Imagine-se que o Índice de Preços no Consumidor (o indicador de base para calcular a inflação) regista nos próximos nove meses do ano um patamar constante e igual ao patamar mais elevado que registou desde o início da guerra na Ucrânia. Qual seria a evolução da taxa de variação homóloga da inflação até ao final do ano, nesse cenário?
Este cenário não oferece nenhuma garantia de superioridade de concretização face a outros, mas pusermo-lo para demonstrar o efeito da entrada dos meses de 2022, já com inflação elevada, nas contas do cálculo da taxa de inflação. Algo que, decorrido um ano desde o início da guerra, se iniciará a partir de março de 2023 e com especial impacto a partir de abril, maio e meses seguintes.
Os dados de base que trabalhámos são do INE (disponíveis aqui).
Para abordar este cenário apresentamos dois gráficos. O primeiro revela a taxa de variação homóloga, em cada mês, desde janeiro de 2022.
Analisando rapidamente o gráfico, constata-se que a taxa de variação homóloga bateu o seu recorde recente em outubro de 2022 tendo, desde então, começado a descer progressivamente.
Atende-se no seguinte: em janeiro de 2023 a variação homóloga era quase o triplo da registada um ano antes, mas em fevereiro era já “apenas” o dobro.
Se se mantiver a evolução recente, em março será já claramente bem menos do dobro da registada no ano anterior, seja por via da redução que se tem registado nas taxas recentes, seja porque a base, o valor de há um ano, será superior, com a entrada em ação dos impactos da guerra que então se iniciava.
Foi da análise desde gráfico que nos ocorreu elaborar o seguinte cenário:
Se pegarmos no índice de preços no consumidor (IPC) mais alto dos últimos meses (o registado no outubro de 2022 que se fixou nos 117,289) e se admitirmos que ele se repetiria em todos os meses que falta decorrer em 2023, que taxas de variação homóloga teríamos?
Note-se que em fevereiro de 2023, o IPC foi de 116,247.
Taxa de inflação a curto prazo em 2023
O gráfico seguinte revela-nos quais seriam os valores da variação homóloga do IPC em cada mês remanescente. Ou seja, se o IPC ficasse constante e colado ao valor máximo que registou em 2022, estes seriam os valores para a taxa de variação homóloga entre março e dezembro de 2023.
Se admitirmos que o IPC não vai superar o máximo local registado em outubro de 2022, então no pico do impacto da guerra, e se admitirmos que a situação não se degrada nos próximos meses para um nível pior do que o já registado, março já deverá trazer uma redução clara da taxa de variação homóloga, algo que se deverá acentuar em abril e nos meses seguintes fazendo a inflação média anual (que depende da evolução das homólogas) aproximar-se progressivamente dos 2%.
O nível de preços não descerá face a 2022, manter-se-á mesmo um pouco acima de 2022, mas registará um ritmo de crescimento muito mais lento nos próximos meses. Na realidade, a menos que a inflação seja negativa, o nível estará sempre a subir. A taxa de inflação mede o ritmo dessa subida.
Logo, quem perdeu poder de compra, continuará a sentir esse efeito, mas a sensação de que a situação parece imparável deverá desaparecer ou atenuar-se fortemente.
Nos últimos meses, o motor da inflação parece estar a ser substituído. Onde antes tínhamos os preços dos produtos energéticos a puxar pelo IPC agora temos os produtos alimentares e a subida das margens de lucro nalguns setores.
Esta situação não é incompatível com a concretização deste cenário, mas dependerá de haver ou não uma aceleração adicional dos preços no novo motor da inflação.
A este propósito, eis algumas questões em aberto a acompanhar nos próximos meses:
- Até que ponto alguma da subida de preços nos produtos alimentares é ainda um efeito desfasado do encarecimento dos custos com a produção registados ao longo da campanha agrícola de 2022?
- E a campanha de 2023 repetirá, em termos de custos de produção, o mesmo nível de preços (ainda que elevado) de 2022 ou os preços dos consumos intermédios necessários à produção irão continuar a subir criando novo ciclo de inflação? Note-se que se os preços se mantiverem, ainda que elevados, a variação homóloga dos preços tenderá a descer.
- E o que acontecerá do lado das margens de lucro? Continuará a haver pressão oportunista em alguns setores ou o novo patamar de margem será suficiente, não se convertendo numa espiral de ganância?
- Finalmente, faltará ainda incorporar a totalidade do impacto da política monetária e salarial restritiva que está ainda a fazer o seu curso e que demora sempre algum tempo até chegar à economia.
- Mesmo que haja uma interrupção antecipada (face às expectativas) da atual política de encarecimento do preço dinheiro com subidas das taxas de juro (nomeadamente devido aos efeitos da crise bancária nos EUA), dificilmente isso irá induzir consumo e pressão sobre os preços, precisamente porque, como dissemos, uma boa parte do impacto negativo sobre a procura, provocado pela subida recente e extremamente acelerada dos juros, estará ainda por ter o seu pleno impacto.
Qual seria a inflação anual de 2023 neste cenário?
Completando o exercício de previsão para a taxa de inflação a curto prazo em 2023, apontamos o valor final anual. No cenário acima descrito, a taxa de variação média anual dos preços no consumidor, ou taxa de inflação, deveria fixar-se, no final de 2023, entre os 3,3% e os 3,4%.
Ao longo do ano iremos procurar acompanhar a evolução da conjuntura económica, afinando os pressupostos deste exercício.
Pode recordar aqui as previsões oficiais mais recentes: