A ideia de lhe cobrarem um juro em vez de lhe pagarem um juro caso queira constituir um depósito a prazo parece-lhe absurda, certo? Em bom rigor, ainda não há muito tempo que isso sucedia. Só que como não havia efeito nominal sobre o dinheiro depositado, existia a ilusão de que não se perdia dinheiro ao depositá-lo. Veja-se a este propósito o artigo recente “Taxas de juro de depósitos a prazo afinal estão a aumentar“.
Em bom rigor, não há memória de alguma vez um depositante particular ter enfrentado uma taxa de juro negativa ou seja de ter pago para poder depositar dinheiro num banco, ainda por outras palavras, não há memória de haver contratos de depósito nos quais se previa antecipadamente que no final do prazo o depositante iria receber menos do que o valor nominal lá depositado.
Contudo, é já isso que sucede hoje com os bancos que depositam dinheiro junto do banco central da Dinamarca (taxa negativa de 0,1%) e, em breve, poderá suceder o mesmo aos bancos que optem por depositar dinheiro junto do Banco Central Europeu (BCE).
Mas porque haveria o BCE de querer fazer isso? Uma das queixas habituais de há alguns meses do BCE é de que os bancos apesar de receberem imensos volumes de liquidez (dinheiro emprestado a baixo preço) insistem em não o canalizar para a economia preferindo, muitos deles, investi-lo em dívida pública (ganhando o diferencial de juros) ou colocando-o junto do próprio BCE mas evitando conceder empréstimos (em particular de médio e longo prazo) a empresas que queiram investir.
Como o BCE tem vindo a descer o custo do dinheiro com o objetivo de dinamizar a economia (a taxa de juro que cobra a quem lhe pede dinheiro – só os bancos o podem fazer, recorde-se – os Estados estão proibidos), a taxa de juro a que remuneram os que decidam depositar por lá os seus recursos tem de acompanhar a descida. E uma vez que ainda assim uma parte importante do dinheiro continua a não sair do sistema financeiro (dos balanços dos bancos) o BCE ponderá aumentar o diferencial entre a taxa que cobra por emprestar e a taxa que “paga” por recolher depósitos para um nível nunca visto: valores negativos. Pelo meio há, entre outros, o receio da deflação a motivar também esta política mais agressiva, (que se pode inserir na preocupação geral de dinamizar a economia) mas não nos vamos alongar sobre isso aqui.
Como dissemos antes, um depósito com valores negativos implica que no final do prazo há menos dinheiro em termos nominais do que no início. Ora isto são águas muito raramente navegadas na história financeira mundial. Há alguma ideia sobre as consequências mas poucas certezas. Pelo menos ao nível do mercado bancário. No mercado da dívida é já matéria mais frequente. Em rigor, quer em relação à dívida pública norte americana, quer à dívida pública alemã, já aconteceu por várias vezes em períodos de grande incerteza financeiras, os investidores preferirem perder com “segurança” algum dinheiro comprando dívida pública desse países “seguros” com juro negativo, do que comprar dívida de outros com juros positivos mas com uma probabilidade de falência (e como tal de perda) muito pior.
O agente económico em mercados financeiros, por vezes, algo surpreendentemente ( – ironia – ) ainda dá provas de racionalidade e, em certas circunstâncias, assinar um contrato onde se compromete a perder dinheiro é a melhor atitude, afinal, racionalmente, perder menos é melhor do que perder mais.
Como será o racional dos mercados quanto à hipótese e/ou confirmação de taxas de juro nominais negativas no BCE? Provavelmente saberemos de experiência própria muito em breve ou pelo menos, será tema muito debatido. Ver a este propósito: ECB Said to Consider Mini Deposit-Rate Cut If Needed ou BCE pondera vir a cobrar aos bancos para colocarem liquidez no banco central