No espaço de poucos dias surgiram na arena mediática internacional duas vozes a defender a necessidade de se proceder à reestruturação da dívida do países da Zona Euro mais afetados pela crise financeira internacional. Um desses nomes é Kenneth Rogoff que ontem mesmo voltou a verbalizar de forma sonora o que já havia defendido no passado sobre a inevitabilidade e caráter desejável da reestruturação da dívida “periférica” e outro o “falcão” alemão Hans Werner-Sinn, que em tempos defendeu a saída da Grécia e Portugal da Zona Euro para que pudessem “arrumar” as suas economias e que agora sublinha que os níveis de endividamento público e privado (empresas e famílias) são de tal forma elevados que é necessário recomeçar de um ponto de endividamento mais baixo.
Hoje surge também a nível interno uma proposta mais estruturada do que a defendida no manifesto dos 74 de reestruturação da dúvida . Uma proposta que defende dois caminhos distintos para a dívida pública (ausência de haircut, com aumento ds prazos e descida dos juros) e para a dívida privada (com haircut ou mesmo perda total).
O documento final só será apresentado na quinta-feira mas pode-se já ler no Público e no Expresso desenho básico proposta que, a ser implementado, implicaria entendimento e trabalho coordenado com os nossos parceiros e com o BCE. A proposta é assinada por quatro dos subscritores do Manifesto dos 74: Eugénia Pires, Ricardo Cabral, Francisco Louçã e Pedro Nuno Santos, e é um documento de trabalho do Think Thank do ISEG para finanças públicas.
Eis alguns tópicos referidos na peça de Jorge Nascimento Rodrigues no Expresso:
“(…) Quatro economistas portugueses apontam para a necessidade de uma redução de 250 mil milhões de euros na dívida externa, quer pública (diminuição de cerca de 150 mil milhões) quer do sector bancário (diminuição de cerca de 100 mil milhões), uma reestruturação abrangente que é mais do dobro da realizada na Grécia em 2012 e que, a realizar-se, significaria uma diminuição superior a 50% no valor presente da dívida externa portuguesa. (…)”
“(…) Para os autores, o problema principal da economia portuguesa é a crise da balança de pagamentos e da dívida externa motivada por erros “na arquitetura da zona euro” que tiveram um impacto muito grave nas economias periféricas da moeda única, mais do que por políticas internas dos diversos governos portugueses desde a adesão ao euro. “As políticas orçamentais domésticas tiveram um papel importante, mas de segunda ordem”, sublinha-se no documento. (…)
Três objetivos
A operação de reestruturação de dívida a decorrer em 2015 pretende alcançar três objetivos:
– reduzir a dívida externa total, em termos líquidos, em 79 pontos percentuais do PIB (de 103% em finais de 2013 para 24% em finais de 2015, o que já ficaria significativamente abaixo do limiar de insustentabilidade da dívida externa);
– cortar a dívida pública bruta, segundo os critérios de Maastricht, em mais de 50 pontos percentuais do PIB (de mais de 130% atuais para 74% no final de 2015). Apesar da operação proposta de reestruturação da dívida pública, esta ainda ficaria acima do limiar dos 60% do PIB, referido pelo Tratado de Maastricht, o que dá bem a dimensão da dificuldade de proceder a uma redução substancial do peso da dívida pública;
– e diminuir o montante anual de pagamento de juros de 7,6 mil milhões de euros, ou seja 4,4% do PIB (segundo os cálculos do FMI para 2015), para 2,6 mil milhões, 1,5% do PIB.”
E eis alguns excerto da peça de Sérgio Aníbal no Público:
“(…) O sector público deve 287 mil milhões de euros e continuaria a devê-los. A diferença (que faz realmente toda a diferença tanto para as contas públicas como para os credores) é que esse montante, em vez de ser pago durante as próximas décadas como está previsto, seria adiado para um período de dez anos, entre 2045 e 2054. E, ao mesmo tempo, os juros pagos por essa dívida seriam reduzidos de forma drástica para 1% (sem qualquer pagamento em 2015).
O que isto significaria era que, calculada a um valor presente, a dívida pública, que actualmente é de 173% do Produto Interno Bruto, passaria a ser de 82% do PIB. E no imediato, ao ano, a despesa com juros do Estado cairia 4,7 mil milhões de euros, o que retiraria só por si 2,7 pontos percentuais ao valor do défice público.
Quase todos os credores do Estado seriam, nesta simulação, chamados a contribuir. Dos poucos que eram poupados destacam-se os detentores de dívida comercial ou os fundos da Segurança Social, que seriam compensados pelas perdas.
De resto, todos os credores do sector oficial, que incluem o Fundo Monetário Internacional (FMI) e os outros estados europeus por via dos fundos de estabilização europeia, sofreriam perdas. E, entre os privados, tanto os detentores de obrigações de tesouro (principalmente bancos nacionais e investidores internacionais) como aqueles que apostaram em certificados de aforro e de tesouro, como até as empresas com dinheiro a receber por via das PPP, são visados.
No caso dos pequenos aforradores, o cenário traçado nesta proposta de reestruturação trata-os como a qualquer outro credor. Ou seja, reduzindo os juros pagos e adiando em vários anos o pagamento da dívida. Os autores reconhecem, contudo, que pode ser necessário protegê-los e desenham, por isso – embora não fazendo contas para o impacto financeiro daí resultante -, um modelo menos penalizador, em que os aforradores receberiam a dívida num prazo de três a seis anos. (…)
Credores estrangeiros dos bancos perdiam tudo
Os credores dos bancos, na sua maioria estrangeiros, perderiam a totalidade dos seus títulos de dívida. O único credor que manteria os seus direitos intactos seria o Eurosistema, que teria de desempenhar o papel fundamental de continuar a garantir a liquidez do banco a todo o momento.
Entre os depositantes, os valores acima de 100 mil euros veriam o seu valor reduzido em 34%, recebendo em contrapartida acções do banco com valor nominal idêntico às perdas registadas, num processo semelhante ao que ocorreu em Chipre. (…)
Os depósitos abaixo de 100 mil euros seriam assegurados pelo Fundo de Garantia de Depósitos, que também receberia acções do banco, num valor estimado em 36,8 mil milhões de euros para todos os bancos, o que o tornaria no maior accionista individual das instituições financeiras, com uma participação de 36,4%. Estas acções seriam entregues ao Estado.
Seria portanto uma banca radicalmente diferente aquela que sairia deste processo de reestruturação. Detida pelo Estado e por alguns dos seus antigos credores, a banca teria menos 17,1% de activos , mas menos 24% de dívida. Contudo, as receitas com juros cairiam mais do que as despesas com juros, retirando-lhe ao ano cerca de 300 milhões de euros de lucros. (…)”