Se tem mais alguns minutos disponíveis neste fim-de-semana e quiser dedicá-los a partilhar uma reflexão sobre Portugal, recomendamo-lo a ler a entrevista ao Público de Pedro Magalhães, cientista social (que não economista), traquejado em sondagens e em pensar e perscrutar o comportamento político e cultural dos portugueses. Pedro Magalhães é também autor do blogue “Margens de Erro“.
Eis um excerto da entrevista ao Público:
“(…) Depois, há o terceiro ponto, que é mais político e que é muito complicado. Quando observamos os últimos 20 anos da democracia portuguesa, a impressão que nos fica é: o que é que falta experimentar? Já tivemos governos minoritários, maioritários, de coligação. A única coisa que não tivemos foi uma coligação à esquerda e esse é um dos problemas. Não tanto o facto de nunca ter existido, mas o facto de não poder existir.
Ponho-me no lugar de qualquer cidadão e pergunto-me: o que é que falta experimentar? E só tenho uma resposta: o que falta experimentar é políticos e eleitores mais exigentes.
E ainda outro:
” (…) E isso leva-nos ao problema derradeiro: os eleitores. Os eleitores também não são destituídos de responsabilidade.
Não são exigentes?
Não são exigentes. São muito críticos, muito negativos. Portugal é um dos países em que aquela famosa relação entre a situação da economia e o castigo ao governo é das mais fortes. Somos óptimos a castigar. Mas o facto de sermos muito negativos em relação aos governos – os mais críticos da Europa, só comparáveis à Roménia e à Bulgária -, em relação aos partidos, à classe política, à corrupção, não nos torna exigentes.
Repare que não há semana em que não apareça um relatório do Tribunal de Contas que mostra casos de desperdício, de má gestão. E, no entanto, as pessoas parecem imunizadas. Vamos aos jornais ver o que a opinião publicada tem para dizer e o que lemos é se “ele vai dissolver ou não”, se “o FMI vier é bom ou mau”… A opinião publicada está presa ao jogo táctico entre os partidos. E, naturalmente, os eleitores, que só através dessa intermediação podiam ser mais exigentes, não o são. Estamos aqui a falar, sobretudo, do funcionamento do Estado.
O Estado também não deveria ser um produtor de pensamento e de fundamentação para as decisões políticas?
O ponto é outro: seja qual for o caminho que o governo queira dar à sociedade, seja qual for o grupo que queira beneficiar ou prejudicar, seja qual for a maneira como queira distribuir recursos, se não conhecer a realidade, se não tiver uma indicação sobre a relação entre a decisão e a consequência, então é indiferente o partido de governo…
Já estamos mais ou menos aí. Quando olhamos para esta crise, o que percebemos é que ela está a transformar-se num crise de confiança em que ninguém acredita em ninguém. Já somos por tradição um país em que as pessoas não confiam umas nas outras.
Algum grau de desconfiança é sempre bom. É normal e salutar que as pessoas desconfiem do poder. Mas aqui essa desconfiança do poder não emana apenas disso. Emana dessa desconfiança entre as pessoas que mencionou. Uma das coisas mais regulares, mais fortes, mais intensas e mais constantes na comparação com outros países é o baixíssimo nível de confiança interpessoal em Portugal.
Se perguntarmos a uma pessoa se tende a confiar nos outros, ou se acha que todo o cuidado é pouco, setenta e tal por cento respondem que todo o cuidado é pouco. Na Suécia é ao contrário. Isto tem efeitos muito negativos. Desde logo para a actividade económica. Quem é que se junta aos outros para formar uma empresa? Para criar uma associação? Quem é que se organiza para defender um interesse, se acha que os outros estão ali para, mais tarde ou mais cedo, se aproveitarem dele? A partir daqui a desconfiança virtuosa em relação aos partidos não tem condições para ser a mesma. (…)”