geralmente associado à aquisição de bens duradouros) é singular. Desde o início de 2011 que se não se verificavam taxas de variação homólogas tão elevadas e mesmo em termos históricos, a recuperação é invulgar.
O facto de termos passado por uma recessão significativa pode certamente contribuir para esta recuperação mas sabendo que o rendimento ao dispor das famílias não subiu significativamente, o ritmo extremamente acelerado de aumento do crédito, mesmo em cenário de baixas taxas de juro, deve fazer disparar sinais de alarme. Aparentemente as expectativas dos devedores será a de que conseguirão suportar os encargos esperando eventualmente uma recuperação do rendimento disponível nos anos que se adivinham.
Este é um tema a acompanhar e que deverá merecer a atenção dos decisores de política económica, das famílias e dos próprios credores.