Porque é que o conceito da recessão técnica é estúpido?

O conceito de recessão técnica é uma convenção definida em economia que se resume a indicar que uma economia de um país entra em recessão se o seu PIB diminuir em dois trimestres consecutivos. Se o PIB cair em trimestres intervalados já não estará em recessão técnica, independentemente da magnitude da queda e da recuperação dos trimestres em que cresce. No fundo, esta convenção pede meças à inteligência e é, na realidade, muito pouco informativa. Ainda assim é muito popular entre jornalistas e políticos, por razões que me escuso de tentar explicar aqui.

Este indicador é tão grosseiro e passível de dar a ideia errada da evolução de uma economia que é possível, por exemplo, termos um país que todos os anos cai em recessão e, ainda assim, todos os ano acabar o ano muito melhor do que no ano anterior – estariamos no caso de uma “boa recessão técnica“. Note que para que isto aconteça basta que, por exemplo, haja uma forte componente sazonal no PIB desse país que provoque todos os anos que haja pelo menos dois trimestres consecutivos em que o PIB diminuiu face a outros trimestres em que ele é particularmente pujante. Note-se ainda que a sazonalidade não é indispensável para justificar a existência deste cenário, ainda que seja um caso típico que justifique este tipo de andamento da economia. Na prática é como se em metade do ano (ou até mesmo num único trimestre) se subissem 4 degraus de uma escada para que, no acumulado do resto do ano, se descessem 3. No final estaríamos todos os anos mais alto que no final do ano anterior.

Por outro lado é possível que um período de recessão termine à conta de a riqueza num dado trimestre ter sido ainda que apenas ligeiramente superior à do trimestre imediatamente anterior e, ainda assim, a economia ter afundado face ao ano anterior. Um caso de “má recessão técnica“. Foi o que aconteceu recentemente não com o PIB mas com a taxa de desemprego (área onde o conceito de recessão não se aplica mas no qual a atenção para as taxas de variação em cadeia é igualmente popular entre a classe política e jornalística). Relativamente aos dados recentes da taxa de desemprego, esta melhorou entre trimestres consecutivos mas, face ao mesmo período do ano anterior, continuou a piorar.

Pode ser também o que nos espera nos números que o INE irá divulgar amanhã relativos ao PIB. É possível que o PIB do segundo trimestre seja mais elevado do que o do primeiro e ainda assim a economia esteja a confirmar que continua a afundar-se face ao mesmo momento do ano anterior pois a intensidade da recuperação pode não ser suficiente para compensar as quedas acumuladas nos trimestres recentes.

Por tudo isto, dita a prudência e a boa análise económica que se privilegie, no campo dos indicadores de fácil entendimento, a variação homóloga e não a variação em cadeia. A variação homóloga oferece-nos sempre a garantia de se defender de aspetos sazonais que possam afetar a economia e dá-nos informação de melhor qualidade analítica para percebermos em que medida uma dada tendência ou fase do ciclo económico está a acelerar ou a abrandar. Por exemplo, quanto ao desemprego, disse-nos que apesar de este continuar a aumentar, o está a fazer agora a um ritmo mais moderado. A situação piora mas mais lentamente o que nos deve levar a estar atentos a indicadores complementares que possam confirmar ou não a aproximação de uma inversão.

Entretanto deixamos aqui dois gráficos com exemplos académicos da “boa recessão” e da “má recessão”. No primeiro caso a economia cresceu entre os períodos extremos 29,5% e no segundo caso caiu 29,5%. Ambos os países enfrentaram recessões em todos os anos analisados ainda que no caso da “boa recessão” nunca se tenha ido além de dois consecutivos de recessão técnica de cada vez enquanto no outro esta se prolongou por mais de 10 trimestres consecutivos.

Nos gráficos surgem as taxas de variação em cadeia (a comparação entre trimestres consecutivos) e a taxa de variação homóloga (comparação entre trimestres equivalentes separados por um ano), ambas na escala da esquerda e ainda o PIB subjacente a cada exemplo, medido em unidades monetárias com leitura na escala da direita.

No caso da recessão boa, há um efeito de sazonalidade tão intenso que mais do que compensa os trimestres seguintes de encolhimento económico da economia. No caso da má recessão, nem com o fim da recessão técnica no último período se interrompeu a queda continuada do PIB e as taxas de variação homólogas negativas.

Muito mais exemplos haveria que demonstrariam o risco e a pouca qualidade “nutricional” da recessão técnica. O caixote do lixo do arsenal analítico da economia seria um bom destino para a recessão técnica.

4 comentários

  1. Infelizmente estes comentários em sempre uma elevada componente política, ou então seriam diferentes, em razão da cor das bandeiras partidárias, !!!!!

  2. Carlos, já ando a dizer o que aqui escrevi há muitos anos. Quer concretizar a crítica que faz ou sente-se confortável apenas com a apreciação genérica cheia de exclamações que fez?
    Onde está à “elevada componente política” nos argumentos apresentados? Pode citar passagens?
    Obrigado.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *