O Banco de Portugual divulgou os dados de abril de 2017 relativos ao montante da dívida pública e vários jornais deram destaque à notícia sendo factualmente corretos mas informativamente muito limitados podendo inclusive dar ideia de que estamos a priorar quando na realidade está a suceder o inverso. Facto: a Dívida pública bate recordes? É verdade? É. Nunca o Estado português no passado tinha estado a dever tanto dinheiro.
Isso só pode ser mau, certo? Errado. Depende de uma outra informação que tem muito a ver com a discussão que aqui trouxemos no artigo “Porque é que o PIB nominal é importante“.
A verdade é que enquanto existir um défice anual no Estado a tendência é de termos uma dívida pública eternamente a crescer quando contabilizada em euros. Mas isso só é um problema se a dívida estiver a crescer mais depressa do que a nossa capacidade de a pagar e a nossa capacidade de a pagar poder ser medida pela riqueza que conseguirmos gerar em cada ano. Ora a riqueza gerada em cada ano quando falamos de um país é grosseiramente medida – mas é o melhor que há – pelo PIB desse país.
Quatro perguntas a responder para perceber o que se está a passar com a dívida
Para sabermos se o novo recorde da dívida pública em euros nos leva para uma situação melhor ou pior à que tínhamos antes deste novo aumento da dívida temos que ver, primeiro qual é o valor efetivo da dívida depois de lhe subtrairmos o que o Estado tem em depósitos, em segundo, qual é o peso desta dívida no PIB, em terceiro, saber se há alguma razão extraordinária e não repetível para explicar os comportamentos detetados e em quarto saber se o fluxo infra-anual de novas emissões está temporariamente desalinhado com os pagamentos de emissões que chegam ao fin nesse mesmo ano.
Se o PIB estiver a crescer mais depressa do que a dívida então o esforço necessário para respeitar os nossos compromissos será menor e não maior. Se, pelo contrário, o PIB estiver a crescer menos do que a dívida então mais cedo ao mais tarde corremos o risco de ter um sarilho grande, em especial se o valor da dívida já for muito elevado face ao PIB (como é o nosso caso).
Temos ainda que saber se um aumento inusitado da dívida tem alguma justificação não repetível ou se é para repetir. Nos últimos anos, apesar de uma forte contenção orçamental, com défices muito mais baixos, a dívida não parou de aumentar a um ritmo desalinhado com o próprio défice e com o serviço da dívida (os juros que se pagam por ela). A justificá-lo estiveram inúmeras operações de resgate a bancos e recapitalizações, a última das quais com impacto nas contas de 2017 e com efeito nos dados agora divulgados pelo Banco de Portugal.
Finalmente, se olharmos só para um ponto no tempo para comparar dívida e défice, podemos ainda ser enganados por um desfasamento entre o momento que se vai ao mercado levantar dinheiro e o momento em que é preciso amortizar um empréstimo antigo. Explicando: pode acontecer que o Estado faça uma emissão antes de fazer uma amortização que irá realizar em breve, criando um período de tempo em que o empréstimo antigo e o novo (que, no fundo serve para pagar o velho) sem mantenham registados em simultâneo da dívida. Esse aumento da dívida num mês será compensado por uma queda simular pouco depois. Também por isso é fundamental olhar para estes indicadores numa perspetiva temporal alargada e não apenas para um ponto, seja ele recorde, ou não.
Na realidade, apesar da forte aceleração da atividade económica e do crescimento do PIB, o registo de dívida por conta da banca levou a dívida a crescer mais depressa do que o PIB nos últimos meses. Ainda que défice esteja a aumentar muito mais devagar do que a geração da riqueza. No caso concreto parece ser a quarta hipótese – a de haver um desfasamento entre levantar dinheiro no mercado e amortizar uma linha de crédito quase na maturidade de dimensão equiparável ao crédito que se foi levantar – que estará a justificar um aumento do peso temporário da dívida no défice. Se for verdade, muito em breve teremos a dívida a cair significativamente como percentagem do PIB.
A este propósito vale a pena ler a peça “Dívida pública sobe para 247,4 mil milhões de euros em Abril” do Jornal de Negócios.
Conclusão:
Assim, mesmo uma comparação relativa (peso da dívida no PIB) pode ser insuficiente e enganadora para se perceber se estamos perante um problema grave ao no bom caminho. Por maioria de razão, maiores serão ainda as dificuldades se nos limitarmos a olhar para um valor em euros da dívida sem sermos confrontado com a resposta a quão fundos são os bolsos do devedor, algo que nos é dito pelo PIB e pela sua evolução e qual é o plano de pagamentos da dívida.