A história inacreditável de hoje no Negócios e um pequeno artigo de opinião da nossa lavra a acompanhar. Para já, um excerto do editorial “Capitalismo Lavado” de Pedro Santos Guerreiro:
” (…) Estamos a falar de dinheiro, muito dinheiro, que ao longo de anos saiu ilegalmente de Portugal. Desde património que saiu depois do 25 de Abril até rendimentos escondidos incluindo, suspeita-se, rendimentos ilícitos. Estamos a falar de dinheiro não declarado ao Fisco, de capitais que saíram pelas enormes nesgas dos sistemas financeiros e dos seus intermediários. Com esta amnistia fiscal, mais de 2,7 mil milhões de capitais que tinham fugido ilegalmente de Portugal vieram, nas últimas semanas, absolver-se de culpa. 2,7 mil milhões. É mais do que o Estado corta este ano em pensões e salários dos funcionários públicos.
Os Estados fazem estes programas por pragmatismo. O dinheiro não voltará doutro modo, mais vale abrir as carteiras e fechar os olhos. Assim é em Portugal, como em Espanha. Quase sempre com grande incidência na Suíça, o país da lucrativa neutralidade. E fazem-no para ter receita fiscal na legalização e para ver capital entrar no país, melhorando a balança de pagamentos e injectando liquidez nos bancos.
Desta vez não foi assim. O Estado abdicou da entrada dos capitais, bastou-lhe cobrar um imposto, 7,5% sobre o capital legalizado. A receita ultrapassou os 200 milhões. O Governo fará disto um sucesso. É o imposto do branqueamento legal. É pragmatismo limpo. É capitalismo sujo. (…)”
Em tempo de guerra não se limpam armas, dizem. Um provérbio interessante mas perigoso de levar à letra a partir do momento em abandonámos as batalhas de lanças e espadeirada e inventámos a pólvora. Não é bonito de ver o que pode fazer um arma de fogo com o cano obstruído…
Estes exemplos de perdão serão efetivamente “lucrativos”? Quanto contribuinte cumpridor se sente enxovalhado por situações destas? Quantos não se sentirão compelidos eles próprios a abandonar o zeloso cumprimento da lei tributária procurando mimetizar o comportamento ilegal que é assim tão brandamente branqueado? Quanto do que é o sentido de Estado e da autoridade democrática e crença no regime não vai para o esgoto? Antes de apontar o dedo a quem foge ao fisco passará a ser necessário refletir. Não estará a fugir ao fisco em legítima defesa? E quanto custará tudo isto? Menos de 200 milhões de euros? Quanto custa ver o Estado repetidamente a converter-se num Estado imoral, com desprezo e incompetência no exercício da Justiça?
Calar a indignação, resumi-la a um desabafo, encolher os ombros, dizer que é tudo a mesma corja como tantas vezes lemos nas caixas de comentários é hoje e cada vez mais um luxo, uma actividade (ou omissão) extremamente dispendiosa. Alhearmo-nos da política ativa entregando a sua prática a “eles”, de quem nos divertimos a dizer mal e depressa, de forma indiferenciada, sem cuidar de avaliar criticamente quem é trigo e quem é joio, é mesmo extremamente dispendioso. Nestes últimos anos talvez um pouco mais do que era normal porque sentimos de forma mais evidente o dinheiro a sair-nos dos bolsos.
Estar na política por serviço publico não é economicamente compensador para os mais competentes, a menos que esperem benefícios curriculares da carreira política, o que é, como é bom de ver, um péssimo estímulo se queremos que estejam focados no interesse comum.
Mas eis que a cada dia que passa cresce agora um estímulo ao contrário: não estar, não participar no escrutínio da ação política, implica um custo efetivo e palpável, contabilizável no fim de cada mês. Um brutal salário negativo cobrado a todos, aos não-políticos profissionais deste país. Aos abstencionistas, aos que votam por protesto, aos que não tentam um pouco mais em conseguir afirmar aquilo em que acreditam politicamente pela positiva, seja qual for o entendimento político de cada um.
Um “partido” dos que são contra “eles” custa muito mais ao país do que o Estado entrega em subvenções partidárias aos partidos existentes. Tem a certeza que o problema são “eles”? Um ladrão rouba o que lhe deixam roubar. Pior do que só colocar trancas à porta depois de roubado é ser roubado e continuar a deixar a porta aberta, reclamando da vida. Em bom português, é pura estupidez.
Seja dentro de um partido, seja numa outra organização apartidária, parece cada vez mais evidente que se não impusermos um maior grau de exigência, se não contribuirmos com determinação e dedicação para condicionarmos democraticamente a ação política corrente (com influência na justiça, na gestão da saúde, educação, etc) não haverá grande esperança de melhoria. Cada um terá os seus recursos, as suas habilitações (sem ter de se preocupar em forjar equivalências), cada um terá a sua palavra a dizer, do mais simples ao mais complicado dos portugueses.
Se lhe posso emprestar um conselho, caro leitor é o de que procure o seu espaço, canalize as suas forças para algo que empurre a governação do país para um melhor patamar. Humildemente, determinadamente e com sentido de auto-estima, responsabilidade e respeito pelo próximo havemos de conseguir fazer melhor. Se lhe falta motivação, recorde-se quanto custa no final do mês pactuar com o deixa andar, com o não contribuir com as suas ideias e vigor para enfrentar os difíceis problemas desta belíssima nação.
Artigo interessante, na perspectiva de dar a conhecer os problemas. Já no que toca às soluções, às sugestões, é pobre e até um pouco arrogante.
Vejamos.
«Um “partido” dos que são contra “eles” custa muito mais ao país do que o Estado entrega em subvenções partidárias aos partidos existentes.»
Isto é uma sugestão para que as pessoas adiram aos partidos? Acredita o autor que se as pessoas aderissem aos partidos e «contribuissem com as suas ideias e vigor para enfrentar os difíceis problemas desta belíssima nação» os partidos mudariam? Que o sistema montado mudaria? No mínimo é ingenuidade.
«Em bom português, é pura estupidez.»
O uso de expressões destas mais não é do que arrogância intelectual – os outros são estúpidos e o autor é o visionário que sabe como se resolvem as coisas… apesar de nada resolver, de nada sugerir que conduza a qualquer tipo de soluções.
«Seja dentro de um partido, seja numa outra organização apartidária, parece cada vez mais evidente que se não impusermos um maior grau de exigência, se não contribuirmos com determinação e dedicação para condicionarmos democraticamente a ação política corrente não haverá grande esperança de melhoria.»
Não sei onde vai o autor buscar a evidência, mas está em linha com a arrogância intelectual vista atrás. Para além disso, as sugestões são totalmente abstractas, sendo por isso totalmente irrelevantes por não conduzirem a nada de visível, de concreto.
«Se lhe posso emprestar um conselho, caro leitor é o de que procure o seu espaço, canalize as suas forças para algo que empurre a governação do país para um melhor patamar.»
O autor arroga-se o direito de dar conselhos. Mais uma vez, está em linha com a arrogância intelectual que vimos atrás. Além disso, volta às sugestões que nada sugerem.
Apesar de tudo, acredito que a vontade do autor de contribuir para alguma mudança seja genuina e que a sua arrogância intelectual possa resultar de alguma frustração, mais do que de uma sua hipotética natureza arrogante. Neste perspectiva apoio a publicação do artigo, pela informação que dá sobre a forma como os nossos administradores – a Administração do Estado – tratam os nossos assuntos.
Quanto à “estupidez” mencionada refere-se muito concretamente à situação de alguém ser roubado, não querer ser roubado e decidir livremente não tomar previdências mínimas para que tal não volte a acontecer. Para mim tal situação encaixa perfeitamente na definição de estupidez. Afirmá-lo é estar a ser arrogante intelectual? Com quem? Nos termos me que coloca a coisa não faço a mínima ideia do que seja isso da “arrogância intelectual”. E muito menos visionário.
Precisa de evidência de que há falta de exigência sobre quem exerce política ativa? Ao estar a afirmá-lo estou a ser novamente intelectualmente arrogante? Definitivamente não o entendo.
Começa com um libelo de ingenuidade (porque tentar mudar os partidos por dentro ou por fora não vale a pena – por oposição a ficar de fora a dizer que não vale a pena?), passa para uma acusação de arrogãncia intelectual (incompreensível face às palavras escritas que supostamente sustentam a acusação) e remata com paternalismo convulsivo.
Refletindo bem nestes três estágios da sua crítica encontrararia, aí sim, suporte para uma arrogância assinalável, uma superioridade poluente para qualquer debate, mas como já disse, temos definições diferentes para tal palavra.
Entretanto, se quiser contribuir com algo positivo, força. Até prova em contrário é também contra pessoas como o Mário dá a entender ser nesta breve crítica que teremos de batalhar para que a situação melhor.
Talvez esteja a ser injusto mas do que aqui escreveu não conseguir extrair nada que se pareça com um contributo que acrescente, só que destrua.
O Mário representa uma personagem muito comum nesta terra, mas não é um fado. É só querer e sair do sofá.
Cumprimentos.